A situação mundial continua complicada com o conflito interimperialista, que tem de um lado os EUA e de outro a China em aliança com a Rússia. Isso aprofunda um clima de instabilidade e incerteza política e retroalimenta a crise econômica. A seguir
Resolução de Conjuntura Internacional da APS-PSOL[1]
Coordenação Nacional da Ação Popular Socialista[2]
23 a 25 de agosto de 20119
A situação mundial continua complicada, especialmente na sua face econômica e financeira, que é o pano de fundo para o conflito interimperialista, que tem de um lado os EUA e de outro a China em aliança com a Rússia. Esse conflito é, em grande parte, fruto do período mais recente da crise; contribui para aprofundar um clima de instabilidade e incerteza política e retroalimentar a crise econômica.
Além disso, a tendência de um Brexit sem acordo, a sinalização de crescimento perto de zero por cento na Alemanha, Japão e Reino Unido (RU) e diversos outros conflitos nacionais e regionais acedem a luz de alerta na Europa e no mundo e estimulam medidas protecionistas também em governos como os da França e Alemanha.
Desde 2009, logo depois do pico da crise que ocorreu em 2008, a mídia e outros apologistas do capitalismo em sua fase imperialista, sob a égide do neoliberalismo, vêm anunciando que a crise é de curto prazo, que já estaria acabando e sendo resolvida.
Mas os fatos têm insistentemente mostrado que a verdade, como temos afirmado nos últimos anos, é que a crise que estamos vivendo é uma crise estrutural do capitalismo, que se manifesta não somente no âmbito econômico e financeiro, e se desenvolve desde o início da década de 1970.
Por outro lado, o pico que a crise manifestou em 2008 também não se resolveu. De lá pra cá, foram poucos os momentos em que houve algum alívio para os centros tradicionais do imperialismo mundial. O crescimento médio mundial tem sido baixo e só não tem sido pior porque a China tem mantido índices que, mesmo caindo progressivamente em relação aos anos anteriores a 2008, ainda sustentam um crescimento do PIB anual de cerca do dobro da média mundial. Mais recentemente, o crescimento do PIB da Índia acima de 6% também contribuiu para manter a média mundial em um pouco mais que 3%.
Agora, estamos novamente vivendo dias de fortes temores em todos os ambientes do capital.
O índice de todas as bolsas dos EUA tem caído recentemente e a queda dos juros oficiais naquele país é sinal de que o governo está sentindo o risco da recessão (o que é compartilhado por uma parte significativa dos economistas estadunidenses) e a necessidade de estimular uma economia em momento de fraqueza.
A economia da Alemanha depende muito das exportações e sofre as consequências da guerra comercial entre os EUA e a China, o que prejudica as transações comerciais globais em geral. A China também sofre esse impacto e está tendo um enfraquecimento de seu crescimento industrial para o menor índice desde 2002. Isso dificulta a vida das transnacionais dos EUA e do Japão (que vive um momento muito instável em sua economia), que dependem do comércio e da demanda do mercado global. Enfim, há uma retroalimentação da crise entre as quatro maiores potências econômicas mundiais hoje.
A possibilidade real de um Brexit sem acordo entre o Reino Unido e a União Europeia, que é a tendência principal hoje, a partir do governo Boris Johnson – a não ser que seja convocado um novo plebiscito sobre a questão – e o PIB negativo da Alemanha (-0,1%) no segundo trimestre de 2019, colocam a possiblidade de a maior potência econômica europeia entrar em recessão técnica no final de setembro e reforçam o clima de insegurança em toda a Europa.
Além disso, outros conflitos nacionais e regionais, como aquele entre Índia e o Paquistão (e, secundariamente, a China) em torno do território da Caxemira, a interrupção do processo de negociação entre a Coreia do Norte, a do Sul e os EUA, as rebeliões com características revolucionárias na Argélia e no Sudão, a vitória preliminar do kirchnerismo na Argentina, a vitória relativa da direita nas eleições do parlamento europeu (levantando mais temores quanto à unidade europeia), a crise política e econômica na Itália, os conflitos em Hong Kong, e a prolongada crise econômica do Brasil são, ao mesmo tempo, sinais da crise mundial e fatores que alimentam as turbulências. A crise nas três principais economias do Oriente Médio, com recessão na Turquia, as provocações de Trump em direção ao Iran (que vive o segundo ano em recessão), e a Arábia Saudita em risco de recessão completam o quadro.
