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Resolução de Conjuntura e Tática da Coordenação Nacional da APS

Dezembro de 2020

Lutas de resistência, caminhos de esperança

OUSANDO LUTAR, VENCEREOS!

Lutas de resistência, caminhos de esperança

O ano de 2020 será marcado como o mais significativo do século XXI até agora. A economia mundial, que já vinha em crise e com perspectivas de um novo fenômeno similar ao de 2008 – quando a bolha do mercado imobiliário estadunidense estourou –, foi duramente atingida pela crise sanitária da pandemia do COVID-19.

Cenas típicas de filmes de ficção científica tornaram-se cotidianas em todos os continentes. Populações inteiras confinadas; máscaras em ambientes públicos; colapso dos sistemas de saúde; valas coletivas; mais de 1,5 milhões de pessoas que perderam suas vidas. Provavelmente estamos falando do maior trauma global depois da II Guerra Mundial, cujos impactos econômicos, políticos, sociais, culturais e psicológicos ainda estão longe de serem compreendidos em sua totalidade.

Tanto a crise de 2008, detonada por operações fictícias no mercado financeiro, como a de 2020, puxada pelo COVID-19, são fenômenos que não datam de 2008-2009 ou 2020.  Estes são recorrentes no quadro histórico da economia capitalista nas últimas décadas.

Desde a década de 1970, as evidências empíricas foram revelando que a rentabilidade do capital, oriunda da expropriação direta da força social do trabalho, já não possibilitava mais um aumento crescente, rápido e lucrativo para a acumulação do capital. É a partir dessa constatação objetiva que os estrategistas do capital, através de governos conservadores dos países imperialistas, capitaneado pelo EUA e Inglaterra nos anos 80, irão criar as condições legais, políticas e econômicas para conferir ao grande capital completa liberdade de movimento para sua reprodução em escala global.

Desde a ofensiva neoliberal e da grande desregulamentação dos mercados financeiros, o grande capital retira grande parte de seus investimentos da produção para aplicar nos mercados financeiros, gerando várias crises no final dos anos 1980 e 1990 e nos anos de 2001, 2007 e 2008. Para a alta burguesia, o que importa é tomar decisões em determinadas situações-chave para venda de ações ou títulos que possam embolsar 10%, 15% ou 20% de alta dos últimos anos. Pouco estão se lixando se tais decisões poderão gerar crises generalizadas.

A mídia burguesa, atrelada ao capital e aos seus ideólogos e propagandistas, procura explicar a queda das bolsas e a redução da rentabilidade do capital em nível mundial como consequência da pandemia do COVID-19. Essa visão passou a reverberar de forma generalizada e não se sustenta ao mínimo de análise honesta da crise.

A pandemia nos apresenta leque de situações não tão novas, mas que se intensificam nesse momento. De um lado, a recessão em curso terá como resultado maior concentração de capitais onde as grandes empresas, que têm maior poder de competição, devoram as pequenas e médias, ao mesmo tempo em que são previstas perdas crescentes de emprego e sua “uberização”, numa sociedade capitalista que regride para condições de trabalho sem direitos ou proteção social.

A crise social e sanitária ocasionada pela pandemia apenas abriu a caixa de pandora da crise do capital, pois, já no decorrer das últimas duas décadas, houve enfraquecimento da produção material em escala mundial. Várias das grandes economias mundiais – como as da Alemanha, Japão, França, EUA, China – sinalizaram com quedas significativas na produção de automóveis, máquinas-ferramenta e outros equipamentos industriais durante os anos de 2018, 2019 e 2020.

A pandemia em curso, portanto, não é um raio em céu azul. Ela revela também – como sempre existiu – limites externos do capital para sua reprodução e estabilidade financeira em relação às condições naturais, sociais e humanas. Todavia, o que temos agora é uma mudança metabólica do capital na relação com a natureza que resulta numa saturação da forma e das fontes de apropriação e expropriação dos seus recursos, convertendo tudo em mercadoria até a exaustão e gerando riscos avassaladores para a sobrevivência da humanidade.

O que está por emergir são crises com consequências mais totalizantes e intensas, pois, mesmo que se originem, em última instância, da exacerbação das contradições do capital, trarão em sua esteira complicações de caráter universal para a sobrevivência da humanidade. Nesse cenário, o estado capitalista e as agências financeiras tomarão medidas que enfrentem os efeitos imediatos da destrutividade no campo da saúde pública, mas preservando a funcionalidade e a continuidade da produção e da exploração do trabalho.

