Eliziário Andrade/UNEB
As guerras imperialistas, a grave crise das relações internacionais entre as nações capitalistas e a ofensiva da extrema direita neofascista que cresce em várias nações do mundo ocidental, inclusive no Brasil, expressam a crise estrutural do sistema do capital como um todo. E se espraiam não apenas pelo mundo da economia e finanças, mas também por todos os domínios da vida social, política e cultural diante do aprofundamento do caráter fragmentado e ao mesmo tempo totalizante, irracional e anárquico da produção capitalista. Uma questão que conforma a história contemporânea com a degradação cada vez maior da vida humana como consequência inevitável do modo de reprodução que molda as diversas dimensões da experiência da condição humana.
Em termos gerais, podemos afirmar que estamos diante de um novo modo em que o capital está passando a operar para, não só expropriar e confiscar as possibilidades de realização do ser social que trabalha, mas também de manter o controle e a dominação sobre todos que produzem e geram riquezas. É neste estágio que se verifica um quadro de exaustão dos indivíduos, ameaçados pelas demandas implacáveis que se manifestam em horrendas situações de pandemias de saúde pública, destruição incontrolável da natureza, desemprego, miséria e aprofundamento da crise de escala de valores e subjetividades da sociedade burguesa que cumpre o papel funcional de assegurar a coesão do tecido social, cultural e moral.
É nesse contexto que emerge a proliferação da depressão e dos suicídios exprimindo a diminuição da capacidade de sentir prazer pela vida e em uma menor sensação de felicidade diante da fragmentação da experiência social, sob uma realidade em que o capitalismo conduz o indivíduo a considerar que ele é a única fonte de significado para si mesmo, esvaziando as relações e espaços públicos que lhe permitam compartilhar de forma coletiva e social o próprio sentido da vida. Um processo que gera imensas relações de alienação com o seu mundo real, além da sensação de isolamento e vazio, ao tempo em que crescem ressentimentos e frustrações dos indivíduos perante suas próprias vidas, as quais se encontram em uma realidade social cada vez mais brutalizada, onde se naturaliza a violência e se esvazia o sentido de solidariedade entre os indivíduos. Isso implica, irremediavelmente, em uma decomposição da sociabilidade capitalista e um claro enfraquecimento relativo do Estado e de instituições que têm a função de garantir a legitimidade e coesão social e política.
A descrição desses fenômenos só pode ser compreendida com maior profundidade se situarmos o quadro do sistema capitalista diante de suas incontornáveis contradições, as quais se exacerbam e assustam a humanidade que atualmente se vê temerosa perante a irracionalidade e destrutividade gerada pelo sistema para enfrentar as barreiras internas e externas que o próprio capital impõe a si mesmo, e as encara como desafio e necessidade de ultrapassá-las. E sempre tem como objetivo buscar saídas para responder às dificuldades de reprodução que obstaculizam suas necessidades objetivas para alimentar e realimentar o próprio modo de produção, evitando o estrangulamento do sistema.
A estratégia perseguida para superação das referidas barreiras e limites, que são imanentes ao próprio capital no marco de suas crises históricas, como diz Marx, tende a reaparecer de forma recorrente e em escala mais poderosa e complexa da economia mundial no seio da desvalorização mundial do capital que se deparou com sua lucratividade em queda mesmo antes da crise da covid. As soluções paliativas, ora através da injeção de fundos públicos na economia para evitar recessões profundas, ora através de reformas neoliberais, embora servissem para estancar em curto prazo o processo destrutivo de desvalorização, não têm sido capazes de conter os movimentos contraditórios nessa etapa de desenvolvimento do capitalismo. Por isso mesmo, desde a década de 1980 em escala mundial, houve o início de dois fenômenos interrelacionados: a discrepância entre o crescimento dos ativos financeiros globais em relação à desaceleração do PIB global e a baixa lucratividade, produzindo realidades econômicas, sociais e políticas devastadoras.
A solução encontrada para conter a sangria, as reformas neoliberais para curar essa crise que se arrasta desde os anos 70, engendrou a corrosão da legitimidade das estruturas da democracia liberal e formal. Ao mesmo tempo, demonstrou incapacidade de resolver de forma estrutural, estratégica e estável os problemas causados pelo seu próprio desenvolvimento nos marcos da chamada “globalização virtuosa” que se encontra travada e sem saída clara para o futuro desde a crise de 2007-2008. Esta crise teve sua origem na superacumulação de capitais que vinha se agravando desde o final do século passado e explodiu nos tempos recentes com o processo de concentração e centralização de capitais com monopólios e oligopólios das empresas industriais, as quais se tornaram mais dependentes do capital financeiro e de suas corporações.