Desde o V ENAPS (2012) temos dito que a crise mundial não é só econômica e que “Vivemos um período de Crise Estrutural crônica do capital em nível mundial, que é um processo de crise múltipla: econômica, social, ambiental, energética e alimentar, com fortes componentes políticos e culturais”[3]. Hoje, ela se situa principalmente nos centros capitalistas, como os EUA e a Europa, mas atinge todo o planeta. Não há sinais de saída “virtuosa”.
Difusamente pelos continentes, regiões e países, de modo desigual e combinado, está presente um jogo de idas e vindas entre a ofensiva liberal e conservadora e o crescimento de partidos de extrema direita (que, em alguns casos nacionais, evoluiu para uma “onda” conservadora com base de massas). Por outro lado, a resistência popular, na luta direta e/ou eleitoral – mesmo não tendo o mesmo vigor alcançado entre 2011 e 2014, continua viva. Tudo isso tem a ver com a situação do Brasil e coloca dificuldades para a recuperação econômica nacional.
O capitalismo continua mostrando sua incapacidade de atender as necessidades da humanidade. A consequência de tudo isso será mais desemprego, pobreza e desigualdade. Mais arrocho, resistência e repressão.
Portanto, a conjuntura internacional continua sendo a da crise econômica estrutural e de suas repercussões em todos os níveis, gerando conflitos, polarizações e instabilidade política tanto em nível mundial como interna em muitos países, inclusive grandes potências.
A Guerra comercial e tecnológica e por espaços geopolíticos entre EUA e China e Rússia se aprofunda
Diante da crise mundial e da perda de competitividade das companhias transnacionais estadunidenses, Trump tomou medidas protecionistas, no que ficou conhecido como “Trade War” (guerra comercial). Aumentou a taxação da importação de diversas mercadorias, o que atingiu vários países, mas principalmente a China. Rompeu com o tratado de controle nuclear do Iran, que tinha sido assinado durante o governo Obama, e era e continua sendo apoiado pela Europa, China e Rússia.
O protecionismo dos EUA a uma parte de suas mercadorias, especialmente da produção agrícola, e o estímulo estatal a outros setores sempre existiram. No estouro da crise em 2008, o governo Obama investiu cerca de 1 trilhão de dólares para cobrir o rombo de suas empresas. Mas, a partir daí, aumentaram as preocupações e ações do estado estadunidense com a concorrência econômica chinesa e militar da russa.
Nesse sentido, foram tomadas diversas medidas, ainda no governo Obama, com vistas a promover, com governos aliados ou estimulando a mudança de governos, um cerco militar à Rússia.
E, por outro lado, a China sempre sofreu vários tipos de restrições às suas mercadorias e investimentos produtivos diretos. Mas, a China obedeceu a todas as exigências de liberação econômica da OMC (Organização Mundial do Comércio) para poder atuar mais livremente no mercado internacional, não tendo sofrido, até o governo Trump, um enfrentamento duro e direto como o atual.
Em 2018, o PIB dos EUA teve um crescimento significativo na comparação com a média dos últimos anos (1,5% em 2016 e 2,3% em 2017), tendência que levou a um crescimento de cerca de 2,9% no final de 2018. Mas isso não significa que é uma tendência que se manterá, pois esse crescimento teve um impulso imediato da redução de impostos (1,5 trilhão de dólares de cortes), das medidas protecionistas e da antecipação de exportações para a China, no sentido de evitar as medidas protecionistas chinesas em retaliação às que foram tomadas pelos EUA. Para 2019 a estimativa é de crescimento do PIB de cerca de 2,5%.
Mas, apesar desse crescimento econômico (mesmo que de sustentação incerta e difícil) a política de Trump tem obtido muito mais derrotas do que resultados positivos, pois suas ações não somente têm resultado em maior oposição interna nos EUA, como piorado a imagem daquele país imperialista no mundo. Por outro lado, têm criado dificuldades para a China, mas não têm conseguido impedir o avanço do imperialismo concorrente que vem do oriente e, ironicamente, tem se apresentado como vanguarda da defesa do multilateralismo, da globalização e do livre mercado internacional. O que inclui a defesa das regras da OMC, que favorecem grandes potências econômicas em detrimento dos países dependentes.
Esta tem sido a regra: enquanto o discurso e a prática de Trump têm sido de “primeiro a América (EUA)” e a criação de barreiras comerciais, o dos chineses tem sido de que manter boas relações entre China e EUA é o melhor caminho para os EUA, a Europa, os países centrais, os “emergentes” e a periferia. É a sintonia da economia capitalista global; o discurso liberal do “ganha-ganha”, ou seja, que todos podem sair ganhando numa competição pacífica em que haja complementariedade econômica.
