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A resistência popular continua viva e se renova no enfrentamento da ofensiva conservadora e ultraliberal. Os dois últimos meses foram marcados por uma retomada de lutas em vários continentes. A seguir.

Resolução de Conjuntura Internacional da APS-PSOL[1]

Coordenação Nacional da Ação Popular Socialista[2]

13 de novembro de 2019[3]

 

A resistência popular continua viva e se renova no enfrentamento da ofensiva conservadora e ultraliberal. Os dois últimos meses foram marcados por uma retomada de lutas em vários continentes.

A grande, massiva e extensa rebelião popular no Chile, culminou numa série de batalhas da juventude, das trabalhadoras e trabalhadores e de todo o povo oprimido em todos os países andinos. A derrota eleitoral de Macri na Argentina também mostrou que o povo está cansado de perder direitos e ver sua riqueza nacional sendo dilapidada a serviço do imperialismo.

Mas isso não ocorreu somente na América do Sul. Nas Américas Central e do Norte, na Europa, na África, no Oriente Médio e na Ásia, a revolta popular se fez presente em amplas mobilizações de massa e/ou em respostas eleitorais contra as agressões aos direitos do povo nesse momento da crise do capitalismo em que o grande capital só quer usar a linguagem do arrocho e da repressão.

Mas o povo se levantou não foi somente pelo aumento da passagem do metrô no Chile, do combustível no Equador ou por causa da cobrança das ligações de whatsApp no Líbano.

Em contraposição a isso, tivemos o golpe de estado na Bolívia e a possibilidade de vitória da oposição liberal conservadora no segundo turno das eleições no Uruguai.

Isso tudo é resultado da situação mundial, que continua complicada, especialmente na sua face econômica e financeira. Esse é o pano de fundo dos conflitos entre a ofensiva conservadora e ultraliberal e a resistência popular, assim como é a base para o conflito interimperialista, que tem de um lado os EUA e de outro a China em aliança com a Rússia. Esse conflito é, em grande parte, fruto do período mais recente da crise. Ele contribui para aprofundar um clima de instabilidade e incerteza política e retroalimentar a crise econômica.

Além disso, a tendência de um Brexit sem acordo, a sinalização de crescimento perto de zero por cento na Alemanha, Japão e Reino Unido (RU) e diversos outros conflitos nacionais e regionais acedem a luz de alerta na Europa e no mundo e estimulam medidas econômicas protecionistas também em governos como os da França e Alemanha.

Desde 2009, logo depois do pico da crise que ocorreu em 2008, a mídia e outros apologistas do capitalismo em sua fase imperialista sob a égide do neoliberalismo, vêm anunciando que a crise é de curto prazo, que já estaria acabando e sendo resolvida.

Mas os fatos têm insistentemente mostrado que a verdade, como temos afirmado nos últimos anos, é que a crise que estamos vivendo é uma crise estrutural do capitalismo, que se manifesta não somente no âmbito econômico e financeiro, e se desenvolve desde o início da década de 1970.

Por outro lado, o pico que a crise manifestou em 2008 também não se resolveu. De lá pra cá, foram poucos os momentos em que houve algum alívio para os centros tradicionais do imperialismo mundial. O crescimento médio mundial tem sido baixo e só não tem sido pior porque a China tem mantido índices que, mesmo caindo progressivamente em relação aos anos anteriores a 2008, ainda sustentam um crescimento do PIB anual de cerca do dobro da média mundial. Mais recentemente, o crescimento do PIB da Índia acima de 6% também contribuiu para manter a média mundial em um pouco mais que 3%.

Agora, estamos novamente vivendo dias de fortes temores em todos os ambientes do capital.

O índice de todas as bolsas dos EUA tem caído recentemente e a queda dos juros oficiais naquele país é sinal de que o governo está sentindo o risco da recessão (o que é compartilhado por uma parte significativa dos economistas e do empresariado estadunidenses) e a necessidade de estimular uma economia em momento de fraqueza.

A economia da Alemanha depende muito das exportações e sofre as consequências da guerra comercial entre os EUA e a China, o que prejudica as transações comerciais globais em geral. A China também sofre esse impacto e está tendo um enfraquecimento de seu crescimento industrial para o menor índice desde 2002. Isso dificulta a vida das transnacionais dos EUA e do Japão (que vive um momento muito instável em sua economia), que dependem do comércio e da demanda do mercado global. Enfim, há uma retroalimentação da crise entre as quatro maiores potências econômicas mundiais hoje.

A possibilidade real de um Brexit sem acordo entre o Reino Unido e a União Europeia, que continuou sendo a tendência principal no governo Boris Johnson, que foi derrotado no parlamento e forçado a antecipar a convocação de eleições e o PIB negativo da Alemanha (-0,1%) no segundo trimestre de 2019, colocam a possiblidade de a maior potência econômica europeia entrar em recessão técnica e reforçam o clima de insegurança em toda a Europa.

Além disso, outros conflitos nacionais e regionais, como aquele entre Índia e o Paquistão (e, secundariamente, a China) em torno do território da Caxemira, a interrupção do processo de negociação entre a Coreia do Norte, a do Sul e os EUA, as rebeliões com características revolucionárias na Argélia e no Sudão, a vitória do kirchnerismo na Argentina, a vitória relativa da direita nas eleições do parlamento europeu (levantando mais temores quanto à unidade europeia), a crise política e econômica na Itália, os conflitos em Hong Kong, e a prolongada crise econômica do Brasil são, ao mesmo tempo, sinais da crise mundial e fatores que alimentam as turbulências. A crise nas três principais economias do Oriente Médio, com recessão na Turquia, as provocações de Trump em direção ao Iran (que vive o segundo ano em recessão), e a Arábia Saudita em risco de recessão completam o quadro.