Com isso, podemos dizer que estamos diante do corolário de um processo histórico de agravamento das contradições do desenvolvimento do capitalismo. Desde sua origem como um fenômeno europeu, ele se estruturou a partir da “acumulação primitiva” (Marx, 2013), e avançou posteriormente através da violência colonial e neocolonial que caracterizou o mercantilismo e os impérios capitalistas do século XIX e início de XX, que visavam a ocupação de territórios, o saque e a espoliação de riquezas naturais (matérias-primas) para a indústria e a conquista de novos mercados. Ao tempo em que gerou de forma integrada e mundial uma expropriação perversa da força social de trabalho submetido a relações subumanas, que ao longo do tempo se reveste de natureza aparentemente diferente, mas sem alterar a sua essencialidade: a subtração do desenvolvimento pleno da condição humana para atender a uma lógica interna, orgânica da acumulação e lucratividade em escala nacional e mundial.
Assim, desde o início do século XX até os dias atuais, o desenvolvimento do capitalismo e do imperialismo, caracterizado por uma relação desigual e de dependência entre os Estados-nação e os imperativos da expansão mundial da economia capitalista, expressa uma violenta contradição que cresce constantemente e não pode ser superada no quadro institucional da democracia liberal das sociedades capitalistas. Pois, com o agigantamento das novas e velhas barreiras internas e externas existentes no curso da dinâmica das forças produtivas, da reprodução e expansão para o aumento da acumulação de capitais, tornou-se impossível garantir estabilidade e equilíbrio entre a natureza do capitalismo e a institucionalidade da chamada realidade “democrática e republicana”.
Trata-se de uma realidade que vem se expressando não mais como uma “tendência” e sim como fatos presentes que vivenciamos e se estendem no seio daquilo que os socialdemocratas e a esquerda social-liberal chamam de “capitalismo democrático” ou a construção ingênua de um “capitalismo verde”, onde se presume haver muito dinheiro a ganhar e enormes possibilidades de negócios lucrativos. Uma lógica em que tudo se realiza em harmonia com os ecossistemas e as demandas do desenvolvimento, da produção, do progresso e consumo; condições em que todos se beneficiem numa relação “amigável”, “responsável” e racional.
Ao abstrair a existência dos imperativos da compulsão do capital no interior das leis de competição, que opera para atender às necessidades de acumulação e lucratividade, essas correntes de pensamento acabam por não levar em conta a dinâmica expansiva e incontrolável do processo capitalista que se desenvolve de forma irracional, amoral e isenta de qualquer padrão ético e de qualquer veleidade humanista. Uma dinâmica que é sintetizada de forma mordaz e penetrante por Marx: “Acumulai! É Moisés e os profetas! A indústria fornece o material que a poupança acumula. Por isso poupai, poupai, i, é, transformai a maior parte possível da mais valia ou do subproduto em capital! Acumulação pela acumulação, produção pela produção, nesta fórmula a economia clássica exprimia a vocação histórica do período burguês” (Marx, 1977: 677). E quando essa dinâmica se encontra em risco, não prospera e o seu movimento é ameaçado, a burguesia que encarna e personifica esses interesses desata, no plano político, toda a sua fúria golpista e repressiva para destruir as resistências – mesmo aquelas com características moderadas, progressistas e reformistas.
Esse processo se desenvolve por intermédio do poder econômico e político do Estado que tem como objetivo a reestruturação do capitalismo, que na atualidade se processa através da forma neoliberal em um estágio radicalizado de aplicação dos seus princípios e suas políticas macroeconômicas para contra restar, pasmem, as graves consequências provocadas pela dinâmica interna das próprias determinações ontológicas da lógica do capital. Esse processo impacta a totalidade da sociedade e das relações sociais de produção. Trata-se de um movimento irracional e sem volta, onde o processo de valorização do capital começa a revelar e aprofundar as suas contradições, expondo seus limites estruturais e históricos de valorização real centrados particularmente na atividade produtiva. Tudo isso se agrava a partir de 1970, quando brota uma alteração na estrutura orgânica do capital invertendo a hegemonia e o comando da valorização para o controle de sua fração financeira, a qual encontra no mundo fictício e rentista o seu último refúgio.
Essa é a base pela qual se fundam as políticas macroeconômicas neoliberais no mundo capitalista dirigidas pelos países imperialistas ocidentais hegemônicos, tendo como carro chefe a prevalência do dinheiro em escala global de especulação e financeirização da economia, da sociedade e da vida humana. E como não poderia deixar de ser, conta com o Estado para fomentar e construir a militarização com tecnologias de guerra ultra avançadas dos Estados-nação e que, em disputas internacionais de caráter interimperialista visam usá-la para garantir seus interesses hegemônicos. Em decorrência, cresce, nas relações internacionais a possibilidade de novas guerras marcadas por interesses geoestratégicos, a exemplo da China e Rússia que desafiam a supremacia da superpotência capitalista norte-americana e de seus aliados.
Com efeito, diferentemente da análise de Ellen M. Wood, o fato de essas nações terem uma dependência com mercado mundial com bases nacionais de estados rivais, não constitui uma impossibilidade de chegarem a vias de fato de uma conflagração internacional de guerra total. Pois, embora hoje exista uma maior complexidade nas relações entre os Estados-nação, moldada pelas relações internacionais e a forma de reprodução mundializada, ela não pode ser interpretada como obstáculo absoluto que torne improvável o enfrentamento de guerras fratricidas que venham a arrastar toda a humanidade para um cenário de horrores.