O aumento do desemprego e da morte de milhares de pessoas não abala o capital; ele conta com um exército infindável de reserva da força de trabalho para substituir com frieza aqueles que podem ser descartados a qualquer hora.

Essa difícil realidade, que já é de extrema profundidade e complexidade, foi impulsionada por governantes vinculados, em parte, a movimentos de extrema-direita, que subestimaram os impactos da proliferação do vírus, hesitando ou sabotando a adoção de rígidas medidas de isolamento social, testagem em massa e iniciativas de auxílio econômico para parte da população que, repentinamente, via suas atividades econômicas paralisadas. O ciclo que envolveu a ascensão de governos e movimentos de extrema-direita, golpes e negacionismo científico cobrou um alto preço.

Situações de saúde similares já tinham aparecido, porém com menor impacto sanitário, econômico e em vidas humanas. Diversos cientistas já alertavam para a possibilidade de uma pandemia avassaladora, mas, como tem sido comum em nosso tempo, seus alertas ou foram subestimados, ou foram desqualificados, ou foram negados.   

O ano de 2020 também foi marcado por grandes mobilizações contra o racismo. Após o covarde assassinato de George Floyd, mobilizações antirracistas ganharam força nos EUA e chegaram aos mais diversos continentes. Essas lutas, protagonizadas pelas diversas organizações, lideranças e ativistas do movimento negro, questionaram o mal estar histórico e que se agrava em nossos tempos, como o racismo, o machismo, a ampliação das desigualdades sociais, a precarização das políticas públicas, a violência policial e a banalização dos discursos reacionários. Gritos de dor tornaram-se gritos de resistência.

Após o ciclo de ascensão de governos, movimentos de extrema direita, golpes, negacionismo científico e variados ataques aos setores explorados e oprimidos, a resistência popular começa a dar sinais de reação. As mobilizações do Chile, que culminaram em um ainda indefinido processo constituinte; a vitória, ainda no final e 2019, de Alberto Fernandez na Argentina; o retorno do MAS ao governo na Bolívia após o golpe sofrido por Evo Morales; a recente derrota de Trump nos EUA e a situação de impasse na Venezuela – onde Maduro sagrou-se vitorioso no recente processo eleitoral e ainda consegue sustentar-se apesar dos ataques internos e externos – são sinais de esperança.

Tão importante quanto avaliar os limites dessas experiências (e são muitos), especialmente o futuro governo Biden nos EUA, é preciso compreender que o pano de fundo dessas vitórias é a intensa luta política e social levada adiante por forças de caráter democrático e populares (trabalhadores e trabalhadoras, movimento negro, feminista, LGBTTQIA+, juventude, etc.) nos últimos anos, mas especialmente no biênio 2019/2020.

No caso dos EUA, a derrota de Trump significou a derrota do que há de mais reacionário nos EUA, mas que ainda mantém força social e pode se recompor mais adiante, a depender do desenvolvimento da crise. A tendência principal é que Biden mantenha o essencial das políticas de agressão imperialista no mundo, especialmente na periferia, pois, em matéria de imperialismo, a tradição do Partido Democrata não é diferente do Partido Republicano. O novo governo dos EUA terá melhores condições de recompor com aliados históricos, como a Europa e Canadá, e melhorar as relações com Japão e Coréia do Sul, recompondo assim suas condições de disputa de hegemonia em nível internacional. Pode, assim, atuar com maior desenvoltura na disputa interimperialista com a China, tentando isolar a potência asiática numa retórica menos agressiva, mas sem renunciar ao “América First” (Primeiro a América). Não restará alternativa a Bolsonaro, que terá que reconhecer o novo governo. O alinhamento com os EUA ainda será a política prioritária de Bolsonaro, mesmo enfrentando algumas contradições dentro do governo e até mesmo com algumas frações do capital.