Enfim, enquanto a ênfase de Trump é o nacionalismo econômico agressivo e reacionário de grande potência, o da China tem sido o do internacionalismo do livre mercado capitalista.
Com Trump, os EUA tiveram alguma melhora temporária na atividade econômica, mas sofreram uma derrota política e militar na Síria, derrota diplomática na Coreia, desgaste diplomático sem precedentes com a Europa e o Canadá, derrota política e eleitoral nas eleições presidenciais e congressuais no México e nas tentativas de golpe na Venezuela e resistência na Palestina. Além disso, aumentaram as tensões com a Turquia (que é outro aliado histórico estratégico), mas o governo sofreu perda de apoio e aumento da rejeição popular dentro dos EUA. E não vem conseguindo impedir o avanço do imperialismo concorrente chinês. Enquanto isso, teve duas vitórias importantes na América do Sul, com as vitórias eleitorais e Bolsonaro (Brasil) e Macri (Argentina). Este, entretanto, tem enfrentado enorme desgaste e resistência popular e está em grande risco de sofrer uma derrota nas próximas eleições presidenciais[4].
No final das contas, Trump acabou sofrendo também uma derrota nas eleições do Congresso dos EUA onde, apesar de manter a maioria no Senado, perdeu a maioria na Câmara dos Deputados por uma significativa diferença de cadeiras parlamentares e está sob ameaça de impeachment.
Os EUA continuam sendo a maior potência mundial em diversos indicadores, mas as taxas de crescimento econômico da China, seus avanços científicos e tecnológicos, e o protagonismo político-militar da Rússia vêm ocupando um importante espaço global.
As guerras interimperialistas não estão colocadas no momento, mas a situação mundial mostra que os conflitos inter-burgueses não são coisa do passado, principalmente considerando a luta por recursos naturais e, mais do que isso, a disputa pela vanguarda tecnológica.
Não é por outro motivo que a aposta dos EUA, desde os governos anteriores a Trump, como o de Obama, para a construção de um ‘novo século americano’ neste sec. XXI passa pelo controle direto das áreas ricas em recursos naturais estratégicos, como o Oriente Médio e o norte da África, produtores de petróleo, e pela atualização de sua política de projeção de poder no centro da Eurásia – o que, entretanto, vem sendo bloqueado a partir da aliança formada entre Rússia e China.
Por outro lado, é nesse sentido que os EUA e alguns governos aliados passaram a colocar obstáculos políticos e burocráticos ao avanço de empresas chinesas de alta tecnologia, como é o caso da Huawei, que estão sendo acusadas, sem comprovação, de espionagem.
Na disputa em termos globais, os EUA continuam com suas ações diretamente violentas e bélicas, inclusive de agressão à soberania de países, mas grande parte de suas ações com vistas a manter ou ampliar sua dominação e áreas de influência dentro de sua estratégia geopolítica tem sido feita através do que tem sido chamado de “guerra híbrida”. Essa tática não se utiliza necessariamente de mecanismos violentos ou através de uma explícita agressão externa. Mas, através do apoio a grupos econômicos, políticos ou militares nacionais, busca mudar governos pela via de velhas e novas técnicas de manipulação eleitoral ou dos “golpes institucionais”, sem uma intervenção direta de forças armadas.
China e Rússia são, respectivamente, o mais populoso e o mais extenso país da Terra, e hoje têm grandes interesses comuns e complementariedade econômica, tecnológica e militar. Realizaram vários acordos bilaterais e multilaterais bem abrangentes e consistentes, inclusive destacando a mútua solidariedade em caso de sofrerem agressões militares.
Entre os acordos, está a “nova Rota da Seda”, que gerará uma grande infraestrutura intercontinental para o comércio entre Ásia, Europa e África, por via terrestre e marítima, e ampliação dos espaços para a exportação de capitais chineses.
O último Congresso do PCC (Partido Comunista da China), realizado no final de 2017, reafirmou formalmente sua linha de “Socialismo com as características chinesas” ou “socialismo de mercado”, o que significa de fato a reafirmação do processo de conversão ao capitalismo, e aprovou um Plano Quinquenal que visa ampliar e aprofundar o protagonismo imperialista Chinês. Do ponto de vista interno, o Plano Quinquenal pretende “diminuir as desigualdades sociais”, que a direção chinesa reconhece que é muito forte, e tomar medidas para conter a destruição ambiental de grandes proporções, que cresceu com o desenvolvimento de tipo capitalista nos últimos anos.
