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Por Jorge Almeida*.

No meio da competição interimperialista entre EUA e China pela vanguarda tecnológica do capitalismo mundial, o Brasil não tem um projeto nacional. Apenas assiste a disputa como um consumidor comum escolhe entre a Amazon e a Alibaba.

Diante do impasse para a chegada das vacinas, Bolsonaro nomeou uma comissão para negociações com o embaixador da China, composta pela Ministra da Agricultura, o das Comunicações e o da Saúde.

Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, ficou fora por não ser considerado qualificado para representar o Brasil, muito menos para recompor o diálogo com embaixador da China, com quem teve vários atritos públicos.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, representa os latifundiários do agronegócio e os capitalistas de sua cadeia produtiva, que são bem favoráveis a boas relações comerciais, investimentos e financiamentos chineses.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, está diretamente ligado ao certame da Internet 5G, cujo edital é esperado para março e o leilão em junho.

Bolsonaro gostaria de vetar a chinesa Huawei e o relator do leilão, Carlos Baigorri, chegou a declarar que o 5G “exige fornecedores confiáveis e transparentes” na “parte financeira, na governança e na estrutura societária”, o que são indiretas contra à Huawei, que é acusada de espionagem, mas é a empresa que tem a melhor e mais barata proposta. Eduardo Bolsonaro, respaldado por Ernesto Araújo, também tem atacado sistematicamente o 5G da Huawei e a China.

Mas o lobby a favor das relações com a China é fortíssimo no Brasil, especialmente no empresariado dos setores primário exportador e de comunicações, assim como numa rede de influência no parlamento, judiciário, entre militares, nos meios acadêmicos, na grande mídia e dentro do próprio governo federal, incluindo o vice-presidente General Mourão.

Providenciando as Vacinas e o 5G

Antes da reunião da comissão de negociação com o embaixador, Bolsonaro tinha procurado, pela terceira vez em seu governo, o presidente chinês para pedir favores.

Da primeira vez, em novembro de 2019, pediu, de última hora, durante reunião presencial com Xi Jinping, que a China investisse no leilão de petróleo do Pré-Sal, pois nenhum investidor estrangeiro estava interessado. O presidente chinês atendeu o pedido e uma estatal chinesa entrou no leilão.

A segunda, foi para apagar um incêndio depois da primeira onda de ataques de seu filho Zero Dois à China, em março de 2020, quando Xi Jinping o deixou esperando o retorno de um pedido de telefonema por alguns dias.

Agora, Xi Jinping não atendeu. E dificilmente atenderá antes que os termos da conversa e as questões em jogo sejam previamente definidos.

Assim, a escolha dos ministros da comissão foi uma demonstração de boa vontade do governo brasileiro diante das escaramuças sobre o 5G e para facilitar a importação de insumos para as vacinas.

Tutelado de vários lados, Bolsonaro é guiado pelos chamados “militares do governo”, que conseguiram reduzir sua verborragia e orientam as decisões governamentais que mais importam ao grande capital, à própria corporação militar e à sobrevivência do Presidente. Não por acaso, dois dos grandes articuladores dos acordos com o Centrão foram os generais Ramos e Braga. E, fora do governo, está cercado pelo Congresso Nacional, o STF, setores do MPF e a maior parte da grande mídia comercial e do grande capital.

Enfim, o grande empresariado já disse a Bolsonaro que quer a vacinação em massa e o 5G. E que está com pressa. Ele relutou, mas está providenciando. Enquanto isso, os chineses negociam.

A elite política e o empresariado chineses são bem preparados, têm interesses claros, atuam estrategicamente e são pragmáticos. Não importa o regime político ou a ideologia de governantes ou empresários.

O que importa é o que eles chamam de “win-win”, o “ganha-ganha”, quando todos ganham em termos imediatos, na lógica do mercado capitalista. Mas, eles ganham também estrategicamente, como no caso do 5G, e vão avançando como potência capitalista na disputa tecnológica e geopolítica mundial.

No meio da competição interimperialista entre EUA e China pela vanguarda tecnológica do capitalismo mundial, o Brasil não tem um projeto nacional. Apenas assiste a disputa como um consumidor comum escolhe entre a Amazon e a Alibaba.

O fato é que, depois da reunião da comissão dos ministros com o embaixador chinês, as coisas destravaram. Os insumos começaram a chegar e o processo do leilão começou a andar sem ferir os interesses dos chineses.

Mas ainda existem alguns mistérios a serem decifrados.

Mistérios a serem decifrados

No final da semana passada (29/01), foram divulgados o relatório de Baigorri para a Anatel e uma portaria do MCom que convergem em não criar vetos à Huawei. Mas trazem uma série de condições para as operadoras, como uma rede específica para o governo (operada pela Telebrás), supostamente para garantir a segurança dos dados, e uma série de outras especificações que encarecem e atrasam a implantação do 5G. Também diminuem a arrecadação da outorga para cerca de zero e, ao impedir o uso das redes de 4G já existentes, reduzem as vantagens competitivas da Huawei, que forneceu a maior parte da infraestrutura do 4G no Brasil.

Há muitas pressões e lobbies das operadoras contra estas exigências. Além disso, o ministro Paulo Guedes também estaria contra estas exigências da portaria, pois isto levaria a um fortalecimento da Telebrás, colocando dificuldades para sua privatização.

Por isso, no meio da reunião da Anatel (1º fevereiro) que iria aprovar o edital, e depois de já haver uma maioria de três votos favoráveis ao relatório de Baigorri, o presidente da Agência pediu vistas ao processo, adiando a decisão para o dia 24. Este pedido de vistas foi respaldado pela Conexis Brasil Digital, que é a associação das grandes empresas operadoras de telecomunicação, e por Paulo Guedes, que quer evitar um reforço da Telebrás. Então, ainda há mistérios não desvendados.

Outro mistério é o futuro dos Ministérios de Pazuello e Ernesto Araújo. Ao contrário do que Bolsonaro divulga nas mídias, ambos não tiveram nenhum protagonismo na questão das vacinas e do 5G.

Araújo parecia em queda, depois de tantos atritos com os chineses, outras trapalhadas e a derrota de Trump, de quem é ardoroso adepto. Bolsonaro teria, inclusive, sondado Temer para a função. Mas este não teria aceitado, porque prefere sua função atual de lobista da Chinesa Huawei.

Mas, depois de uma declaração imprudente de Mourão à imprensa insinuando saída de Araújo, Bolsonaro não quer dar o braço a torcer. Até quando?

Quanto a Pazuello, o Centrão tá de olho nisso, “talquei”?

(escrito em 04/02/2020)

* Jorge Almeida é professor Associado IV do Departamento de Ciência Política, do PPG de Ciências Sociais e do Mestrado em Ciência Política da UFBA. Desenvolve pesquisa sobre a China, tendo realizado pós-doutorado sobre o tema como Visiting Scholar na SOAS-University of London em 2018.

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Uma resposta

  1. Um projeto neofascista apoiado pelo grande capital no Brasil pode seguir com interesses comerciais com os chineses mas tem relações ideológicas com o capital estadunidense e essas devem prevalecer. Daí, resta a pergunta: e daí? Qual a orientação para a luta dos trabalhadores?

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