Nesse quadro, uma das principais tensões que se desenha em 2021, e que envolve várias questões nas relações internacionais e o interesse de várias frações do capital no Brasil, é o leilão da tecnologia 5G. Bolsonaro, na mesma toada do governo dos EUA, buscou mover-se no sentido de bloquear a Huawei (gigante das telecomunicações chinesa), mas Mourão já declarou publicamente que os prejuízos da exclusão da Huawei do leilão serão enormes, aumentando ainda mais a distância do Brasil para outros países e atrasando enormemente o uso dessa tecnologia para empresas e consumidores. Certamente essa pressão em cima do Brasil ainda vai ocorrer, mesmo no governo Biden. Mas o fato é que, sem a construção de uma alternativa nacional, o Brasil funciona apenas como um campo de batalha para a disputa geopolítica e tecnológica entre as diversas potências imperialistas, especialmente os EUA e a China.

Não estamos ainda no fim da ofensiva conservadora – ocorrida na compressão do centro (tanto à direita quanto à esquerda) por conta da crise do capital e da ausência de saídas para a crise desses setores – que ganhou corpo e em alguns casos adquiriu dinâmica de onda. É importante destacar que essa ofensiva coexistiu com formas de resistência popular. Os governos reacionários eleitos nos EUA e no Brasil no quadro dessa ofensiva não deixaram de enfrentar uma oposição social e política que conseguiu, mesmo de forma irregular e variando muito nos dois casos, construir a resistência contra seus ataques concretos ou simbólicos.  

As vitórias reacionárias da extrema direita e/ou da direita liberal, que não hesita em alinhar-se com o neofascismo quando se trata dos interesses comuns do grande capital, não calaram as vozes de milhões no mundo. Vozes de várias cores, credos, crenças, pautas e regiões. E assim estivemos juntos, fisicamente ou virtualmente, dessas lutas.

Um longo caminho ainda falta para que essas resistências avancem no sentido de um novo projeto emancipatório e igualitário, radicalmente democrático e ambientalmente sustentável. Contra todas as formas de dominação e opressão e que articule lutas nacionais e internacionais.

O caminho sinuoso da luta anticapitalista nos apresenta velhos e novos desafios. Devemos encarar esses desafios com combatividade revolucionária, criatividade e esperança, reestruturando tradicionais formas e lugares de luta com novas possibilidades de organização popular. Dialogando e sendo parte de lutas emergentes como o feminismo negro e LGBTTQIA+, sempre na perspectiva interseccional entre raça, classe e gênero. Estabelecendo relações nos territórios onde a luta cotidiana de nosso povo ocorre. 

A partir disso podemos transformar defesa em resistência, resistência em ofensiva, ofensiva em um novo mundo para as maiorias.

O segundo ano do (des)governo Bolsonaro

Qualquer análise de conjuntura pós-eleição [balanço segue em outra resolução], não deixa de ser um balanço dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Só podemos compreender seus resultados e a situação geral das forças democráticas, populares e socialistas a partir de um balanço mais geral do governo nesses dois anos, com destaque para 2020.

O ano de 2020 mostrava-se como um possível período de continuidade da crise social econômica e com o governo visando intensificar as medidas antinacionais, antipopulares e antidemocráticas.

A agenda de reformas ultraliberais, vendida como solução mágica para os problemas nacionais, não vinha se mostrando, e não podia ser diferente, capaz de superar o desemprego, que já estava bastante elevado mesmo antes da pandemia, e garantir uma retomada consistente do crescimento econômico.

O governo Bolsonaro iniciou o ano com maior desgaste e com o campo que lhe deu sustentação em 2018 e 2019 bastante fragmentado e com parte dele se realinhando à direita liberal mais tradicional. Iniciou-se, assim, um processo de perda de apoio nos setores médios. O cerco ao seu clã familiar, de amigos milicianos e das redes de fake News e a ruptura com parte do lavajatismo após a saída de Sérgio Moro levaram Bolsonaro, acuado, a mostrar os dentes com ameaças às instituições da democracia liberal como parte de uma tática defensiva.

Essas movimentações da extrema direita não mostraram o mesmo fôlego de momentos anteriores e entraram em fase de baixa adesão e de recuo. A ofensiva de parte do aparelho coercitivo e de parte do Poder Judiciário, especialmente o MP do Rio de Janeiro e o STF, representou um baque significativo na base ativa do bolsonarismo.

O bolsonarismo sofreu também inúmeras dissidências: a maioria dos deputados federais do PSL, algumas de suas principais expressões eleitorais, como Joice Hasselmann e Janaina Pascoal; o deslocamento, para a direita tradicional, de movimentos civis de direita como o MBL; governadores eleitos em 2018 como Witzel, Caiado e Doria; setores do aparelho coercitivo e algumas lideranças das Forças Armadas.

Para se defender dessa perda de base ativa de apoio, Bolsonaro movimentou-se em direção ao mal chamado “centrão” para conter um possível processo de impeachment que aparecia no horizonte, realizando o tradicional toma lá, dá cá do chamado presidencialismo de coalização brasileiro. O manto da “nova política” foi rasgado aos gritos de “contra tudo que está aí”. Suas ambições golpistas refluíram em troca de sua sobrevivência imediata e criação de condições para se recuperar e tentar a reeleição em 2022.

No fundamental, as principais frações do capital no Brasil, apesar de muitas vezes não aprovar a verborragia do presidente, fizeram o movimento de disputa pela implementação de sua agenda política e econômica. Toleraram, e ainda toleram, as ameaças antidemocráticas e buscam realizar um movimento de contenção de qualquer medida que ameace seus interesses, como, por exemplo, as relações econômicas com a China.

Para isso contam com o apoio da direita tradicional, destacadamente DEM e PSDB, e de parte da mídia oligopolista, notadamente as Organizações Globo; esta, fundamentalmente por razões de ordem comercial e política, crítica ao discurso de extrema-direita no campo da cultura e dos costumes, mas apoiadora dos objetivos ultraliberais que marcam a agenda de frações da burguesia no Brasil. Ao mesmo tempo, essas frações do capital se somavam a setores do poder judiciário e a parte da oposição liberal para diferenciar-se do governo.

Mantém-se como característica a tutela civil-militar sobre o governo e o Estado em geral, isto é, o governo se mantém submetido, no que é fundamental das questões econômicas e políticas, nos limites impostos pelas principais frações do capital. Tem nas Forças Armadas peça chave para, ao mesmo tempo, controlar suas ações e garantir sua sustentação. Essa situação é parte do processo que tirou o impeachment da pauta do grande capital e das instituições burguesas.

Até agora Bolsonaro conseguiu se recuperar da queda de popularidade do início do ano, chegando a uma base de apoio superior a 30%, em grande parte embalada pelo Auxílio Emergencial, que findará agora em dezembro. Buscou também compensar a perda de apoio em setores médios com uma base de caráter mais popular, através do fortalecimento de laços com o fundamentalismo religioso, disputando, a partir da sua relação com o “centrão”, em estados do Nordeste, onde sua rejeição é maior desde 2018.

Nas próximas semanas a eleição da presidência da Câmara e Senado vai ocupar a pauta do Congresso, podendo ter repercussões negativas para o andamento imediato das reformas ultraliberais, já prejudicadas com a impossibilidade de eleição de Maia e Alcolumbre. Mas essa agenda, passada a disputa intestinal do Congresso Nacional, será retomada em 2021 e exigirá mobilização social muito mais ampla para ser barrada.    

Ao PSOL, cabe não apoiar nenhuma candidatura da direita liberal ou da base de apoio de Bolsonaro, lançando candidatura própria ou conjunta com os partidos de centro-esquerda (PT, PC do B, PDT, PSB e REDE) com nítida oposição às reformas liberais.

O ano de 2020 termina com a hegemonia burguesa mais forte, mesmo após a pandemia e com o próprio resultado das eleições municipais. Não há hoje no Brasil uma força política e social contra-hegemônica suficientemente forte e enraizada para derrotar o grande capital. E é esse desafio de enorme importância que deve nortear estrategicamente a esquerda. 

A crise e as lutas populares

Do outro lado, depois de um 2019 cheio de idas e vindas, os movimentos populares ensaiavam a retomada das lutas, onde o Fora Bolsonaro começava a ganhar corpo. Esse movimento começou a se fortalecer com parte dos partidos de oposição com base popular encampando, mesmo que tardiamente e com muitas ambiguidades, o Fora Bolsonaro já durante o início da pandemia.