Além disso, consolidou a política de partido único monolítico e a liderança pessoal de Xi Jinping dentro dele e do estado, concentrando em suas mãos os três cargos políticos mais importantes do país: Secretário Geral do Partido, Presidente da República e chefe da Comissão Militar. Suas ações e imagem são tratadas com características de “culto à personalidade”
Para enfrentar a cada vez mais difícil competição com as empresas chinesas dentro da lógica do “livre mercado”, os EUA têm, além das medidas de protecionismo econômico, apelado para ações tipicamente políticas. É o caso da empresa de telecomunicações Huawei, que já é a segunda maior produtora de celulares do mundo, tendo ultrapassado a Apple e ficando atrás da Sansung. Mas a principal ameaça econômica e tecnológica da Huawei não são os celulares, mas as redes 5G, ou quinta geração de redes de Internet sem fio, no que a Huawei tem o vanguardismo, ganhando concorrências para sua implantação em vários países, inclusive nas maiores economias do mundo. Sem condições de concorrer econômica e tecnologicamente com essa empresa, os EUA vêm criando obstáculos políticos. Sem comprovações tecnicamente confiáveis, acusa a empresa de servir de braço do estado chinês para espionagem internacional. Com isso, conseguiu que vários países sob sua influência bloqueassem contratos já em andamento para a implantação de redes produzidas pela Huawei. Nesse esforço, chegou a conseguir que o Canadá prendesse a executiva e filha do fundador e principal dono da empresa, Meng Wanzhou, que é diretora financeira da empresa.
Entretanto, a China sendo um país de economia capitalista ampla e profundamente integrado à economia mundial; mesmo tendo mais presença e capacidade do estado no planejamento e regulação econômica, também tem sofrido as consequências da crise mundial. Há uma queda progressiva do seu crescimento, com ocorrência de turbulências financeiras, tendo que tomar medidas para aumentar o mercado interno. Atualmente, tem feito um grande esforço econômico e diplomático para contrabalançar a guerra comercial provocada pelo protecionismo dos EUA. Sua ofensiva tem priorizado a Ásia, a África, a Europa e o Oriente Médio, mas sem se afastar da América Latina, de quem hoje é o principal parceiro comercial, mantendo presença na Oceania.
No seu esforço expansionista, a China tem como um de seus principais sustentáculos o projeto da Nova Rota da Seda, que é um conjunto de ações de infraestrutura com vistas a facilitar o comércio entre China e o resto do mundo, especialmente a Ásia em geral com a Europa e a África. Esse projeto consta de dois eixos principais. Um por via, terrestre, fundamentalmente ferroviário, que sai da China, atravessa o Casaquistão e a Rússia para atingir toda a Europa. O outro por via marítima, passando pelo Mar do Sul da China, Oceano Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Assim, o projeto recebeu o nome oficial de “Iniciativa de um Cinturão a Estrada” (em inglês, Belt and Road Iniciative – BRI). Ambas as vias da BRI incluem um sem número de outras vias de acesso e ramificações.
Ademais, China e Rússia têm aprofundado os laços na área de segurança e também feito manobras militares conjuntas, no sentido de dar demonstração de capacidade defensiva e retaliativa também nessa frente da disputa interimperialista. A China também tem acelerado seu investimento militar e sua produção bélica, ampliando sua presença militar mundial, que se faz moderadamente, porém de modo contínuo, progressivo e que amplia sua capacidade bélica quantitativamente e em qualidade tecnológica.
Como se vê, o conflito ganha contornos que vão além de uma guerra comercial, expondo cada vez mais suas vertentes na competição tecnológica, corrida armamentista e geopolítica e sua dimensão mais ampla, que é a disputa de hegemonia dentro do capitalismo mundial.
Nesse sentido, além da expansão econômica chinesa, Rússia e China têm ampliado suas ações com vistas a conter agressões dos EUA e aliados, o que pode ser visto nos casos da Síria, Ucrânia, Irã, Coreia do Norte e Venezuela[5].
Porém, esse conflito interimperialista é mais complexo do que os anteriores, porque EUA e China são os maiores adversários, mas são também o maiores parceiros econômicos um do outro. Suas presenças econômicas se fazem de modo superposto, e muitas vezes de modo associado, em áreas de influências comuns.
Por outro lado, como resultado da profunda desigualdade que vem se desenvolvendo em território chinês, está ocorrendo uma maior polarização social que estimula a luta de classes, o que tem se manifestado em milhares de greves econômicas (que são proibidas) e outras ações de desobediência civil por ano. Ao mesmo tempo, a China tem enfrentado conflitos mais explicitamente políticos, como o que ocorre no momento em Hong Kong[6].
Mais sobre Brexit e Europa
Em 2016 houve um plebiscito no Reino Unido (RU) no qual Brexit (ruptura do RU com a União Europeia, EU) recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco europeu.
A vitória do Brexit foi reflexo da crise econômica mundial no Reino Unido, que aprofundou o processo de desindustrialização, o corte de benefícios sociais e direitos trabalhistas e o crescimento da xenofobia nos setores mais prejudicados pela crise, como se os refugiados e imigrantes ilegais fossem os culpados pela perda dos empregos. Uma das propagandas pela saída da UE dizia “Vamos fazer a Bretanha grande novamente”, no sentido de que teria condições de melhorar ficando fora da EU.
O Brexit fragiliza o projeto de consolidação de um bloco continental e coloca em questão o processo da globalização imperialista e sua “quebra de fronteiras” a partir dos próprios países centrais, como Europa e EUA. Note-se que o PIB da UE (somatória de todos os países membros) é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA.
O prazo para colocar em prática a saída era 29 de março de 2019, mas o Reino Unido ainda não conseguiu resolver o imbróglio que criou e colocar em prática a saída do bloco europeu. Houve um adiamento para 30 de junho e um outro para 31 de outubro.
Mas, o governo continua sem conseguir um acordo de maioria no parlamento. Por um lado, as contradições com os países da União Europeia (UE), que não estão dispostos a fazer concessões importantes ao RU e estão colocando condições duras para fazer o RU pagar caro por sua decisão.
Por outro lado, há contradições dentro da própria classe dominante e da elite política conservadora. Dentro do próprio Reino Unido aumenta a insatisfação popular com o Brexit e suas possíveis consequências para a vida do povo. Pesquisas recentes indicam que a maioria reivindica um novo plebiscito para aprovar os termos finais do acordo de saída da UE.
O governo conservador da primeira ministra Teresa May fez vários acordos prévios com a UE, mas não conseguiu obter maioria nem no Parlamento e nem mesmo o consenso do seu partido.
Diante das derrotas, ela acabou renunciando; o Partido Conservador, que é maioria no Parlamento, fruto das eleições há três anos, elegeu o novo primeiro ministro Boris Johnson, que é o líder da ala mais à direita do partido e defensor de um Brexit mesmo sem acordo com a UE. Se esse tipo de ruptura ocorrer, deve se aprofundar ainda mais a crise política e econômica no RU na UE.
Fica claro, entretanto, que tanto ficar na Europa quanto sair são alternativas dentro do horizonte burguês. A continuidade na UE não elimina as políticas xenófobas e racistas que também estão na UE. Uma ruptura do Reino Unido ou de qualquer outro país da Europa poderia ser positiva, se não ocorresse tendo como base e objetivo principal colocar restrições racistas e xenófobas à imigração.
Essa situação tem gerado tanto um fortalecimento de movimentos sociais à esquerda, da luta dos trabalhadores e contra o racismo, como também abre a possibilidade de vitória de Jeremy Corbyn para Primeiro Ministro. Ele representa uma virada à esquerda do Partido Trabalhista, que saiu de uma linha claramente liberal para um programa mais próximo do trabalhismo reformista social democrata clássico. Corbyn chegou a aparecer na frente em pesquisas de intenção de voto, porém sua ambiguidade em relação ao Brexit tem criado incertezas. Um exemplo foi a vitória relativa de forças políticas mais à direita na recente eleição da bancada do RU para o Parlamento Europeu.
A crise mundial, o conservadorismo e a resistência popular
A crise mundial, desde 2008, tem gerado outras consequências, além do aguçamento dos conflitos interimperialistas, onde EUA e China ocupam as principais posições de polos opostos, porém dentro da mesma lógica geral do capitalismo no atual momento de sua fase imperialista.
Há também uma maior polarização política em muitos países, como resultado da disputa aberta entre as classes e frações de classe para o seu enfrentamento. Como já vimos em resoluções anteriores, o resultado tem sido um enfraquecimento de posições liberais clássicas e das tendências mais à direita da social democracia.
O Brasil, com nossas particularidades, se situa dentro desse quadro geral, tanto no que diz respeito à ofensiva conservadora e ultra liberal, como nas dificuldades de recuperação econômica dentro da crise mundial e dos conflitos interimperialistas.
Esse processo abre espaço, por um lado, para um reaparecimento com força de uma direita radical, que tem vários matizes, desde partidos que disputam dentro da institucionalidade até uma extrema direita com perfil mais claramente fascista ou neofascista, que aparece, com suas características particulares, em todos os continentes.
Por outro lado, abriu-se um processo de reconstrução de uma resistência popular mais à esquerda, combinado ou não com o reaparecimento de uma social democracia que resgata uma política mais à esquerda do social-liberalismo e uma maior combatividade econômica do sindicalismo clássico burocratizado.
A resposta a uma caracterização para a situação atual da luta de classes, entretanto, não pode ser resolvida com um discurso simplista, que tem sido praticado por setores da esquerda brasileira e mundial, de que estaríamos vivendo uma profunda defensiva diante de uma grande onda conservadora, fascista ou neofascista mundial generalizada. Tampouco há evidências de que o avanço da resistência ocorrido entre 2011 e 2014 tenha continuado com o mesmo vigor e, muito menos, que estivéssemos numa situação revolucionária ou a caminho dela.
Como temos dito, estamos vivendo um longo período de ofensiva do grande capital sobre os trabalhadores e os povos oprimidos e de resistência diante desses ataques. Neste período histórico, tanto o desenvolvimento da resistência na luta de classes (direta ou por via eleitoral), como a ofensiva da direita institucional ou extrainstitucional, golpista ou baseada em grupos milicianos ou paramilitares, com maior ou menor presença de grupos que possam ser chamados de fascistas ou neofascistas, tem variado.
Isso aparece não somente como manifestações nacionais como também em algumas organizações internacionais como a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), originada nos EUA e que tem a participação da família Bolsonaro. Ou articulações da extrema-direita a partir de Steve Bannon ou redes de grupos mais assumidamente fascistas e neofascistas e a bancada conservadora multinacional no parlamento europeu.
Portanto, continuaremos vivenciando e participando de um contexto carregado de contradições e conflitos, no qual continuarão existindo tanto um processo de luta de classes e contra todo tipo de opressão, no cotidiano mais localizado ou setorial, como explosões de descontentamento e revolta popular (como os que têm ocorrido recentemente na Argélia e Sudão)[7]. Momentos que tanto podem contribuir com o avanço da consciência, organização de conquistas e acúmulo de forças do povo trabalhador e oprimido, como ser disputado e manipulado por uma direção ultraliberal, conservadora e de extrema-direita em geral.
Permanece, assim, mais atual que nunca a tarefa de transformar a classe trabalhadora numa classe consciente de sua situação social e de seus interesses de classe antagônicos à burguesia e com perspectiva própria de futuro socialista e revolucionário. Isso só será possível se, ao mesmo tempo em que travarmos cada luta contra a exploração econômica, as opressões culturais, a dominação política, a opressão e dependência nacional, e a destruição ambiental, também travarmos uma batalha pela conscientização política das trabalhadoras, trabalhadores e de todo o povo oprimido. Nessa jornada, cabe aos revolucionários construir as ferramentas sociais, culturais e político-partidárias necessárias à revolução socialista em cada país e, em nível internacional, articulações e fóruns que permitam interação, intercâmbio político e teórico e ações conjuntas.
Nossa luta é internacional!
Unidade do povo trabalhador para enfrentar a direita, o ultra-liberalismo, o conservadorismo e as vertentes neofascistas!
Fortalecer a Resistência Popular contra o capital, o imperialismo e todas as opressões!
Demarcar posições com o social-liberalismo e o reformismo conciliador de classes!
Construir uma alternativa verdadeiramente de esquerda no Brasil e no mundo!
Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!
Ousando Lutar, Venceremos!
Ação Popular Socialista, APS/PSOL
CNAPS, 23 a 25 de agosto de 2019
[1] Para uma análise mais abrangente e de período mais longo da crise mundial estrutural do capitalismo, do neoliberalismo, da financeirização e da crise ambiental, ver as Resoluções de Conjuntura Internacional do V ENAPS (Encontro Nacional da APS) em
Para uma análise abrangente de período mais recente, ver Resoluções do VII ENAPS em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/
[2] Além dessa resolução geral, a CNAPS aprovou duas outras resoluções específicas sobre os conflitos em Hong Kong (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/) e a situação política e eleitoral na Argentina. (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/)
[3] Ver https://acaopopularsocialista.files.wordpress.com/2016/06/v-enaps-resoluc3a7c3b5es-finais-texto-unificado.pdf
[4] Ver https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/
[5] Ver https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/ e resolução sobre a Venezuela em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/03/aps-psol-nao-ao-golpe-na-venezuela-eua-go-home/
[6] Sobre os conflitos em Hong Kong, ver resolução específica em https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/
[7] Ver resolução sobre isso em: https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/
L[1]
Coordenação Nacional da Ação Popular Socialista[2]
A situação mundial continua complicada, especialmente na sua face econômica e financeira, que é o pano de fundo para o conflito interimperialista, que tem de um lado os EUA e de outro a China em aliança com a Rússia. Esse conflito é, em grande parte, fruto do período mais recente da crise; contribui para aprofundar um clima de instabilidade e incerteza política e retroalimentar a crise econômica.
