Search
Close this search box.

Por Jorge Almeida*.

O resultado da eleição da Mesa da Câmara mostrou, antes de tudo, o que já sabíamos: a maioria do Congresso é de direita e assim continuará.

Comprovou que, entre dois candidatos de direita, deputados de direita, optam por aquele que lhe dá mais benefícios, digamos assim, “concretos”, como verbas e cargos. São realistas. Portanto, o uso abusivo da máquina do estado pelo governo Bolsonaro foi fundamental para a vitória de Arthur Lira (PP), que teve 302 dos 504 votos (60%).

Por isso, a derrota tão acachapante do candidato de Rodrigo Maia (DEM), Baleia Rossi (MDB), que obteve 145 (29%).

Voltou a evidenciar que as duas candidaturas, no essencial, não garantiriam nem uma plataforma mínima, defendida pela chamada “esquerda”, como: rejeição às políticas neoliberais (privatizações, quebra de direitos, etc), garantias dos direitos do povo, soberania nacional, impeachment de Bolsonaro etc.

Reafirmou que o “mercado”, ou seja, a grande burguesia, está e estará com Bolsonaro enquanto ele atender seus interesses principais. Mesmo atrapalhando um pouco, no momento é melhor com ele do que um processo de impeachment que gere ainda mais instabilidade política, econômica e no meio militar.

Baleia Rossi teve 145 votos, enquanto os partidos chamados pela mídia de “esquerda” ou “centro-esquerda” (PT, PCdoB, PDT, PSB e Rede), que o apoiaram, têm 119 deputados. Isso mostra que 2/3 dos votos vieram destes partidos e que Rossi não tinha nem os votos imaginados da direita liberal.

Erundina: uma candidatura vitoriosa

O lançamento de Luiza Erundina pelo PSOL, única candidatura de esquerda, foi uma decisão do partido que se mostrou correta. Demarcou posição e fez um discurso muito bom para o que tem sido as posições médias do PSOL.

Poderia ter sido melhor, se no processo tivesse havido uma ofensiva maior do partido. Isso pode ter ocorrido devido uma parte da bancada e da direção do partido ter defendido, semelhante ao PT, um apoio à candidatura da direita liberal de Maia/Baleia Rossi.

A candidatura de Erundina/PSOL defendeu as questões mais importantes que estão em disputa na conjuntura e fez uma propaganda anticapitalista. Claro que poderia ter ocupado muito mais espaço e acumulado numa perspectiva de esquerda, dentro do movimento popular e na construção do PSOL. Se o partido tivesse sido mais ofensivo e se, programaticamente, tivesse sido mais afirmativo na defesa de um programa democrático popular, abrangente, anti-imperialista, anti-monopolista, anti-latifundiário, democrático radical, ecossocialista e contra todas as opressões, no percurso da campanha.

Mas, para o contexto político e a situação concreta do PSOL, foi muito positiva e fez um discurso bem melhor do que a média das lideranças públicas do partido. Além de uma vitória qualitativa foi também quantitativa, pois obteve 16 votos, seis a mais do que a bancada do PSOL.

Consequência da vitória de Lira-Pacheco-Bolsonaro

A influência de Bolsonaro aumentou no Congresso. No Senado, inclusive com o voto de apoio ao candidato de Bolsonaro (Rodrigo Pacheco, DEM) pelo PT e PDT. Sem esquecer que todos os candidatos mais votados estão no rol dos golpistas de 2016. Mas, é preciso avaliar isso de modo mais concreto.

Na Câmara, haverá uma dificuldade ainda maior para o impeachment. Mas não esqueçamos que o outro candidato da direita (Baleia Rossi) também era contrário e seu patrono e predecessor (Maia) ficou dois anos sentado em 68 pedidos de impeachment já protocolados.

Para a aprovação das reformas ultraliberais, não haverá diferença significativa. Ambos as defendem e Baleia Rossi foi até mais fiel nas votações pró governo do que o próprio Lira. E Maia foi o principal articulador das reformas já aprovadas.

Portanto, as reformas ultraliberais, como privatizações, desnacionalizações e quebra de direitos, vão continuar como continuariam com Maia-Rossi, talvez até com mais convicção e competência. O grande capital está alegre, mas não ficaria triste com a vitória de Baleia Rossi.

Na pauta conservadora, as dificuldades serão maiores para o povo. Mas isso não significa que a maioria que votou em Lira votará automaticamente em medidas legais regressivas de caráter neofascistas vindas do governo.

O objetivo principal de Bolsonaro, na decisão racional pragmática que tomou, orientado pelos chamados “militares do governo”, visa principalmente ter uma maioria no Congresso que garanta sua sobrevivência até 2022 e as condições para se candidatar com viabilidade à reeleição.

As hostes bolsonaristas mais fanatizadas, neofascistas e mobilizadas, o gabinete do ódio e as fake news comemorarão o resultado e procurarão animar a tropa. Mas terão que enfrentar as contradições de uma aliança cabal com o que há de mais corrupto e fisiológico no Congresso.  

Nem tudo será tranquilo para Bolsonaro

Mas não será tudo tão tranquilo para Bolsonaro, na sua relação com o Congresso, até 2022.

Ele vai ter muito trabalho para alimentar os deputados e senadores do Centrão, que não vivem de convicções ideológicas delirantes e nem de fidelidades caninas, sem contrapartidas materiais.

Com o agravante que os partidos ficaram ainda mais dilacerados neste processo, e as negociações cada vez mais terão que se fazer caso a caso. E ainda restam dois anos de governo.