Desse modo, devemos entender que a base da explicação desse fenômeno e tendências reside em outro lugar, ela decorre de uma necessidade de operar os objetivos de valorização do capital produtivo e fictício em sua relação dialética e contraditória em escala mundial. Esta se exprime no aprofundamento da desigualdade, nas relações sociais objetivas e concretas de opressão e exploração do ser social dividido em classes em todo o mundo. Ao longo da história isso se configurou em relações que se tornaram universais e dominantes na forma da produção material, social e cultural da vida, enfim, da existência humana no túnel sombrio dos meios de produção capitalista que se expandiram através de um processo acumulativo de bens materiais e riquezas financeiras
O referido movimento contou sempre com o Estado que desde o início do século XX veio se tornando hipermilitarizado com formas inimagináveis de controle social e repressivo. Prontos, se for necessário, para esmagar inimigos internos e externos que resistem ou ameaçam a expansão dos interesses nacionais e internacionais das burguesias dos Estados-nação imperialistas, personificando o controle hegemônico da reprodução mundial das mercadorias materiais e não materiais.
Entretanto, cumpre assinalar que nesse pleno desenvolvimento histórico da sociedade capitalista nenhuma de suas contradições foi resolvida num sentido de uma adequação estável e equilibrada entre as necessidades objetivas de acumulação dos valores reais do capital e as demandas para a satisfação do bem estar social. Mas, mesmo assim, nunca deixaram de existir esforços teóricos, políticos e ideológicos que visassem justificar a ordem capitalista e conferir à natureza desse desenvolvimento uma dimensão natural e infinita. No plano das ideias mais clássicas, esse foi o caso do pensamento normativo da economia política e filosofia clássica (Adam Smith, Ricardo, Hegel, Hobbes, Kant e Locke), que resultou na criação de uma utopia universalista da ideologia burguesa sobre a realidade das sociedades capitalistas. Porém, assim como no passado e atualmente, os seguidores desse pensamento se deparam com a agudização das contradições e consequências destrutivas que produzem a referida utopia.
Por isso mesmo, torna-se ilustrativo destacar que os fundamentos da suposta liberdade de mercado como condição sine qua non para a existência da liberdade política e da democracia capitalista “universal”, tornou-se uma ficção revestida de inúmeras farsas de supostos equilíbrios naturais do mercado e da realização das particularidades dos indivíduos, fundado na propriedade privada e na democracia burguesa. Pois, a essência dessa universalidade está para além das suas características aparentes no mundo real e imediato e do seu caráter formal da liberdade sob o capitalismo uma vez que ela reside na busca competitiva do lucro como razão de ser e existir.
Ainda mais quando consideramos que a história é um processo aberto e complexo, desde a segunda metade do século XX e o início do XXI, quando é possível demonstrar que a ideia de “progresso universal” linear em termos do pensamento eurocêntrico não passa de uma fábula, uma construção ideológica que só serve para justificar as estruturas de produção existentes; base da qual resultou historicamente o patriarcalismo, o racismo, a ordem social capitalista arquitetada através de uma forma específica de sociabilidade, onde os sujeitos sociais se movimentam como zumbis sem direção certa e clara. Enquanto isso, os “donos do mundo” exercem de forma patética e trágica o papel de protagonistas das guerras sem fim, conduzindo a humanidade ao ocaso do seu desenvolvimento
Mas longe de um fim próximo que se movimenta de forma linear e espontânea, as forças sociais e políticas que personificam e apoiam esses interesses vão recorrer a todos os meios para “salvar” o sistema. Não importando, é claro, os danos que essa política acarretará, já que no plano político se encontram dispostos a apoiar o avanço das forças neofascistas, do militarismo, do terrorismo e da repressão política como anteparo de defesa frente às reações da sociedade civil e das classes sociais que são obrigadas a pagar o preço da própria crise, além de dar sustentação a ordem neoliberal hegemônica mergulhada em uma crise financeira, fiscal e econômica dos Estados-nação que se encontram sem saída. Pois, os recursos econômicos utilizados, a exemplo de um capitalismo creditício com o propósito de reanimar os bancos e o capital fictício, gerando um quadro político capaz de “estabilizar” os regimes “democráticos” burgueses” não funcionam mais, não são mais capazes de pacificar os interesses das frações burguesas e as demandas sociais.
Com efeito, ingressamos em uma época de crises de legitimação do capitalismo que marcha de forma errática para suspender ou, no mínimo, conter o descontrole desse quadro de crise. Para isso, busca, de um lado, recorrer ao uso sem limites do dinheiro dos Bancos centrais que imprimem dinheiro e mais dinheiro em quantidade suficiente para saciar a sede do capital com o objetivo de salvá-lo de sua bancarrota e restaurar a sua lucratividade; por outro, impõe reformas neoliberais, elevando a taxa de exploração nos marcos de uma economia “globalizada” e sumamente predatória diante das necessidades inerentes à produção que se bate contra a regeneração e conservação do ambiente natural. E, como não poderia deixar de ser, tudo isso é operado através da instrumentalização da política de Estado para expandir e partilhar as vantagens entre as empresas transnacionais e nacionais que capturaram instituições financeiras e organizações políticas mundiais com o objetivo de garantir seus interesses econômicos estratégicos.
Por essa razão, fica claro porque os capitalistas se encontram dispostos a desafiar as leis e os limites da relação do sistema com a natureza, convertida em objeto de apropriação e expropriação que atende aos imperativos do capital em sua lógica de reprodução e acumulação acelerada de geração de valor tanto “real” como fictício em sua unidade contraditória, imanente e dialética. Como um movimento em espiral que afeta a própria coesão social e os fatores reais necessário para manter a legitimidade da ordem social e do seu Estado. Enquanto isso, sem qualquer controle racional seguem privatizando todos os bens públicos e sociais, rebaixam salários, cortam direitos e aprofundam a carência das condições necessárias para o bem-estar social em todos os domínios. Tudo em nome da “austeridade”, do “controle fiscal” para “salvar” ou “melhorar” a vida e a economia de forma eficaz, em direção à retomada do seu desenvolvimento com aumento da lucratividade sem limites.
Como dizem os ideólogos neoliberais e a mídia corporativa, esta é a saída, o futuro que nos espera; sempre estão a difundir supostas “retomadas” econômicas para demonstrar que tudo não passa de uma questão de ciclos de desenvolvimento da economia no modo de produção capitalista, uma vez que logo poder-se-ão superar as bolhas especulativas e ingressar em novos períodos estáveis de obtenção de novos patamares de valores e lucratividade em âmbito nacional e mundial. Tais esperanças, em primeiro lugar, não dizem respeito à recuperação das condições de vida das classes que verdadeiramente produzem a riqueza social, as quais através da força social do trabalho, põe em marcha a maquinaria social e econômica do sistema que se encontra hoje imersa em uma estagnação caracterizada por quedas generalizadas da lucratividade e da acumulação do capital originário da produção de valores reais das atividades produtivas.
A maior expressão desse impasse é o resultado inconteste do aparecimento da financeirização que resultou de um deslocamento do setor produtivo, como fração central e hegemônica, para dar lugar ao capital fictício. O que reflete um novo contexto em que o capital tem que estar diariamente alcoolizado para suportar as incertezas e os desequilíbrios fomentados pelas características da sua fração fictícia, desprovida de valores reais e fundamentos materiais para sua reprodução, e que agora para continuar existindo e se equilibrando, precisa da agudização de suas próprias contradições gerando cenários frequentes de crises econômicas e políticas no interior da ordem burguesa que optou pelo padrão liberal de desenvolvimento. Muitos países dependentes e periféricos, limitados por uma inserção subordinada à economia mundial, encontram-se de forma agravada num processo de desindustrialização, primarização e financeirização da economia. Além de renunciar a um projeto nacional de desenvolvimento científico e tecnológico e de controle estatal de suas principais fontes de energia e riquezas naturais.
Desse modo, foi engendrada a construção de uma única lógica e ideologia de desenvolvimento social e material dominante na sociedade, constituída por uma forma “específica de capitalismo” e de consciência social, materialmente ancorada e sustentada em relações de produção e sociais cada vez mais descartáveis e provisórias em que a crise se converte no próprio estado de ser e de se reproduzir do capital. Todavia, “sua persistência se deve ao fato de ser constituída objetivamente (e constantemente reconstituída) como consciência prática inevitável das sociedades de classe, relacionada com o conjunto dos valores e estratégias que tentam controlar o metabolismo social em todos os seus princípios e aspectos”.
Por esse caminho é impedido de maneira virulenta que outros povos e classes subalternas – fora das referências eurocêntricas e do metabolismo social da ordem dominante – possam desenvolver uma consciência social que vislumbre a ideia de virem a ser sujeitos transformadores da realidade e de suas vidas. Dessa maneira, o que as classes dominantes dos países capitalistas e imperialistas, assim como das nações dependentes têm feito até hoje é manter as classes subalternas sem protagonismo político e econômico, convertendo a história na história dos vencedores, ou seja, dos dominadores, colonizadores e imperialistas. Este foi o resultado óbvio do processo de “modernização” capitaneado pela lógica do capital que o ocidente impôs ao resto do mundo como expressão de uma suposta “nova civilização” que teria seu ponto centrífugo de desenvolvimento e hegemonia insubstituível a partir do ocidente capitalista. O que presumivelmente levaria o mundo à plena democratização modelada e hegemonizada pelo ocidente, tendo como principal ator – a partir da segunda Guerra mundial – os norte-americanos e seus vassalos imperialistas da União Europeia e aliados.
Com isso, segundo os ideólogos liberais, retomando o idealismo filosófico e político de Kant, se chegaria à “paz universal”, fundada e amparada pelo paradigma da universalidade da democracia capitalista, onde se forjaria a sociedade civil de cada Estado de forma livre e republicana regida pelo direito internacional e a racionalidade política, ética e moral. Mas ao contrário das expectativas políticas e ideologias liberais do passado e dos tempos atuais, quando se tentou impor, principalmente a partir dos anos 1990, uma nova narrativa da história, desvencilhando-se da natureza estrutural de classes da sociedade, suas contradições imanentes se agudizam e recolocam a verdade em termos reais e concretos que expõe as vísceras do próprio sistema. As tentativas de desviar a nossa atenção para querelas ideológicas e filosóficas se tornaram inúteis, uma vez que se tratam de representações fenomênicas do mundo capitalista apreendidas de forma descolada de sua materialidade econômica e social para produzir argumentos teóricos nada sérios sobre a essência da crise das sociedades capitalistas.