Porém, as expectativas de um movimento de massas expressivo pelo Fora Bolsonaro foram interditadas pela pandemia, mas também pelo fato de os principais líderes, partidos e organizações populares (PT, PC do B, CUT, CTB, etc.) não terem encampado para valer essa luta. Portaram-se como satisfeitos com o desgaste de Bolsonaro, aguardando 2022 para tentar derrotá-lo nas urnas. Subestimam a possibilidade de o governo Bolsonaro recuperar-se, mesmo que temporariamente, e conseguir tornar-se eleitoralmente viável. Colocam em risco os direitos do povo e o patrimônio nacional ainda existentes com essa tática.  

Com a consolidação no Brasil da pandemia, uma situação já marcada por uma aguda crise social e econômica tornou-se extremamente trágica: o negacionismo e as ações descoordenadas do governo federal o tornaram o principal responsável pelas mais de 180 mil mortes no país até agora.

Mas a pandemia também foi o momento em que formas de resistência e organização popular se desenvolveram. Comunidades periféricas e ocupações urbanas realizaram diversas formas de enfrentamento aos impactos da crise sanitária; esses atos de solidariedade e capacidade de mobilização permitiram que vidas fossem salvas. As comunidades quilombolas, os povos indígenas e as ocupações de sem-teto e sem-terra, que já sofrem ataques cotidianos aos seus modos de vida e territórios, intensificaram as denúncias contra governos estaduais e o governo federal, além de formarem uma rede de apoio que foi fundamental para reduzir a contaminação pelo COVID-19.

Setores da classe trabalhadora também travaram duras batalhas por melhores condições de trabalho, especialmente os da saúde. A resistência da classe trabalhadora tornou possível que mais de 70% das negociações salariais repusessem as perdas inflacionárias ou gerassem pequenos ganhos acima da inflação. Não é uma grande conquista diante do desemprego que assola o país, mas é sinal de que é possível lutar e resistir.

O movimento negro, com forte participação dos setores progressistas das torcidas organizadas, não silenciou diante da violência policial ou privada contra sua existência. Mobilizações, atos e campanhas têm conquistado importantes espaços na sociedade brasileira, descortinando o mito da democracia racial e fazendo avançar a consciência do povo de que o racismo estrutural deve ser combatido sem tréguas.

Mas, no geral, os movimentos (especialmente o sindical e o estudantil) em 2020 estiveram muito aquém de suas possibilidades de mobilização devido às restrições provocadas pela pandemia da COVID-19, para além de suas anteriores debilidades e disputas internas. Com o movimento sindical organizado restrito a lives nacionais e locais, muitas vezes pré-gravadas, como no Primeiro de Maio, não se conseguiu construir atos presenciais significativos, que ultrapassassem sua vanguarda. Assim, as centrais sindicais, bem como o movimento popular (com raras exceções no início do segundo semestre) e o movimento estudantil não lograram efetivamente se comunicar para fora de suas bolhas, com pontuais e delimitadas exceções.  Será necessário agitar a organização da classe trabalhadora logo no início do ano, apesar das limitações, para a necessária construção do movimento de resistência às contrarreformas com potencial para destruir o serviço público e que o governo já enviou ao Congresso, como a Reforma Administrativa, a PEC dos Fundos e a PEC 186, mal chamada de “emergencial”.

O governo, apesar da pandemia, continua com a sanha de destruir o SUS como sistema público e universal, o que pode ser demonstrado nas recentes medidas que atacam a rede de atendimento à saúde mental, as quais revertem em larga escala as conquistas promovidas pela Lei 10.216/2001, assim como nas medidas que dizem respeito ao diagnóstico e ao tratamento de soropositivos de HIV/AIDS.

No ano que chega ao fim, observa-se uma retomada da primeira onda da COVID em curso, enquanto o governo não se prepara adequadamente para a complexa logística exigida para a vacinação. Além disso, não há uma definição para vacinar toda a população brasileira ainda em 2021. Bolsonaro atua no sentido de ideologizar a questão da vacina, criando conflitos institucionais absolutamente desnecessários nesse momento.

Do ponto de vista social e econômico, a tendência hoje é que a economia brasileira despenque 5% neste ano e as previsões para 2021 são de recuperação muito lenta, dada a ausência do mínimo de planejamento necessário para reaquecer a economia, mesmo que de forma paliativa. E só não foi ainda pior porque houve grande aumento das exportações de bens primários para a China e por conta das medidas de emergência que Bolsonaro inicialmente era contra. Para 2021, a tendência é de não recuperar o conjunto das perdas de 2020, pois existe uma tendência de convergência de baixo crescimento do PIB, inflação em alta e pressões do capital financeiro para o controle dos gastos públicos.