As pressões corporativas continuarão fortes. Os lobbies das diversas frações do capital, brasileiro ou estrangeiro, a todo vapor. A crise econômica continua profunda. São muitas as contradições entre a exigência ultraliberal de ajuste fiscal e a miríade de pedidos de incentivos de vários tipos e o “pagamento” dos votos.

A situação da pobreza, da miséria e do desemprego tendem a se agravar, mas não mudaria com qualquer dos candidatos da direita.

Medidas como o Auxílio Emergencial, voltarão à pauta, e podem ser aprovadas se houver mobilização popular e também porque uma parte do grande capital vai pressionar por isso, para mover o mercado interno. Além de que o próprio Bolsonaro poderá recorrer a este recurso com objetivos eleitoreiros.

O andamento da vacinação não vai ficar pior do que está, pois a maioria do povo vai pressionar por isso e o empresariado também, pois isso é necessário para o retorno a uma situação “normal” da economia. Os presidentes da Câmara e Senado não vão atrapalhar isso, nem o STF, nem os militares.

Perto do abismo já estávamos, mas não chegou o apocalipse.

A crise vai piorar, mas a resposta popular a isso nunca esteve entre Maia-Rossi-Lira-Alcolumbre-Pacheco. Está na luta dos trabalhadores/as, juventude, mulheres, negras e negros e todos os oprimidos, por melhores condições de vida, soberania nacional, liberdades democráticas e contra as opressões.

O que a esquerda e a chamada “centro-esquerda” precisam fazer é botar a mão na massa da mobilização. Construir uma frente única popular e deixar de apostar numa quimérica frente ampla com a direita liberal. O que não impede votações conjuntas no Congresso, quando for o caso.

Muita coisa ainda vai rolar no campo da direita em geral e sobre suas alternativas para 2022. Mas isso é tema para outro artigo.

Hegemonia, tutela militar civil burguesa e resistência

Mas, em resumo, “quem não faz gol, toma”, como já dizia Marx desde a Comuna de Paris.

O PSOL, além de ter, no fundamental, acertado na sua tática, se livrou do vexame do abraço de afogados com Baleia e tudo.

Enfim, o caso mostra que a hegemonia burguesa continua forte. E não é de agora. Vem se reforçando desde o governo Lula-Dilma. Se ainda há ilusões sobre isso, é preciso acabar. Nunca houve “hegemonia do PT”, “da esquerda” ou “dos trabalhadores” no Brasil. E tampouco, ao fim dos governos do PT, passou a existir uma “crise de hegemonia”. Não podemos confundir crise econômica, crise política ou crise institucional com “crise de hegemonia” da burguesia. No atual período, a disputa continua sendo principalmente inter-burguesa. Entre frações da classe e das elites políticas burguesas.

Mas é também um período da Resistência Popular, que requer uma forte retomada ou nada será resolvido ou nem mesmo pautado de modo efetivo.

A tutela militar dentro do governo deu racionalidade às ações de Bolsonaro em consonância com duas questões centrais: atender à sua sobrevivência política e aos interesses principais das frações hegemônicas do capital. Além dos interesses corporativos dos próprios militares.

Mas, a tutela é militar civil burguesa. Bolsonaro é tutelado, não só pelas Forças Armadas, mas pelo Congresso, o judiciário, os capitães do capital e a grande mídia. E isso não mudaria com a eleição dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados.

Nem o Centrão, nem o Congresso como um todo, estão dando um cheque em branco pra Bolsonaro fazer o que quiser. É uma elite política que tem interesses próprios e está ligada a diversas frações do capital que também têm seus interesses particulares, às vezes em conflito entre si, com seus representantes políticos e com o governo. Mas, sempre “tudo pelo capital”.

As dificuldades para o impeachment aumentaram. Não há maioria no Congresso, o grande capital ainda não prefere isso, as Forças Armadas e o grosso do aparelho jurídico-coercitivo também não.

Mas, a vitória de Baleia Rossi estava longe de ser uma chave para abrir a porta do impeachment, como algumas falas dos que apostaram em sua candidatura expressaram, equivocadamente.

O governo continuará sendo um desastre de extrema direita, com um presidente neofascista e políticas ultraliberais. Mas com as mesmas contradições que já existem e, talvez, maiores, com a provável entrada de novos ministros do Centrão e do DEM, que não são do núcleo neofascista do governo e a saída de alguns dos mais fanáticos para lhes dar espaço.

A maior dificuldade nova, portanto, será para a abertura do impeachment. Mas a própria vitória acachapante de Lira, é uma demonstração óbvia de que isso já era difícil.

Mas a bandeira do “Fora Bolsonaro e Mourão” continuará presente. Carreatas e redes sociais são importantes, mas é preciso ter uma forte mobilização popular para isso ocorrer.

A direita liberal, que saiu como a mais derrotada e com seus principais líderes desgastados, vai ter que resolver o que fazer. A centro-esquerda e o centro social-liberais, que também saíram derrotados, também tomarão suas providências.

Cabe ao PSOL, que se saiu vitorioso, tirar as lições do processo. Especialmente, não temer a afirmação política pela esquerda, mesmo quando supostamente isolado e separado dos partidos de centro-esquerda.

* * Jorge Almeida é professor do Departamento de Ciência Política, do PPG de Ciências Sociais e do Mestrado de Ciência Política da UFBA. Grupo de Pesquisa Processos de Hegemonia e Contra-hegemonia.

—————————————————–

Artigos assinados não representam necessariamente a posição do Site da APS

Compartilhe nas Redes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *