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Paralisação nas universidades federais quer resgatar instituições cujo desmonte persiste, após 16 meses de Lula. Mas é também um aceno ao presidente: ele precisa – e pode – livrar-se do financismo e do conservadorismo que mantêm seu governo encabrestado

Originalmente publicado no site OUTRASPalavras (https://outraspalavras.net/)

por Graça Druck e Luiz Filgueiras

Existem hoje 69 universidades federais em todo o Brasil, onde estudam por volta de 1,1 milhão de alunos, ensinam cerca de 100 mil docentes e onde estão 51 hospitais universitários, que formam a maior rede de hospitais públicos no Brasil.

É nestas universidades que se formam profissionais de todas as áreas, onde se fazem pesquisas fundamentais para o desenvolvimento do país, que auxiliam na diminuição das desigualdades sociais e se realizam atividades de extensão que envolvem a comunidade externa.

A rede pública de ensino superior é um patrimônio nacional e é nas universidades públicas que estão 95% das pesquisas científicas no país.

Nos últimos 4 anos, as universidades federais foram um dos principais alvos do governo Bolsonaro, desqualificando-as e desmoralizando-as nos discursos dos ministros da Educação e do presidente, cortando recursos orçamentários e/ou dificultando a sua liberação e congelando salários, o que levou a uma situação de degradação de sua infraestrutura e das condições de trabalho e de ensino.

Um quadro em que se tem: prédios desabando, obras inacabadas e em ruínas, falta de climatização em salas de aulas e laboratórios, restaurantes universitários em condições precárias e sem atender a todos os estudantes necessitados, falta de moradias estudantis e falta de manutenção das existentes, só para citar alguns dos problemas mais evidentes.

No que diz respeito ao quadro de docentes e servidores técnico-administrativos, têm-se um número insuficiente de concursos públicos e o crescente recurso aos contratos temporários de professores e à terceirização na área administrativa que precarizam mais ainda o trabalho nas universidades.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República em 2022 representou uma vitória do movimento popular e da luta pela democracia no país, impondo uma derrota eleitoral ao projeto neoliberal e neofascista. Representou também a esperança de transformações nas políticas públicas, dentre elas a educação, através da recomposição orçamentária e da valorização dos servidores públicos.

No Programa do Governo “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil 2023-2026” está escrito: “O nosso objetivo é resgatar e fortalecer os princípios do projeto democrático de educação, que foi desmontado e aviltado. Para participar da sociedade do conhecimento, é fundamental o resgate de um projeto de educação que dialogue com o projeto de desenvolvimento nacional. Para isso, é preciso fortalecer a educação pública universal, democrática, gratuita, de qualidade, socialmente referenciada, laica e inclusiva, com valorização e reconhecimento público de seus profissionais” (p. 9)

No entanto, a situação das universidades federais hoje continua com o mesmo quadro deixado por Bolsonaro. E a perspectiva para os próximos 3 anos (2024-2026) não é das melhores. Isso porque o “Arcabouço Fiscal” proposto pelo governo, que substituiu o “Teto de Gastos”, continuou na mesma lógica, isto é, o limite para os gastos sociais e nenhum limite aos custos financeiros da dívida pública. Uma situação em que os pisos da saúde e da educação, definidos constitucionalmente, não cabem no arcabouço fiscal, nem os concursos públicos, o que faz da luta pelo fundo público uma luta fundamental.

É o que demonstra a destinação de recursos para as Instituições Federais de Ensino (IFES). A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024, destinou 5,8 bilhões para elas, quando há 10 anos, em 2014, foram 8,0 bilhões. Para a Universidade Federal da Bahia, foram destinados 173,3 milhões, quando em 2014 foram 183,3 milhões, em valores nominais, isto é, um orçamento que permitia pagar mais despesas do que o mesmo valor permitiria hoje, com correção monetária. No caso da UFBA houve uma redução de 10 milhões de 2014 para 2024.