Além disso, a tendência de um Brexit sem acordo, a sinalização de crescimento perto de zero por cento na Alemanha, Japão e Reino Unido (RU) e diversos outros conflitos nacionais e regionais acedem a luz de alerta na Europa e no mundo e estimulam medidas protecionistas também em governos como os da França e Alemanha.
Desde 2009, logo depois do pico da crise que ocorreu em 2008, a mídia e outros apologistas do capitalismo em sua fase imperialista, sob a égide do neoliberalismo, vêm anunciando que a crise é de curto prazo, que já estaria acabando e sendo resolvida.
Mas os fatos têm insistentemente mostrado que a verdade, como temos afirmado nos últimos anos, é que a crise que estamos vivendo é uma crise estrutural do capitalismo, que se manifesta não somente no âmbito econômico e financeiro, e se desenvolve desde o início da década de 1970.
Por outro lado, o pico que a crise manifestou em 2008 também não se resolveu. De lá pra cá, foram poucos os momentos em que houve algum alívio para os centros tradicionais do imperialismo mundial. O crescimento médio mundial tem sido baixo e só não tem sido pior porque a China tem mantido índices que, mesmo caindo progressivamente em relação aos anos anteriores a 2008, ainda sustentam um crescimento do PIB anual de cerca do dobro da média mundial. Mais recentemente, o crescimento do PIB da Índia acima de 6% também contribuiu para manter a média mundial em um pouco mais que 3%.
Agora, estamos novamente vivendo dias de fortes temores em todos os ambientes do capital.
O índice de todas as bolsas dos EUA tem caído recentemente e a queda dos juros oficiais naquele país é sinal de que o governo está sentindo o risco da recessão (o que é compartilhado por uma parte significativa dos economistas estadunidenses) e a necessidade de estimular uma economia em momento de fraqueza.
A economia da Alemanha depende muito das exportações e sofre as consequências da guerra comercial entre os EUA e a China, o que prejudica as transações comerciais globais em geral. A China também sofre esse impacto e está tendo um enfraquecimento de seu crescimento industrial para o menor índice desde 2002. Isso dificulta a vida das transnacionais dos EUA e do Japão (que vive um momento muito instável em sua economia), que dependem do comércio e da demanda do mercado global. Enfim, há uma retroalimentação da crise entre as quatro maiores potências econômicas mundiais hoje.
A possibilidade real de um Brexit sem acordo entre o Reino Unido e a União Europeia, que é a tendência principal hoje, a partir do governo Boris Johnson – a não ser que seja convocado um novo plebiscito sobre a questão – e o PIB negativo da Alemanha (-0,1%) no segundo trimestre de 2019, colocam a possiblidade de a maior potência econômica europeia entrar em recessão técnica no final de setembro e reforçam o clima de insegurança em toda a Europa.
Além disso, outros conflitos nacionais e regionais, como aquele entre Índia e o Paquistão (e, secundariamente, a China) em torno do território da Caxemira, a interrupção do processo de negociação entre a Coreia do Norte, a do Sul e os EUA, as rebeliões com características revolucionárias na Argélia e no Sudão, a vitória preliminar do kirchnerismo na Argentina, a vitória relativa da direita nas eleições do parlamento europeu (levantando mais temores quanto à unidade europeia), a crise política e econômica na Itália, os conflitos em Hong Kong, e a prolongada crise econômica do Brasil são, ao mesmo tempo, sinais da crise mundial e fatores que alimentam as turbulências. A crise nas três principais economias do Oriente Médio, com recessão na Turquia, as provocações de Trump em direção ao Iran (que vive o segundo ano em recessão), e a Arábia Saudita em risco de recessão completam o quadro.
Desde o V ENAPS (2012) temos dito que a crise mundial não é só econômica e que “Vivemos um período de Crise Estrutural crônica do capital em nível mundial, que é um processo de crise múltipla: econômica, social, ambiental, energética e alimentar, com fortes componentes políticos e culturais”[3]. Hoje, ela se situa principalmente nos centros capitalistas, como os EUA e a Europa, mas atinge todo o planeta. Não há sinais de saída “virtuosa”.