Em consequência, tomou corpo uma crise de perspectivas políticas e de ideias de natureza global, e a expressão maior dessa realidade aparece com o pensamento do “fim da história”, do “pós-modernismo”, do “fim das ideologias”, do “fim do trabalho” e mesmo da “luta de classe”; além de propagar a superioridade do neoliberalismo e da “terceira via”, que descamba para o social-liberalismo como novo caminho político e ideológico a seguir. Independente das nuanças entre essas vertentes teóricas e ideológicas, no conjunto enxergam as mudanças em curso como o nascimento de uma “nova era” sem ruptura política e social, revoluções e guerras entre as classes e potências imperialistas. De um lado, as referidas ideias ocultam um pessimismo total em relação ao mundo exterior, de outro, receiam, mesmo que às vezes de forma não confessa, que o descontentamento engendrado pela crise possa chegar às bases sociais e causar revoltas radicais e contra a ordem, por isso sempre ressurgem os “terceiros caminhos” que impedem que a “intelligentsia” tire conclusões socialistas da crise. Com efeito, se transformaram em disfarçadas ideologias da ordem, em propagandas inúteis, academicistas e descoladas das determinações sociomateriais e políticas da crise que convulsiona a estrutura social capitalista em sua totalidade.
Não podemos deixar de compreender que há uma tendência incontornável do ponto de vista estratégico da dinâmica capitalista em nosso tempo, a qual demonstra, cada vez mais, profundas contradições e conflitos abertos entre as aspirações da própria lógica das transformações do capital, da sua realização real e da expansão econômica com o regime político liberal democrático burguês. Em outras palavras, não se pode negar o fato de que se processaram mudanças substanciais na dinâmica da produção capitalista, marcadas em sua história pelo caráter “produtivista”, expansivo e extensivo de desenvolvimento. Particularmente no período pós segunda guerra mundial, quando o capitalismo ainda era capaz de incorporar amplas massas no seu processo produtivo, criar modelos diversos de proteção social e fazer concessões de renda ao trabalho e sustentar um grau maior de espaços de liberdade nos marcos da democracia burguesa capitalista.
Todavia, o que temos hoje é o aumento das barreiras internas que cresceram no interior da lógica do desenvolvimento das forças produtivas e da reprodução ampliada do capital, obstaculizando a inclusão de amplas massas trabalhadoras em seu processo de produção com a finalidade objetiva para obter uma maior lucratividade em um regime acelerado de produção e consumo. Por isso mesmo acaba-se, necessariamente, entrando em impasses econômicos e políticos com o próprio regime democrático liberal capitalista que a burguesia construiu na relação histórica da luta de classe, como uma forma funcional e necessária para disfarçar o domínio da burguesia e impor a sua hegemonia política e econômica.
Mas, essas relações político-econômicas não significam, como se vê afirmado por parte de muitos sociólogos funcionalistas e liberais, o fim da democracia burguesa. Pois, a sua forma política nos marcos das necessidades de reprodução do capital, fundado na exploração e opressão requer, no plano formal e institucional, uma configuração jurídico-política democrática para sua própria legitimação e construção de consensos sociais em torno da forma da ordem econômica, social e política. É isso que se procura garantir através de eleições regulares e de modo regulamentado em termos crescentemente restritivos pelo Estado e seus poderes, que se encontram subordinados às necessidades imperativas do desenvolvimento do capitalismo. Esta é a principal questão a ser estudada e debatida, porque no atual quadro da crise do capitalismo, a democracia liberal vem sendo cada vez mais restringida, limitada, ou quando não, autoritária sob o dirigismo direto de governos de viés neofascista ou de direita simplesmente conservadora e reacionária.
Em sendo assim, é necessário se levar em conta que a crise das democracias burguesas é a expressão dialética dos limites históricos e das barreiras enfrentadas pelo capital com sua forma de mediação política democrática de legitimação formal. Por um lado, os processos de universalização dos imperativos capitalistas e, do outro, suas relações com os espaços territoriais e seus Estados que se complementam, de forma tensa e contraditória, a partir de interesses mais específicos para a organização do mundo para o capital e das forças hegemônicas em seu processo de universalidade de reprodução. E que diante desse fato o sistema requer regimes nos moldes de uma “democracia específica”, compatíveis com as exigências e necessidades objetivas para reforçar o capital no enfrentamento de sua própria crise, além de buscar controlar os Estados nacionais para garantir as condições e necessidades materiais de funcionamento da manutenção do sistema em sua dinâmica de concentração de riquezas; a qual se apresenta com um caráter predatório no interior da produção capitalista, gerando, a cada dia, movimentos de “ruptura metabólica” com as condições naturais e humanas, indissociáveis para sua reprodução no interior do próprio modo de produção.
Por isso, cabe salientar que a dinâmica desse movimento não tem sido capaz de controlar todas as coordenadas do desenvolvimento da história nas sociedades capitalistas, da consciência e das ações dos “de baixo” no redemoinho das contradições e crises que sempre eclodiram na forma de superprodução, acopladas hoje com a modalidade de criação artificial de valores financeiros. Uma dinâmica que diferentemente de algumas interpretações de intelectuais de direita, bem como da socialdemocracia – mesmo diante de novas tecnologias de informação e automação digital que permitem com rapidez a circulação de dinheiro – as recentes crises não derivam de per si das contradições do capital fictício, do dinheiro e mais dinheiro, como uma lógica autossuficiente, autônoma e propulsora de si mesma que chega a se converter em uma forma virtual.
As recentes crises, como a de 2008, que assumiu aparentemente uma forma financeira têm origem, antes de qualquer coisa, na lógica específica determinada pelas relações sociais de propriedade e na sua forma de reprodução social responsável pela criação de valores reais. Ao contrário dessa compreensão, a análise da economia política se perderia numa ficção do dinheiro que se reproduz a partir de si mesmo: dinheiro mais dinheiro sem materialidade e sem relações sociais de produção, sem valores concretos de trabalho. Por isso mesmo, o capital busca permanentemente recompor as quedas da taxa de valores por intermédio da destruição de capitais e meios de produção existentes, incluindo a força social do trabalho que é submetida a uma subsunção completa para que esta lógica possa seguir de forma dominante, com seu processo aparentemente inabalável de autofagia social e material.
Ao ser movido por esses imperativos, o capital age através da pulsão cega da destruição e aniquilamento: guerras imperialistas, precarização e superexploração generalizada do trabalho, destruição avassaladora da natureza, privatização ilimitada dos bens públicos (educação, saúde, cultura, artes) e, enfim, da própria condição humana. Ao mesmo tempo em que transforma os verdadeiros produtores sociais da riqueza em sujeitos submetidos a condições intensivas e extensivas de expropriação da força de trabalho. Convertendo-os em elementos portadores de uma lógica forçados a marchar sem rumo, desolados e com sentimentos de fracasso que nos fazem lembrar dos personagens no enredo de Samuel Beckett em Esperando Godot, onde aguardam uma melhoria, uma mudança estável e equilibrada da realidade e da vida que nunca chega. Um presente e um futuro que se amplia da forma mais sombria com a diminuição crescente de mais de 50% da renda dos trabalhadores em todo o mundo, além da desigualdade social e aumento da pobreza que configura uma crise letal, homicida que destrói a vida em todas as partes do mundo.
Pois, ao desenvolver-se de forma objetiva e variável, o capital, sem retroceder em seus objetivos de lucratividade, mesmo confrontando velhas e novas barreiras para sua reprodução, busca impor os seus interesses a ferro e fogo. É o que vem sucedendo na sequência de crises, desde 1970, com o aumento da inflação global, endividamento público e privado; que prossegue com dificuldades amplas de crescimento e recuperação da taxa média anual de lucratividade que se arrasta em declínio após a “idade de ouro” da lucratividade (1950-1965), ingressando em um período de depressão decorrente de uma superacumulação controlada pela hegemonia do capital fictício e rentista que opera de maneira insaciável e global. Mas, mesmo assim, com a extensão mundial do desenvolvimento do capitalismo em cadeias produtivas que ultrapassam fronteiras, a solução final dos problemas internos e recorrentes da crise só pode ser alcançada, ainda que limitadamente – em nível nacional – porque é nessa base territorial que se encontram as maiores possibilidades de solução dos problemas através da intervenção política e econômica do Estado a seu favor.
Mas, diante de grandes tendências globais de inovações tecnológicas, mudança climática, migração internacional, desemprego crescente e aprofundamento da desigualdade social é cada vez mais duvidoso, ou mesmo improvável, que a estratégia de contenção da corrosão do capitalismo possa ser estancada. As contradições internas e a crise de sua legitimação enquanto ordem social e do seu regime político democrático liberal burguês, dificilmente encontrarão, em curto ou médio prazo, uma saída diante de possíveis convulsões sociais e políticas que tendem a emergir de forma massiva.
Ademais, é preciso considerar que as guerras e a destruição praticadas pelos Estados-nação capitalistas ou conjunto de países ocidentais imperialistas desde sua origem no final do século XVIII, até 1945 e os dias atuais, sempre foram a expressão de contradições históricas das sociedades capitalistas, onde lutas sociais e conflitos determinados por objetivos e interesses econômicos de classe configuraram a ordem social e econômica internacional. Isto em fases distintas e, em muitos aspectos interconexos: mercantilismo, colonialismo, neocolonialismo e, por último, uma suposta era virtuosa de “globalização” que teve sua expansão livre de capitais hegemonizados e salvaguardados em condições econômicas e políticas dirigidas de forma inconteste pelos EUA e seus aliados, os quais partilham os dividendos das riquezas expropriadas no mundo capitalista.
As devastações decorrentes dessa lógica de produção, reprodução social e material, geram: desmatamento, desertificação, destruição ecológica, êxodo, miséria, fome e extinção de direitos sociais operados no interior dessa acumulação de riquezas durante quase dois séculos pelo capital em sua fase mercantilista colonialista, neocolonialista e neoliberal contemporânea, que produziu em sua esteira de desenvolvimento e modernização, uma realidade inimaginável de escravidão, racismo, torturas, aprofundamento da exploração e genocídios em massa. E como não poderia ser de outra maneira, as ações de expropriação, saques e roubos executados pelas potências econômicas e militares dos Estados-nação, que guerreavam e continuam a guerrear entre si, quer seja por meio de confrontos militares ou ações diretas de pirataria, guerras tecnológicas e pelas fontes de energia no mercado mundial.
Não se trata de realidades, interesses e lógicas presas a um passado morto, sem interação ao presente histórico, mas sim ligadas às entranhas das funções do capital e de suas relações sociais que de forma particular se expressam em nosso tempo. As determinações desse processo aprofundaram-se em todas suas dimensões contraditórias e irresolvíveis nos marcos atuais do próprio sistema. Por isso, ao contrário de serem consideradas como representações fictícias de um real inexistente, próprias de aventuras cinematográficas da ideologia cultural hollywoodiana, elas aparecem como significados de uma totalidade dialética e concreta que não consegue mais camuflar as contradições, o conteúdo e os objetivos do poder político, econômico e militar que, em disputas interimperialistas, põe em risco a sobrevivência da própria humanidade.
Mas, mesmo assim, os ideólogos do sistema não querem reconhecer o fracasso de suas utopias e ilusões contidas na economia política em que buscam fundamentar a constituição do sistema e sua lógica de reprodução. A tentativa do pensamento clássico normativo, até hoje, através da filosofia e economia, resultou na criação de uma utopia universalista do pensamento liberal burguês, a exemplo de Smith e Ricardo que mais tarde, assim como seus seguidores tiveram que confrontar as contradições e consequências dos fardos históricos e equívocos da referida utopia. A ideia da defesa de uma liberdade de mercado universal, livre e competitivo como condição imprescindível para a liberdade política e de expressão e como condição para a construção de uma “sociedade universal”, fundada no equilíbrio autônomo do mercado, tornou-se uma ficção revestida de inúmeras farsas de supostos equilíbrios naturais de mercado e de realização das particularidades dos indivíduos.
Todavia, esse pensamento clássico normativo nasce como uma razão crítica da sua época que busca construir uma narrativa do processo civilizatório regido pelos imperativos do capital. Enquanto os teóricos e a ideologia neoliberal que teve início desde o século XX, com Ludwing Mises, seguido dos seus brilhantes discípulos Hayek e Friedman, que lidera um combate contra o marxismo, o socialismo, o Estado do bem-estar e as organizações sindicais e políticas de esquerda, não pretendem transformar o mundo como desejaram seus mestres e inspiradores. Aqui não há mais futuro nem utopia, ou veleidade de ideias que apontem para construção de uma nova sociedade; resta apenas aceitar, administrar o sistema, assegurar a sua “funcionalidade” de acordo com os ditames do capital que se encontra em uma crise estrutural, sem ser capaz de mostrar – como no passado – qualquer solução virtuosa para sua necessidade de lucratividade permanente e incessante.
Por isso mesmo, diante desse dilema histórico, o capital como sujeito social e finito passa a operar a subsunção completa do ser humano, do trabalho e da natureza aos ditames racionais da lógica do dinheiro, da especulação e financeirização da forma de se reproduzir e manter-se dominante e hegemônico. Mas, nesse mundo de aparências do “darwinismo social” naturalizado, não há paz ou segurança inabalável, como diz Marx, as barreiras maiores do capital advém do seu próprio interior, “a verdadeira barreira da produção capitalista é o próprio capital”, ou seja, face às dificuldades e barreiras com que se depara para continuar como modelo universalizante de reprodução social e material, ele “procura constantemente superar essas barreiras que lhes são imanentes mas só as supera por meios que lhe antepõem novamente essas barreiras e em escala mais poderosa”.
Esse fenômeno é comumente representado pelos confrontos que perpassam interesses hegemônicos de imperativos do capital a partir de ações encobertas de sabotagem, guerras em modalidade híbridas e terceirizadas, bem como na forma direta de sanções econômicas. O que demonstra de forma cabal o fato de que os centros hegemônicos do capitalismo ocidental, perderam a capacidade global de impor facilmente a outros povos seus padrões morais, culturais e estéticos. Esta constitui uma dimensão ideológica específica que remonta à história do capitalismo desde o século XVI.