Desde o V ENAPS (2012) temos dito que a crise mundial não é só econômica e que “Vivemos um período de Crise Estrutural crônica do capital em nível mundial, que é um processo de crise múltipla: econômica, social, ambiental, energética e alimentar, com fortes componentes políticos e culturais”[4]. Desde 2007, ela se situa principalmente nos centros capitalistas históricos, como os EUA, a Europa e o Japão, mas atinge todo o planeta. Não há sinais de saída “virtuosa”.

Difusamente pelos continentes, regiões e países, de modo desigual e combinado, está presente um jogo de idas e vindas entre a ofensiva liberal e conservadora e o crescimento de partidos de extrema direita (que, em alguns casos nacionais, evoluiu para uma “onda” conservadora com base de massas). Por outro lado, a resistência popular, na luta direta e/ou eleitoral – mesmo não tendo o mesmo vigor alcançado entre 2011 e 2014, continua viva. Tudo isso tem a ver com a situação do Brasil e coloca dificuldades para a recuperação econômica nacional.

O capitalismo continua mostrando sua incapacidade de atender as necessidades da humanidade. A consequência de tudo isso será mais desemprego, pobreza e desigualdade. Mais arrocho, resistência, repressão e mais resistência.

Portanto, a conjuntura internacional continua sendo a da crise econômica estrutural e de suas repercussões em todos os níveis, gerando conflitos, polarizações, resistências e instabilidade política tanto em nível mundial como interna em muitos países, inclusive grandes potências.

 

A Guerra comercial e tecnológica e por espaços geopolíticos entre EUA e China e Rússia se aprofunda

Diante da crise mundial e da perda de competitividade das companhias transnacionais estadunidenses, Trump tomou medidas protecionistas, no que ficou conhecido como “Trade War” (guerra comercial). Aumentou a taxação da importação de diversas mercadorias, o que atingiu vários países, mas principalmente a China. Rompeu com o tratado de controle nuclear do Iran, que tinha sido assinado durante o governo Obama, e era e continua sendo apoiado pela Europa, China e Rússia.

O protecionismo dos EUA a uma parte de suas mercadorias, especialmente da produção agrícola, e o estímulo estatal a outros setores, sempre existiram. Como exemplo, no estouro da crise em 2008, o governo Obama investiu cerca de 1 trilhão de dólares para cobrir o rombo de suas empresas. Mas, a partir daí, aumentaram as preocupações e ações do estado estadunidense com a concorrência econômica chinesa e militar da russa.

Nesse sentido, foram tomadas diversas medidas, ainda no governo Obama, com vistas a promover, com governos aliados ou estimulando a mudança de governos, um cerco militar à Rússia.

E, por outro lado, a China sempre sofreu vários tipos de restrições às suas mercadorias e investimentos produtivos diretos. Mas, a China obedeceu a todas as exigências de liberação econômica feitas para ela entrar na OMC (Organização Mundial do Comércio) e poder atuar mais livremente no mercado internacional, não tendo sofrido, até o governo Trump, um enfrentamento duro e direto como o atual.

Em 2018, o PIB dos EUA teve um crescimento significativo na comparação com a média dos últimos anos (1,5% em 2016 e 2,3% em 2017), tendência que levou a um crescimento de cerca de 2,9% no final de 2018. Mas isso não significa que é uma tendência que se manterá, pois esse crescimento teve um impulso imediato da redução de impostos (1,5 trilhão de dólares de cortes), das medidas protecionistas e da antecipação de exportações para a China, no sentido de evitar as medidas protecionistas chinesas em retaliação às que foram tomadas pelos EUA. Para 2019 a estimativa é de crescimento do PIB de cerca de 2,5%.

Mas, apesar desse crescimento econômico (mesmo que de sustentação incerta e difícil) a política de Trump tem obtido muito mais derrotas do que resultados positivos, pois suas ações não somente têm resultado em maior oposição interna nos EUA, como piorado a imagem daquele país imperialista no mundo. Por outro lado, têm criado dificuldades para a China, mas não têm conseguido impedir o avanço do imperialismo capitalista concorrente que vem do Oriente e, ironicamente, tem se apresentado como vanguarda da defesa do multilateralismo, da globalização e do livre mercado internacional. O que inclui a defesa das regras da OMC, que favorecem grandes potências econômicas em detrimento dos países dependentes.

Esta tem sido a regra: enquanto o discurso e a prática de Trump têm sido de “primeiro a América (EUA)” e a criação de barreiras comerciais, o dos chineses tem sido de que manter boas relações entre China e EUA é o melhor caminho para os EUA, a Europa, os países centrais, os “emergentes” e a periferia. É a sintonia da economia capitalista global; o discurso liberal do “ganha-ganha”, ou seja, que todos podem sair ganhando numa competição pacífica em que haja complementariedade econômica.

Enfim, enquanto a ênfase de Trump é o nacionalismo econômico agressivo e reacionário de grande potência, o da China tem sido o do internacionalismo do livre mercado capitalista.

Com Trump, os EUA tiveram alguma melhora temporária na atividade econômica, mas sofreram uma derrota política e militar na Síria, derrota diplomática na Coreia, desgaste diplomático sem precedentes com a Europa e o Canadá, derrota política e eleitoral nas eleições presidenciais e congressuais no México e nas tentativas de golpe na Venezuela e resistência, difícil mas continuada, na Palestina. Além disso, aumentaram as tensões com a Turquia (que é outro aliado histórico estratégico), e o governo sofreu perda de apoio e aumento da rejeição popular dentro dos EUA. E não vem conseguindo impedir o avanço do imperialismo concorrente chinês. Enquanto isso, teve uma vitória eleitoral importante, que foi a de Bolsonaro no Brasil.

No final das contas, Trump acabou sofrendo também uma derrota nas eleições do Congresso dos EUA onde, apesar de manter a maioria no Senado, perdeu a maioria na Câmara dos Deputados por uma significativa diferença de cadeiras parlamentares e está sob ameaça de impeachment, cujo pedido foi finalmente formalizado pelo Partido Democrata e o processo foi iniciado pela Câmara dos EUA em 24 de setembro.