O desemprego também não dá sinais de recuo. Segundo os dados da Pnad Contínua do IBGE do penúltimo trimestre de 2020, temos 13,8 milhões de pessoas desempregadas (14,4% da População Economicamente Ativa). A população desalentada (5,9 milhões) registrou crescimento recorde, com alta de 24,2% (mais 1,1 milhão de pessoas). O número de empregados com carteira assinada no setor privado caiu 12,0% (quatro milhões de pessoas). Já o número de empregados sem carteira assinada no setor privado caiu 25,8% (três milhões). A massa de rendimento real habitual do trabalho (R$ 202,5 bilhões) caiu 5,7% (R$ 12,3 bilhões). Todos os dados são do penúltimo trimestre de 2020 (julho a setembro) em comparação com 2019.

Esses mesmos dados mostram que esse processo atinge mais intensamente os negros e negras, sendo que mais de 6, 4 milhões de homens e mulheres negros saíram da força de trabalho no primeiro semestre de 2020. Entre os brancos, o número de pessoas nessa mesma situação chegou a 2,4 milhões.

Frente a esse quadro, o discurso governamental segue no mantra ultraliberal, enquanto o mundo caminha no sentido inverso, ampliando a intervenção do Estado para reativar a combalida economia mundial.

O governo Bolsonaro também amplia seu isolamento internacional, seja pela repercussão internacional negativa do desastre que representam as queimadas e a flexibilização da legislação ambiental no Brasil, seja pela derrota de Trump nos EUA, seja pela reversão, ao menos temporária, da situação política na América Latina, com governos não identificados com o conservadorismo e ultraliberalismo reconquistando ou mantendo seus espaços.

O Fora Bolsonaro, a luta por medidas emergenciais e por Vacina para Todos (as) Já!

Reafirmamos aqui que o objetivo central das forças democráticas, populares e socialistas no atual cenário é fortalecer um amplo movimento de massas pelo Fora Bolsonaro/Mourão! Em defesa dos direitos sociais, da soberania nacional e das liberdades democráticas. Esse movimento deve travar as lutas que se fazem necessárias contra as reformas antinacionais, antipopulares e antidemocráticas. Ao mesmo tempo, deve desenvolver e apresentar uma Plataforma de Emergência. A Plataforma de Emergência deve partir das questões mais concretas que hoje atingem a maioria do povo e articular-se com a disputa por uma nova alternativa de poder que construa uma saída democrática e popular sob hegemonia dos trabalhadores/trabalhadoras (antimonopolista, antilatifundiária, anti-imperialista, democrática radical, ecossocialista e contra todas as opressões) para a crise econômica, social e sanitária.

Devemos divulgar e debater essa Plataforma de Emergência com os mais amplos setores democráticos, populares e socialistas. Essa Plataforma é um guia de ação para mobilizar e organizar a resistência popular nas suas lutas concretas, dando respostas imediatas e necessárias para enfrentar a pandemia da COVID-19 no Brasil. Por isso, enfrentar a atual pandemia exige lutar por medidas emergenciais, mas também enfrentar os monopólios, o capital financeiro e o latifúndio do agronegócio.

De forma mais imediata, devemos construir a campanha por Vacina Para Todos (as) Já! e a campanha O Brasil precisa do SUS. Além disso, devemos defender a implementação imediata de medidas fiscais e tributárias que ampliem o gasto público, dentre elas: reforma tributária, que eleve a tributação dos super-ricos e torne o sistema tributário brasileiro mais progressivo; revogação imediata do teto dos gastos; defender a manutenção do Auxílio Emergencial e a implementação de um programa nacional de Renda Mínima, sendo que essa luta também deve ser travada em âmbitos municipal e estadual; elevação no número de parcelas do seguro-desemprego; investimento público para estimular a economia, além de políticas ativas de geração de emprego e renda, tais como os mutirões de obras e reformas de equipamentos públicos; estímulo à formação de cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras; estímulo aos pequenos agricultores, etc.