A ANDIFES (Associação dos Dirigentes de Ensino Superior), que reúne os reitores das universidades federais, solicitou ao governo o acréscimo de, no mínimo, R$ 2,5 bilhões no orçamento do Tesouro aprovado pelo Congresso Nacional para o funcionamento das universidades federais em 2024. Esses recursos são imprescindíveis para custear, entre outras despesas, água, luz, limpeza e vigilância, e para garantir bolsas e auxílios aos estudantes, ou seja, para garantir o funcionamento básico das universidades.

No que se refere aos salários, há um processo de negociação com o governo, através de mesas abertas desde fevereiro de 2023. O governo concedeu um reajuste linear de 9,0% para todo o funcionalismo em 2023. Mas oferece reajuste zero para 2024. A bancada sindical na mesa de negociação de fevereiro, tendo em vista a perda salarial de 40%, reivindicou 39,92%, divididos em três parcelas de 11,84% em 2024, 2025, 2026. Depois de 8 mesas de negociação em 2023 e 3 mesas neste ano, o governo manteve reajuste zero para 2024, 9% para 2025 e 3,5% em 2026, a depender do cumprimento das metas do “Arcabouço Fiscal”. E reajustou os valores dos benefícios, que atingem somente os professores da ativa, excluindo os aposentados.

Diante desta proposta do governo, as assembleias de docentes em todas as universidades federais decidiram não aceitar reajuste zero em 2024. Mas ao mesmo tempo reduziram os percentuais de ajuste reivindicados para tentar um acordo com o governo. Ainda assim, foi mantido reajuste zero neste ano.
Esse é o quadro das universidades federais que levou à deflagração da greve dos docentes e técnico-administrativos em 47 universidades e institutos federais até o momento, num crescente movimento de adesão desde o início de abril. Há, ainda, quatro universidades com deflagração agendada.

Cabe ressaltar duas dimensões políticas da greve, estreitamente relacionadas. A primeira é o fato objetivo de que se está disputando, com o capital financeiro, a destinação do fundo público, isto é, como a receita do governo, obtida pelo pagamento de impostos, taxas etc. pela população brasileira, será gasta: por um lado, com educação, saúde, transporte, habitação, ciência e tecnologia, assistência social ou, por outro, com os juros da dívida pública, que alimenta o rentismo e a especulação que não geram investimento produtivo, crescimento econômico e emprego. A dívida pública nunca será reduzida e, muito menos, zerada, é o “milagre da multiplicação dos pães”; de forma autônoma, ela só cresce, com ou sem superávit fiscal primário. É a “galinha dos ovos de ouro” do capital financeiro. O “Teto de Gastos” ou o seu substituto, o “Arcabouço Fiscal”, são instrumentos políticos semelhantes que servem ao mesmo propósito: expropriar o conjunto da população em benefício da pequeníssima parcela dos muitos ricos.

A segunda dimensão política da greve é a de servir como estímulo e exemplo ao governo Lula, para que busque se desvencilhar, mesmo que parcialmente, da tutela política do capital financeiro, da direita neoliberal e do chamado “Centrão”. Estes agentes políticosvêm impedindo, sistematicamente, que o programa eleito em 2022, aprovado nas urnas, seja efetivado. Contudo, essa retomada de rumos não será possível apenas com a negociação institucional no parlamento, tal como vem praticando o governo. A mobilização política das forças sociais que elegeram Lula é o caminho incontornável, como ficou evidente, ainda no início do governo, quando da elaboração e aprovação da PEC da Transição.

Por tudo isso, a greve se colocou como ação necessária, momento de suspender todas as atividades da Universidade, que vinham sendo realizadas de forma precária e, até mesmo arriscada, para mostrar à sociedade, ao governo e ao parlamento, a realidade insustentável que essas instituições de ensino federal estão vivendo. A greve é um instrumento legítimo e é com a paralisação das atividades regulares da Universidade, que se pode realizar encontros, debates, assembleias, manifestações públicas, buscando alternativas a esse quadro e construindo um movimento nacional de defesa da universidade pública no país.

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