Os EUA continuam sendo a maior potência mundial em diversos indicadores, mas as taxas de crescimento econômico da China, seus avanços científicos e tecnológicos, e o protagonismo político-militar da Rússia vêm ocupando cada vez mais um importante espaço global.

As guerras interimperialistas não estão colocadas no momento, mas a situação mundial mostra que os conflitos inter-burgueses não são coisa do passado, considerando tanto a luta por recursos naturais e por mercado para produtos industrializados e serviço como, mais do que isso, a disputa pela vanguarda tecnológica.

Não é por outro motivo que a aposta dos EUA, desde os governos anteriores a Trump, como o de Obama, para a construção de um ‘novo século americano’ neste século XXI passa pelo controle direto das áreas ricas em recursos naturais estratégicos, como o Oriente Médio e o norte da África, produtores de petróleo, e pela atualização de sua política de projeção de poder no centro da Eurásia – o que, entretanto, vem sendo bloqueado a partir da aliança formada entre Rússia e China.

Por outro lado, é no sentido da disputa tecnológica que os EUA e alguns governos aliados passaram a colocar obstáculos políticos e burocráticos ao avanço de empresas chinesas de alta tecnologia, como é o caso da Huawei, que estão sendo acusadas, sem comprovação, de espionagem.

Na disputa em termos globais, os EUA continuam com suas ações diretamente violentas e bélicas, inclusive de agressão à soberania de países, mas grande parte de suas ações com vistas a manter ou ampliar sua dominação e áreas de influência dentro de sua estratégia geopolítica tem sido feita através do que tem sido chamado de “guerra híbrida”. Essa tática não se utiliza necessariamente de mecanismos violentos ou através de uma explícita agressão externa. Mas, através do apoio a grupos econômicos, políticos, midiáticos ou militares nacionais, busca mudar governos pela via de velhas e novas técnicas de manipulação eleitoral ou dos “golpes institucionais”, sem uma intervenção direta de forças armadas.

China e Rússia são, respectivamente, o mais populoso e o mais extenso país da Terra, e hoje têm grandes interesses comuns e complementariedade econômica, tecnológica e militar. Realizaram vários acordos bilaterais e multilaterais bem abrangentes e consistentes, inclusive destacando a mútua solidariedade em caso de sofrerem agressões militares.

Entre os acordos, está a “nova Rota da Seda”, que gerará uma grande infraestrutura intercontinental para o comércio entre Ásia, Europa e África, por via terrestre e marítima, e ampliação dos espaços para a exportação de capitais chineses.

O último Congresso do PCC (Partido Comunista da China), realizado no final de 2017, reafirmou formalmente sua linha de “Socialismo com as características chinesas” ou “socialismo de mercado”, o que significa de fato a reafirmação do processo de conversão ao capitalismo, e aprovou um Plano Quinquenal que visa ampliar e aprofundar o protagonismo imperialista Chinês. Do ponto de vista interno, o Plano Quinquenal pretende “diminuir as desigualdades sociais”, que a direção chinesa reconhece que é muito forte, e tomar medidas para conter a destruição ambiental de grandes proporções, que cresceu com o desenvolvimento de tipo capitalista nos últimos anos.

Além disso, consolidou a política de partido único monolítico e a liderança pessoal de Xi Jinping dentro dele e do estado, concentrando em suas mãos os três cargos políticos mais importantes do país: Secretário Geral do Partido, Presidente da República e chefe da Comissão Militar. Suas ações e imagem são tratadas com características de “culto à personalidade”

Para enfrentar a cada vez mais difícil competição com as empresas chinesas dentro da lógica do “livre mercado”, os EUA têm, além das medidas de protecionismo econômico, apelado para ações tipicamente políticas. É o caso da empresa de telecomunicações Huawei, que já é a segunda maior produtora de celulares do mundo, tendo ultrapassado a Apple e ficando atrás da Sansung. Mas a principal ameaça econômica e tecnológica da Huawei não são os celulares, mas as redes 5G, ou quinta geração de redes de Internet sem fio, no que a Huawei tem o vanguardismo, ganhando concorrências para sua implantação em vários países, inclusive nas maiores economias do mundo. Sem condições de concorrer econômica e tecnologicamente com essa empresa, os EUA vêm criando obstáculos políticos. Sem comprovações tecnicamente confiáveis, acusa a empresa de servir de braço do estado chinês para espionagem internacional. Com isso, conseguiu que vários países sob sua influência bloqueassem contratos já em andamento para a implantação de redes produzidas pela Huawei. Nesse esforço, a partir de um pedido de extradição sem fundamento, chegou a conseguir que o Canadá prendesse a executiva e filha do fundador e principal dono da empresa, Meng Wanzhou, que é diretora financeira da empresa. Ela foi solta, mas continua impedida de sair do Canadá até que o pedido de extradição seja julgado.

Entretanto, a China sendo um país de economia capitalista ampla e profundamente integrada à economia mundial; mesmo tendo mais presença e capacidade do estado no planejamento e regulação econômica, também tem sofrido as consequências da crise mundial. Há uma queda progressiva do seu crescimento, com ocorrência de turbulências financeiras, tendo que tomar medidas para aumentar o mercado interno. Atualmente, tem feito um grande esforço econômico e diplomático para contrabalançar a guerra comercial provocada pelo protecionismo dos EUA. Sua ofensiva tem priorizado a Ásia, a África, a Europa e o Oriente Médio, mas sem se afastar da América Latina, de quem hoje é o principal parceiro comercial, mantendo presença também na Oceania. Mas não se pode esquecer que o maior parceiro comercial da China são os EUA.