Isto porque, desde a modernização do capitalismo, essa dimensão cultural e ideológica que surgiu na forma do modelo eurocentrista da verdade, racionalidade, legitimação e legalidade da ordem burguesa capitalista foi também arrastada para o calabouço da própria crise estrutural do capital e do seu modelo civilizatório. Daí sua função de colocar, como única referência teórica, conceitos e soluções para os problemas da nossa realidade histórica, desvanece-se lentamente. De igual modo, a sua função de ocultamento da natureza do capitalismo, de impedir o conhecimento sobre suas contradições, finitudes, leis e fatores determinativos, perdeu também a sua força no campo político, ideológico, cultural que prosperou através do pensamento e ideologia liberal.
A resistência ao imperialismo ocidental cresceu e se organizou em blocos de países, pondo em questão a ingênua tese do superimperialismo ocidental encabeçado pelos EUA. Esse, como antes, não consegue mais desmembrar países e apropriar-se facilmente de riquezas naturais e realizar partilhas entre os países colonizadores e imperialistas. É dessa maneira que a burguesia mundial sempre se serviu dos espólios de suas próprias conquistas obtidas através da violência e do morticínio em grandes banquetes e pompas, refazendo fronteiras, inventando países, destruindo e dividindo culturas e etnias.
Mas, como destaca Marx em diversas passagens de O Capital (livro I, volume III), até o final do século XVIII, o capital em sua lógica de acumulação se realiza no mercado através de formas antediluvianas, ou seja, mecanismos embrionários de como o capital circula nas formações econômicas pré-capitalistas. Isto é, na forma essencialmente dinheiro-comércio e na forma usurária, sugando como parasita – nos escombros do modo de produção anterior – as formas de propriedade, a produção e o trabalho que existem ainda sem a completa subjugação do trabalho. Porém, em longo prazo, o capital comercial e usurário portador de juros, atua discretamente como fator de desmonte dessas formas mais antigas de produção e de relações comerciais prevalecentes no sistema colonial, abrindo caminho para a instauração da produção capitalista industrial e o desenvolvimento posterior do capital fictício.
Dessa forma, podemos afirmar que todo esse arcabouço ideológico e de pensamento liberal clássico e da sua versão atualizada de neoliberalismo, ao longo da história do capitalismo sempre atuou para ocultar ou dourar a pílula da crueldade lógica estrutural e das relações sociais que evoluíram durante toda a modernidade capitalista e nos dias atuais. Comumente, sempre aparece como manifestação exponencial do “progresso” de um modelo civilizatório único e insubstituível. Porém, deve-se aclarar que os imperativos destrutivos e perversos inscritos no metabolismo social e material dessas sociedades, mediados pelo Estado-nação, nunca foram algo acidental ou circunstancial, mas fazem parte da própria forma de criação e recriação do sistema mundial caracterizado por relações desiguais, assimétricas e dependentes entre nações centrais e subordinadas no interior do sistema. Trata-se, inevitavelmente, de relações objetivas de interesses que se impõem através de regras e hierarquias de poder e hegemonia em que a autonomia, soberania e desenvolvimento dos Estados-nação se encontram completamente capturados pelo grande capital e seus interesses expansionistas.
Por esse motivo, a necessidade de cooperação global entre os Estados-nação, a fim de proceder medidas econômicas, sociais e políticas para a redução da fome no mundo, além do desemprego, do fortalecimento de direitos públicos que assegurem à população acesso livre à educação, saúde, habitação, transporte, água, cultura e preservação ambiental como direitos e bens universais, que apontam para uma perspectiva estratégica improvável de realização. O desmonte de todos esses elementos que constituem direitos inalienáveis à vida humana, assim como o emprego indicam que o capitalismo colapsou, revelam que ele não é apenas explorador e anárquico, também confisca as possibilidades de desenvolvimento da própria vida humana em sua plenitude.
De igual modo, a experiência histórica da relação da democracia com o capitalismo não foi capaz de assegurar suas promessas, falhou, tornou-se incapaz de manter a paz social e a justiça por meio do desenvolvimento econômico, mesmo que continue a existir o aumento da desigualdade social. O fato é que o mercado não pode absorver a verdadeira justiça social e igualar direitos entre indivíduos e classe nos marcos do Estado capitalista e burguês, uma vez que são condições contraproducentes e incompatíveis para harmonizar com os imperativos do capital. Ainda mais se levarmos em conta que a nova expansão capitalista está marcada profundamente por polarizações sociais e econômicas e políticas que se aprofundam de forma incontrolável.
Portanto, por uma parte, caem por terra todas as ilusões liberais democratas e de segmentos de esquerda que sonham com a possibilidade de existir um capitalismo genuinamente mais humano e democrático por meios de políticas keynesianas para a economia. Isto porque, o que se tem hoje é uma relação social e econômica que se esgotou – embora continue dominante – e vem se manifestando apenas como força bruta, implacável e profundamente excludente e destrutiva.
Por outra parte, fica a convicção da necessidade e possibilidade sócio-histórica de construir um novo projeto societário com uma política efetivamente socialista, para além da colaboração de classe e do capital; enfim, evitar ser capturado pelo ideário liberal-burguês, o que Gramsci chamou de transformismo político-ideológico da esquerda e dos lutadores do povo atraídos pela moderação que requer a institucionalidade burguesa e imperativos concernentes a sobrevivência e continuidade de sua ordem social e econômica.