Partindo desses elementos programáticos, devemos construir e participar de iniciativas, imediatas e para o próximo ano, de mobilização social. O quadro geral ainda é muito incerto, mas se desenha no Brasil uma situação em que as tensões sociais ficarão mais explícitas, combinando desemprego e inflação em alta, queda da renda e precarização do trabalho, aumento da violência e uma crise sanitária que pode piorar nos próximos meses caso não sejam realizadas medidas eficazes e bem articuladas para contê-la.

Tarefas táticas na conjuntura

Devemos, assim, realizar e/ou fortalecer as seguintes iniciativas:

Ampliar a campanha pelo Fora Bolsonaro/Mourão! Em defesa dos direitos sociais, da soberania nacional e das liberdades democráticas;

Divulgar e debater nossa Plataforma de Emergência com os mais amplos setores democráticos, populares e socialistas;

Participar ativamente da campanha Vacina para Todos (as) Já!, exigindo dos governos federal, estadual e municipais um plano nacional urgente de vacinação que garanta acesso a vacinas contra a covid-19 para todos e todas o mais rapidamente possível;

Participar ativamente, construindo comitês locais, da campanha O Brasil precisa do SUS. Devemos defender o SUS dos ataques privatizantes e das ameaças de cortes nos percentuais constitucionais de financiamento;

Por medidas sanitárias que garantam a preservação da vida, contendo a proliferação da COVID-19, através de alternativas concretas e imediatas de isolamento social dos grupos de risco; gestão sob o transporte público para evitar a superlotação; reforma e utilização imediata de imóveis sem utilização (públicos e privados) para garantir o isolamento social de contaminados e grupos de risco, com devido acompanhamento multidisciplinar na área de saúde;

Apoiar a luta em defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial, reforçando as lutas travadas contra as recentes medidas do Governo Bolsonaro/Mourão que desmontam a rede de apoio da saúde mental e revertem as conquistas históricas nesse setor;

Defender e realizar campanhas para a implementação imediata de medidas fiscais e tributárias que ampliem o gasto público, dentre elas: reforma tributária, que eleve a tributação dos super-ricos e torne o sistema tributário brasileiro mais progressivo; revogação imediata do teto dos gastos; elevação no número de parcelas do seguro-desemprego; investimento público para estimular a economia, além de políticas ativas de geração de emprego e renda, tais como os mutirões de obras e reformas de equipamentos públicos; estímulo à formação de cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras; estímulo aos pequenos agricultores, etc.

Pela prorrogação, sem prazo determinado, do Auxilio Emergencial, transformando-o em um programa de Renda Mínima permanente;

Encampar a luta por um FUNDEB público, participando dos atos nacionais, regionais e locais, promovendo ações e debates nos sindicatos da educação de que participamos;

Organizar campanhas de solidariedade aos sem-teto, sem-terra, quilombolas e indígenas, contribuindo para sua preservação diante da pandemia, participando das campanhas de arrecadação de alimentos e itens de higiene pessoal, denunciando publicamente a situação de abandono dessas comunidades por parte do Estado;

Construir e participar das campanhas contra a violência à mulher nos Estados e nacionalmente. Engajar-se com posição ativa e propositiva nas mobilizações do movimento feminista pelo Fora Bolsonaro e Mourão!, contribuindo para um amplo 08 de março;

Organizar e participar das mobilizações e atividades virtuais e presenciais apontadas pelas centrais, FONASEFE, Frente Povo Sem Medo e Brasil Popular e pelo PSOL em defesa do serviço público, contra a Reforma Administrativa, a PEC 186 (“emergencial”) e a PEC dos Fundos, pela derrubada do teto de gastos (EC 95), que destroem o serviço público e retiram verbas da saúde e da educação;

Desenvolver uma campanha nacional em defesa do Quingoma, território de remanescentes de quilombolas em Lauro de Freitas na Bahia. Essa campanha deve ser organizada por dentro das entidades do movimento sindical na qual atuamos e no PSOL;

Continuar organizando atos de pequeno porte nos bairros populares a partir da experiência de várias comunidades periféricas do Brasil;

VACINA PARA TODOS (AS) JÁ!

FORA BOLSONARO E MOURÃO, IMPEACHMENT E ELEIÇÕES GERAIS!

OUSANDO LUTAR, VENCEREMOS!

AÇÃO POPULAR SOCIALISTA – APS/PSOL08 DEZEMBRO DE 2020  

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