No seu esforço expansionista, a China tem como um de seus principais sustentáculos o projeto da Nova Rota da Seda, que é um conjunto de ações de infraestrutura com vistas a facilitar o comércio entre China e o resto do mundo, especialmente a Ásia em geral com a Europa e a África. Esse projeto consta de dois eixos principais. Um por via terrestre, fundamentalmente ferroviário, que sai da China, atravessa o Casaquistão e a Rússia para atingir toda a Europa. O outro por via marítima, passando pelo Mar do Sul da China, Oceano Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Assim, o projeto recebeu o nome oficial de “Iniciativa de um Cinturão a Estrada” (em inglês, Belt and Road Iniciative – BRI). Ambas as vias da BRI incluem um sem número de outras vias de acesso e ramificações.

Ademais, China e Rússia têm aprofundado os laços na área de segurança e também feito manobras militares conjuntas, no sentido de dar demonstração de capacidade defensiva e retaliativa também nessa frente da disputa interimperialista. A China também tem acelerado seu investimento militar e sua produção bélica, ampliando sua presença militar mundial, que se faz moderadamente, porém de modo contínuo, progressivo e que amplia sua capacidade bélica quantitativamente e em qualidade tecnológica e poder destrutivo.

Como se vê, o conflito ganha contornos que vão além de uma guerra comercial, expondo cada vez mais suas vertentes na competição tecnológica, corrida armamentista e geopolítica e sua dimensão mais ampla, que é a disputa de hegemonia dentro do capitalismo mundial.

Nesse sentido, além da expansão econômica chinesa, Rússia e China têm ampliado suas ações com vistas a conter agressões dos EUA a aliados, o que pode ser visto nos casos da Síria, Ucrânia, Irã, Coreia do Norte e Venezuela[5].

Porém, esse conflito interimperialista é mais complexo do que os anteriores, porque EUA e China são os maiores adversários, mas são também o maiores parceiros econômicos um do outro. Suas presenças econômicas se fazem de modo superposto, e muitas vezes de modo associado, em áreas de influências comuns.

Por outro lado, como resultado da profunda desigualdade que vem se desenvolvendo em território chinês, está ocorrendo uma maior polarização social que estimula a luta de classes, o que tem se manifestado em milhares de greves econômicas (que são proibidas, mas acabam sendo admitidas dentro de certos limites economicistas) e outras ações de desobediência civil por ano. Ao mesmo tempo, a China tem enfrentado conflitos mais explicitamente políticos, como o que ocorre no momento em Hong Kong[6].

 

O Brexit e a Europa em crise

Em 2016 houve um plebiscito no Reino Unido (RU) no qual Brexit (ruptura do RU com a União Europeia, EU) recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco europeu.

A vitória do Brexit foi reflexo da crise econômica mundial no Reino Unido, que aprofundou o processo de desindustrialização, o corte de benefícios sociais e direitos trabalhistas e o crescimento da xenofobia nos setores mais prejudicados pela crise, como se os refugiados e imigrantes ilegais fossem os culpados pela perda dos empregos. Uma das propagandas pela saída da UE dizia “Vamos fazer a Bretanha grande novamente”, no sentido de que teria condições de melhorar ficando fora da EU.

O Brexit fragiliza o projeto de consolidação de um bloco continental e coloca em questão o processo da globalização imperialista e sua “quebra de fronteiras” a partir dos próprios países centrais, como Europa e EUA. Note-se que o PIB da UE (somatória de todos os países membros) é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA.

O prazo para colocar em prática a saída era 29 de março de 2019, mas o Reino Unido ainda não conseguiu resolver o imbróglio que criou e colocar em prática a saída do bloco europeu. Houve um adiamento para 30 de junho e um outro para 31 de outubro.

Mas, o governo continuou sem conseguir um acordo de maioria no parlamento. Por um lado, existem as contradições com os países da União Europeia (UE), que não estão dispostos a fazer concessões importantes ao RU e estão colocando condições duras para fazer o RU pagar caro por sua decisão.

Por outro lado, há contradições dentro da própria classe dominante e da elite política conservadora. Dentro do próprio Reino Unido aumenta a insatisfação popular com o Brexit e suas possíveis consequências para a vida do povo. Pesquisas recentes indicam que a maioria reivindica um novo plebiscito para aprovar os termos finais do acordo de saída da UE.

O governo conservador da primeira ministra Teresa May fez vários acordos prévios com a UE, mas não conseguiu obter maioria nem no Parlamento e nem mesmo o consenso do seu partido.

Diante das derrotas, ela acabou renunciando; o Partido Conservador, que é maioria no Parlamento, fruto das eleições há três anos, elegeu o novo primeiro ministro Boris Johnson, que é o líder da ala mais à direita do partido e defensor de um Brexit mesmo sem acordo com a UE. Se esse tipo de ruptura ocorrer, deve se aprofundar ainda mais a crise política e econômica no RU na UE.

Boris Johnson construiu um novo acordo com a UE, muito parecido com o anterior, e também não conseguiu uma aprovação no parlamento. Isso provocou um novo adiamento para um acordo com a UE para 31 de janeiro de 2020. Com isso, a crise política se aprofundou o que forçou Boris Johnson a propor uma antecipação das eleições para renovação do parlamento para 12 de dezembro deste ano (estava prevista para 2022), finalmente aprovada no parlamento.

Fica claro, entretanto, que tanto ficar na Europa quanto sair são alternativas dentro do horizonte burguês. A continuidade na UE não elimina as políticas xenófobas e racistas que também estão na UE. Uma ruptura do Reino Unido ou de qualquer outro país da Europa poderia ser positiva, se não ocorresse tendo como base e objetivo principal colocar restrições racistas e xenófobas à imigração.

Essa situação tem gerado tanto um fortalecimento de movimentos sociais à esquerda, da luta dos trabalhadores e contra o racismo, como também abre a possibilidade de vitória de Jeremy Corbyn para Primeiro Ministro. Ele representa uma virada à esquerda do Partido Trabalhista, que saiu de uma linha claramente liberal para um programa mais próximo do trabalhismo reformista social democrata clássico. Corbyn chegou a aparecer na frente em pesquisas de intenção de voto, porém sua ambiguidade em relação ao Brexit tem criado incertezas. Um exemplo foi a vitória relativa de forças políticas mais à direita na recente eleição da bancada do RU para o Parlamento Europeu.

 

A crise mundial, o conservadorismo e a resistência popular

A crise mundial, desde 2008, tem gerado outras consequências, além do aguçamento dos conflitos interimperialistas, onde EUA e China ocupam as principais posições de polos opostos, porém dentro da mesma lógica geral do capitalismo no atual momento de sua fase imperialista.

Há também uma maior polarização política em muitos países, como resultado da disputa aberta entre as classes e frações de classe para o seu enfrentamento. Como já vimos em resoluções anteriores, o resultado tem sido um enfraquecimento de posições liberais clássicas e das tendências mais à direita da social democracia.

O Brasil, com nossas particularidades, se situa dentro desse quadro geral, tanto no que diz respeito à ofensiva conservadora e ultra liberal, como nas dificuldades de recuperação econômica dentro da crise mundial e dos conflitos interimperialistas.

Esse processo abre espaço, por um lado, para um reaparecimento com força de uma direita radical, que tem vários matizes, desde partidos que disputam dentro da institucionalidade até uma extrema direita com perfil mais claramente fascista ou neofascista, que aparece, com suas características particulares, em todos os continentes.

Por outro lado, abriu-se um processo de reconstrução de uma resistência popular mais à esquerda, combinado ou não com o reaparecimento de uma social democracia que resgata uma política mais à esquerda do social-liberalismo e uma maior combatividade econômica do sindicalismo clássico burocratizado.

A resposta a uma caracterização para a situação atual da luta de classes, entretanto, não pode ser resolvida com um discurso simplista, que tem sido praticado por setores da esquerda brasileira e mundial, de que estaríamos vivendo uma profunda defensiva diante de uma grande onda conservadora, fascista ou neofascista mundial generalizada. Tampouco há evidências de que o avanço da resistência ocorrido entre 2011 e 2014 tenha continuado com o mesmo vigor e, muito menos, que tivéssemos vivido numa situação revolucionária ou estivéssemos a caminho dela.

Como temos dito, estamos vivendo um longo período de ofensiva do grande capital sobre os trabalhadores e os povos oprimidos e de resistência diante desses ataques. Neste período histórico, tanto o desenvolvimento da resistência na luta de classes (direta ou por via eleitoral), como a ofensiva da direita institucional ou extrainstitucional, golpista ou baseada em grupos milicianos ou paramilitares, com maior ou menor presença de grupos que possam ser chamados de fascistas ou neofascistas, tem variado.

Isso aparece não somente como manifestações nacionais como também em algumas organizações internacionais como a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), originada nos EUA e que tem a participação da família Bolsonaro. Ou articulações da extrema-direita a partir de Steve Bannon ou redes de grupos mais assumidamente fascistas e neofascistas e a bancada conservadora multinacional no parlamento europeu.

Portanto, continuaremos vivenciando e participando de um contexto carregado de contradições e conflitos, no qual continuarão existindo tanto um processo de luta de classes e contra todo tipo de opressão, no cotidiano mais localizado ou setorial, como explosões de descontentamento e revolta.

 

Na América Latina a resistência se renova

A América Latina continua entre a ofensiva das direitas nacionais e do imperialismo, reforçados com o governo Bolsonaro, e a resistência popular que nos últimos meses voltou a mostrar sua força. Isso acontece numa situação em que, enquanto os EUA, com o governo Trump, passaram a ter uma postura mais agressiva na região, a China e a Rússia também aprofundaram suas presenças econômica, política e militar no continente, agudizando e complexificando a disputa geopolítica das grandes potências na região.

As ondas de lutas na região, entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000 culminaram com a conquista de governos menos submissos aos ditames dos EUA e, ainda que com ambiguidades, até de governos de tendência anti-imperialista, cujo exemplo mais simbólico foi o de Chávez na Venezuela. Agora o que predomina é a crise econômica, social e política, em parte alimentada pela influência direta do governo dos EUA ou de frações do capital estadunidense e a sabotagem das burguesias internas.

Entre o ano de 2002 e a explosão da crise mundial em 2008, o continente latino-americano experimentou um relativo crescimento econômico baseado num modelo neodesenvolvimentista que, com particularidades nacionais, esteve assentado no processo de reprimarização da economia em função da alta dos preços e das exportações de commodities, principalmente minérios, soja, gado e também petróleo e gás.

Alguns países, como o Brasil, ainda conseguiram retardar os efeitos da recessão mundial por algum tempo. Entretanto, a partir de 2013/2014 a crise se instala com força total com altas taxas de desemprego passando dos dois dígitos percentuais. Venezuela, Colômbia, Argentina e, em menor medida, Equador, seguiram o mesmo diapasão e viram suas economias em crise. As previsões de crescimento do PIB para a América Latina em 2019 estão em torno de 1%, bem abaixo da média mundial.

O componente político dessa crise foi o recrudescimento de uma direita que rompeu com a tendência anterior, de conquistas de governos relativamente menos autoritários.

Mas agora, em meio à ofensiva conservadora e ultraliberal, a resistência popular volta a se levantar e ocupar um vigoroso espaço na cena política regional.

No Chile, depois de 15 dias do início das manifestações contra o aumento das tarifas do metrô, da brutal repressão, do estado de emergência, do toque de recolher e dos assassinatos de manifestantes, as grandes manifestações continuam mesmo depois do presidente Piñera ter revogado o aumento das tarifas e ter prometido atender uma série de demandas econômicas e sociais do povo.

No Equador, a revolta começou com manifestações contra o aumento de combustíveis e avançou exigindo o afastamento do presidente Lenin Moreno.

Na Colômbia, protestos massivos de estudantes na maioria das grandes e médias cidades, foi seguida de uma derrota da ultradireita nas eleições municipais.

No Peru, a insatisfação e a revolta popular levaram a uma profunda crise política e conflitos entre as frações das classes dominantes e elites políticas, levando à dissolução do congresso e à convocação de novas eleições.

No Paraguai, o governo assinou um acordo sobre a energia de Itaipu com o Brasil que prejudicava os interesses nacionais do Paraguai, o que provocou grandes manifestações de protesto popular que obrigaram o governo a revogar o acordo e quase sofrer um impeachment.

Na Venezuela, as tentativas de golpe de uma parte da burguesia venezuelana em aliança com interesses do imperialismo dos EUA não conseguiram avançar e foram bloqueadas[7]. Na Argentina, como vimos acima, grandes mobilizações e greves gerais acabaram se refletindo politicamente na derrota do ultraliberalismo do presidente Macri nas eleições.[8]

No Brasil, a libertação de Lula da Silva em 08 de novembro foi um importante passo na defesa das garantias democráticas presentes na Constituição e contra as arbitrariedades do MP, do judiciário e da polícia, pois seu julgamento e condenação, em continuidade ao golpe do impeachment de Dilma Rousseff, configuraram-se como uma farsa jurídica e política.

Mas não tenhamos ilusões: os ataques desferidos pelo governo Bolsonaro-Mourão e pelo Congresso Nacional, de cunho ultraliberal, contra as conquistas sociais e democráticas da classe trabalhadora e setores oprimidos, a natureza e as riquezas nacionais vão continuar, assim como o discurso e as ações conservadoras e de tipo neofascista através de certos aparelhos do estado e de organizações privadas.

O fato de reconhecermos a vitória democrática que a libertação de Lula representa não significa concordar com os seus governos. Apesar das tímidas políticas que geraram relativa, parcial e inconsistente melhora no quadro sócio-econômico de parte de nosso povo, o rebaixamento ideológico e das utopias, o enfraquecimento dos movimentos dos trabalhadores e dos setores oprimidos contribuíram para a manutenção e a consolidação da hegemonia burguesa em nosso país.

O momento é para fortalecermos a resistência e as lutas unitárias para defender as conquistas sociais e democráticas de nosso povo, ao tempo que que construímos uma verdadeira alternativa de esquerda socialista.

Em Honduras, desde o golpe eleitoral de 2017 a indignação está no ar e nas ruas. Em junho de 2019, manifestações contra quebra de direitos, reformas neoliberais e a corrupção avançaram exigindo a queda do presidente ilegítimo do Partido Nacional (conservador).

No Haiti, em setembro e outubro deste ano, as massas foram às ruas em grandiosos protestos, violentamente reprimidos e envolvendo a morte de quase 20 manifestantes e o assassinato de três jornalistas. O país ficou praticamente parado durante um mês e o povo passou a exigir a saída do presidente Jovenel Moïse.

Na Bolívia, a “renúncia” de Evo Morales, sob a ameaça das Forças Armadas, foi de fato, um golpe patrocinado pela extrema direita boliviana representante do grande capital nacional e internacional em conluio com segmentos do fundamentalismo religioso e indícios de participação do imperialismo dos EUA e do governo Bolsonaro.

Durante o governo de Evo Morales, a Bolívia experimentou uma relativa melhoria das condições econômicas, sociais, culturais do povo e na vida democrática. Mas seu governo não foi além dos marcos do nacional desenvolvimentismo e não rompeu a hegemonia do capital.

Como sabemos, o desenvolvimentismo em geral, mesmo na versão boliviana, que foi mais ambicioso que o neodesenvolvimentismo de outros países da América Latina (como Brasil e Argentina), sempre chega a momentos de crise econômica e/ou política. Ou avança, rompendo com o imperialismo, o latifúndio, os monopólios e as oligarquias em geral, numa transição ao socialismo, ou será derrotado ou derrubado pelo grande capital. E o governo de Evo Morales e seu partido (MAS), ficou devendo esse passo revolucionário. Sua tentativa de conciliação de classes, mais uma vez na história, mostrou-se impotente.

Além disso, o processo eleitoral, desde o referendo para a sua reeleição, foi polêmico e conturbado, mesmo entre uma parte da esquerda e dos movimentos populares bolivianos, o que requer um balanço mais profundo.

Se aproveitando dessas circunstâncias, a direita em geral e sua ala mais extrema, como instrumento do grande capital, partiu para a ofensiva passando a ter a participação ativa da polícia e em seguida do Exército.

Enquanto isso, a segunda vice presidente do senado, Jeanine Añez (da oposição de direita), numa seção fajuta e sem quórum do Congresso, se autonomeou presidente da Bolívia, numa clara usurpação da soberania popular.

Porém a situação ainda não está clara, na medida em que as forças populares, tanto as que eram fiéis a Morales quanto todos que, mesmo críticos a seu governo, combatem o golpe, ainda estão ativos na resistência[9].

Já no Uruguai, os limites das políticas social-liberais da Frente Ampla, apesar de várias conquistas em termos de direitos civis, têm desgastado progressivamente o governo que está numa muito difícil condição para enfrentar o Partido Nacional (direita tradicional uruguaia) no segundo turno que se avizinha.

Cuba continua numa situação desfavorável, com a profunda crise que hoje atinge seu principal aliado atual (a Venezuela) e o golpe palaciano seguido da Vitória de Bolsonaro no Brasil – que, durante os governos do PT, mesmo sem ter construído uma política externa verdadeiramente independente e internacionalista, formou uma parceria econômica importante no período mais recente. Ao mesmo tempo, a postura do presidente dos EUA, Donald Trump, tem sido de recrudescimento da violência e “exigências” ao governo cubano para que o processo de fim do embargo comercial prossiga. Mas os acordos com a China estão reabrindo canais de comércio e investimentos, que podem aliviar o cerco econômico, mas reproduzindo relações de dependência. Por isso devemos intensificar a solidariedade ao seu povo exigindo o fim do embargo e o fechamento da base militar de Guantánamo[9].

Finalmente, como parte do avanço da direita no Sul do continente americano, foi criado o PROSUL (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul), que foi idealizado pelo presidente do Chile Sebastián Piñera, com o objetivo de esvaziar a UNASUL e articular os governos mais à direita na América do Sul, colocando-os em posição de alinhamento com os EUA. Oito países já ratificaram sua participação: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guiana, Equador, Paraguai e Peru.

 

Há resistência popular em todo o mundo

Na África e Oriente Médio, a luta continua presente, mostrando que a onda de protestos contra o arrocho, as reformas antipopulares e governos autoritários, que teve grande repercussão entre 2011 e 2012, continua latente ou se expressando em mobilizações de massa.

Verdadeiras insurgências na Argélia e Sudão, com forte capacidade de mobilização e significativa presença de organizações de trabalhadores e do povo, provocaram processos de mudanças sociais e políticas positivas que ainda estão em curso[10], assim como um avanço na consciência política e capacidade de organização.

No Líbano, a revolta começou com a decisão do governo de cobrar uma taxa pelas ligações via whatsApp mas se ampliou e se desenvolveu numa luta contra as condições de vida, a carestia e precariedade dos serviços públicos e da infraestrutura que já eram precários e pioram crescentemente desde a guerra na vizinha Síria. No Iraque, manifestações contra a pobreza, falta de água, energia, saúde e educação têm sido o combustível de uma revolta que já dura mais de um mês e provocou a morte de cerca de 250 pessoas.

Na Palestina, a resistência histórica de seu povo contra o sionismo e a ocupação ilegal de seu território pelas forças armadas de Israel, também continuou presente várias vezes neste 2019. Nem a violenta repressão israelense, que provocou neste anos várias mortes e dezenas de feridos, consegue aplacar a resistência palestina.

Enquanto isso, o povo israelense também foi à luta. Contra as arbitrariedades antidemocráticas do primeiro ministro Benjamin Netanyahu, que tentou criar casuísmos legais que o protegesse de ser criminalizado por suas ações corruptas. Os protestos incluíram uma greve de mulheres contra a violência de gênero e, no final de outubro, uma insólita greve de diplomatas e militares, em 103 embaixadas e consulados de Israel em várias partes do mundo, para receber salários pendentes. E, no começo de novembro, uma greve de fome de deputados árabes no parlamento israelense. Por outro lado, Netanyahu, depois de vários mandatos à frente do direitista partido Likud, enfrentou um impasse eleitoral por, depois de várias rodadas eleitorais, não conseguir formar uma maioria (mesmo com seus parceiros da extrema direita), saindo derrotado do pleito, ficando pela primeira vez, desde 2008, sem condições de encabeçar a formação do novo governo, que pode ficar nas mãos de uma coalisão encabeçada pelo candidato considerado de “centro-direita” com agrupamentos centristas.

Na fronteira entre o Oriente Médio e a Europa, na Turquia diversas manifestações marcaram o primeiro semestre de 2019 e, no final de junho, pela primeira vez ocorreu a derrota no partido do governo na capital Istambul. Além disso, milhares de manifestantes foram às ruas de várias cidades da Europa em protesto contra a recente ofensiva da Turquia na Síria. Enquanto isso, o governo turco prendeu 120 pessoas que usaram as redes sociais para fazer críticas à ações das forças armadas turcas na Síria.

Na Europa, o destaque de outubro continuou sendo as multitudinárias manifestações do povo da Catalunha por sua independência e contra a condenação de suas lideranças pela justiça do estado espanhol.

Na Hungria, pela primeira vez desde que a extrema-direita chegou ao governo central, a oposição, encabeçada por um candidato ecologista, venceu as eleições na capital Budapeste. Em Portugal, a frente de centro-esquerda governante, voltou a vencer as eleições, derrotando a direita.

Na Itália, mergulhada numa crise econômica crônica, e vivenciando importantes mobilizações populares, a crise política tomou conta do cenário em 2019, com o racha na coalização governante com predominância de direita e presença da extrema-direita. O resultado, em setembro, foi a exclusão da extrema-direita do governo e a formação de uma governo considerado de “centro”. Também em setembro, a Itália foi palco de manifestação com mais de um milhão de pessoas na “Greve pelo Clima”.

Na Rússia, depois de meses com diversos protestos de mais de 2 mil pessoas presas, Putin, apesar de vencer as eleições parlamentares municipais em Moscou, sofreu uma derrota política importante, perdendo espaço no parlamento. O principal beneficiário foi o partido comunista, que ampliou suas cadeiras de 5 para 13 de um total de 45 vagas. Mas o comparecimento dos eleitores continuou muito baixo: apenas 22% votaram.

Na França, no rastro da luta contra a reforma trabalhista de 2017, as lutas de resistência se tornaram frequentes, como a do movimento dos “Coletes Amarelos” que durante meses investiu contra as políticas liberais, antissociais a repressão policial do governo Macron. Assim como da juventude pelo transporte gratuito e o novo movimento dos “Coletes Negros”, formado por imigrantes que lutam contra o racismo e a xenofobia, pelo reconhecimento legal e por direitos trabalhistas. Seu lançamento foi em julho, com uma grande manifestação que ocupou o Pantheon e foi violentamente reprimida pela polícia, que também se utilizou de xingamentos de tipo nitidamente racistas.

Na Alemanha, além de importantes manifestações de protesto contra as mudanças climáticas que foram bem além da “Greve Mundial”, 2019 tem sido um ano de importantes manifestações contra a extrema-direita, as greves de aeroviários e trabalhadores da Amazon, e vários outros setores específicos.

A Ásia também tem sido palco de protestos e mobilizações. Na China, além do que as manifestações em Hong Kong, que refletiram uma justa reação à falta de liberdade política, mas cujo apoio não pode deixar de explicitar a defesa da soberania chinesa sobre aquele território (portanto uma posição contrária a demandas separatistas), tem ocorrido milhares de greves localizadas (que são proibidas), por melhores salários e condições de trabalho e outras ações de desobediência civil.

Na Índia, no início deste ano, ocorreu a maior Greve Geral da história, quando cerca de 200 milhões de trabalhadoras e trabalhadores paralisaram suas atividades por dois dias.

Ocorreram também manifestações globais como a “Greve Mundial pelo Clima”, em setembro, que mobilizou milhões de pessoas em cerca de cinco mil lugares de 150 países. E a “Greve Internacional de Mulheres” que também mobilizou multidões em todos os continentes. Além disso, principalmente na Europa, ocorreram um sem número de combativas mobilizações contra o fascismo, o racismo, a xenofobia e a islamofobia.

Finalmente, não podemos esquecer as inúmeras ações de solidariedade internacional ocorridas em todos os continentes. Daí, todo nosso agradecimento a todos que fizeram importantes manifestações contrárias às políticas do governo Bolsonaro, tanto aquelas que têm um sentido neofascista como aquelas particularmente realizadas quando dos incêndios na Amazônia.

Esse levantamento, apenas descritivo, superficial e certamente incompleto, das batalhas de massa e dos resultados eleitorais nos últimos meses servem, portanto, para demonstrar na prática que a ofensiva conservadora não se transformou numa onda mundial única e generalizada que tivesse conseguido aplacar a resistência popular. Mesmo com altos e baixos, a resistência continua viva!

Mas também é cedo para falar numa contraofensiva geral dos trabalhadores e do povo oprimido em geral nem muito menos numa situação revolucionária mundial.

Como regra geral, falta uma vanguarda dirigente com uma perspectiva socialista e revolucionária na maioria dos países, o que não dá condições de uma mudança de qualidade, no sentido estratégico socialista, às lutas. Da mesma maneira, as derrotas eleitorais do conservadorismo e do ultraliberalismo, não levaram a vitórias de forças revolucionárias ou reformistas radicais. E ainda carecemos de uma articulação internacional com capacidade política e base de massas para ir além de análises e declarações políticas. Isso, sem dúvida é necessário e indispensável mas insuficiente para ir além da resistência, do protesto e da rebelião anti-imperialista e contra o capital em geral, de acordo com as realidades nacionais e regionais. Mas esta vanguarda só será construída por dentro do movimento real e não como “consciência crítica” de fora das lutas.

Momentos que tanto podem contribuir com o avanço da consciência, organização de conquistas e acúmulo de forças do povo trabalhador e oprimido, como ser disputado e manipulado por uma direção ultraliberal, conservadora e de extrema-direita em geral.

Permanece, assim, mais atual que nunca a tarefa de transformar a classe trabalhadora numa classe consciente de sua situação social e de seus interesses de classe antagônicos à burguesia e com perspectiva revolucionária própria de futuro socialista. Isso só será possível se, ao mesmo tempo em que travarmos cada luta contra a exploração econômica, as opressões culturais, a dominação política, a opressão e dependência nacional, e a destruição ambiental, também travarmos uma batalha pela conscientização política das trabalhadoras, trabalhadores e de todo o povo oprimido.

Nessa jornada, cabe aos revolucionários construir as ferramentas sociais, culturais e político-partidárias necessárias à revolução socialista em cada país e, em nível internacional, articulações e fóruns que permitam interação, intercâmbio político e teórico e ações conjuntas.

 

Nossa luta é internacional!

Unidade do povo trabalhador para enfrentar a direita, o ultraliberalismo, o conservadorismo e as vertentes neofascistas!

Fortalecer a Resistência Popular contra o capital, o imperialismo e todas as opressões!

Demarcar posições com o social-liberalismo e o reformismo conciliador de classes!

Construir uma alternativa verdadeiramente de esquerda no Brasil e no mundo!

Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!

Ousando Lutar, Venceremos!

 

Ação Popular Socialista, APS/PSOL

CNAPS, 13 de novembro de 2019

 

[1] Para uma análise mais abrangente e de período mais longo da crise mundial estrutural do capitalismo, do neoliberalismo, da financeirização e da crise ambiental, ver as Resoluções de Conjuntura Internacional do V ENAPS (Encontro Nacional da APS) em

https://acaopopularsocialista.files.wordpress.com/2016/06/v-enaps-resoluc3a7c3b5es-finais-texto-unificado.pdf .

Para uma análise abrangente de período mais recente, ver Resoluções do VII ENAPS em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/

[2] Além dessa resolução geral, a CNAPS aprovou duas outras resoluções específicas sobre os conflitos em Hong Kong (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/) e a situação política e eleitoral na Argentina. (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/)

[3] Esta resolução foi atualizada pela CNAPS em 13 de novembro de 2019, tendo como base a resolução da CNAPS de 23 de agosto de 2019, que pode ser lida em https://acaopopularsocialista.com/2019/08/31/resolucao-de-conjuntura-internacional-da-aps-psol-08-2019/

[4] Ver https://acaopopularsocialista.files.wordpress.com/2016/06/v-enaps-resoluc3a7c3b5es-finais-texto-unificado.pdf

[5] Ver https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/ e resolução sobre a Venezuela em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/03/aps-psol-nao-ao-golpe-na-venezuela-eua-go-home/

[6] Sobre os conflitos em Hong Kong, ver resolução específica em https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/

[7] Mais sobre a posição da APS sobre a crise na Venezuela em: https://acaopopularsocialista.com/2019/05/03/aps-psol-nao-ao-golpe-na-venezuela-eua-go-home/

[8] Sobre a nossa posição sobre o processo político e eleitoral na Argentina ver o link https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/

[9] Veja Declaração da APS-PSOL sobre o Golpe na Bolívia em:  https://acaopopularsocialista.com/2019/11/12/bolivia-nao-ao-golpe-e-apoio-a-resistencia/

[9] Mas sobre Cuba, ver o link https://acaopopularsocialista.com/2017/06/15/resolucao-de-conjuntura-internacional-da-apspsol/

[10] Ver mais na resolução da CNAPS no link https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/

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