Difusamente pelos continentes, regiões e países, de modo desigual e combinado, está presente um jogo de idas e vindas entre a ofensiva liberal e conservadora e o crescimento de partidos de extrema direita (que, em alguns casos nacionais, evoluiu para uma “onda” conservadora com base de massas). Por outro lado, a resistência popular, na luta direta e/ou eleitoral – mesmo não tendo o mesmo vigor alcançado entre 2011 e 2014, continua viva. Tudo isso tem a ver com a situação do Brasil e coloca dificuldades para a recuperação econômica nacional.
O capitalismo continua mostrando sua incapacidade de atender as necessidades da humanidade. A consequência de tudo isso será mais desemprego, pobreza e desigualdade. Mais arrocho, resistência e repressão.
Portanto, a conjuntura internacional continua sendo a da crise econômica estrutural e de suas repercussões em todos os níveis, gerando conflitos, polarizações e instabilidade política tanto em nível mundial como interna em muitos países, inclusive grandes potências.
A Guerra comercial e tecnológica e por espaços geopolíticos entre EUA e China e Rússia se aprofunda
Diante da crise mundial e da perda de competitividade das companhias transnacionais estadunidenses, Trump tomou medidas protecionistas, no que ficou conhecido como “Trade War” (guerra comercial). Aumentou a taxação da importação de diversas mercadorias, o que atingiu vários países, mas principalmente a China. Rompeu com o tratado de controle nuclear do Iran, que tinha sido assinado durante o governo Obama, e era e continua sendo apoiado pela Europa, China e Rússia.
O protecionismo dos EUA a uma parte de suas mercadorias, especialmente da produção agrícola, e o estímulo estatal a outros setores sempre existiram. No estouro da crise em 2008, o governo Obama investiu cerca de 1 trilhão de dólares para cobrir o rombo de suas empresas. Mas, a partir daí, aumentaram as preocupações e ações do estado estadunidense com a concorrência econômica chinesa e militar da russa.
Nesse sentido, foram tomadas diversas medidas, ainda no governo Obama, com vistas a promover, com governos aliados ou estimulando a mudança de governos, um cerco militar à Rússia.
E, por outro lado, a China sempre sofreu vários tipos de restrições às suas mercadorias e investimentos produtivos diretos. Mas, a China obedeceu a todas as exigências de liberação econômica da OMC (Organização Mundial do Comércio) para poder atuar mais livremente no mercado internacional, não tendo sofrido, até o governo Trump, um enfrentamento duro e direto como o atual.
Em 2018, o PIB dos EUA teve um crescimento significativo na comparação com a média dos últimos anos (1,5% em 2016 e 2,3% em 2017), tendência que levou a um crescimento de cerca de 2,9% no final de 2018. Mas isso não significa que é uma tendência que se manterá, pois esse crescimento teve um impulso imediato da redução de impostos (1,5 trilhão de dólares de cortes), das medidas protecionistas e da antecipação de exportações para a China, no sentido de evitar as medidas protecionistas chinesas em retaliação às que foram tomadas pelos EUA. Para 2019 a estimativa é de crescimento do PIB de cerca de 2,5%.
Mas, apesar desse crescimento econômico (mesmo que de sustentação incerta e difícil) a política de Trump tem obtido muito mais derrotas do que resultados positivos, pois suas ações não somente têm resultado em maior oposição interna nos EUA, como piorado a imagem daquele país imperialista no mundo. Por outro lado, têm criado dificuldades para a China, mas não têm conseguido impedir o avanço do imperialismo concorrente que vem do oriente e, ironicamente, tem se apresentado como vanguarda da defesa do multilateralismo, da globalização e do livre mercado internacional. O que inclui a defesa das regras da OMC, que favorecem grandes potências econômicas em detrimento dos países dependentes.
Esta tem sido a regra: enquanto o discurso e a prática de Trump têm sido de “primeiro a América (EUA)” e a criação de barreiras comerciais, o dos chineses tem sido de que manter boas relações entre China e EUA é o melhor caminho para os EUA, a Europa, os países centrais, os “emergentes” e a periferia. É a sintonia da economia capitalista global; o discurso liberal do “ganha-ganha”, ou seja, que todos podem sair ganhando numa competição pacífica em que haja complementariedade econômica.
Enfim, enquanto a ênfase de Trump é o nacionalismo econômico agressivo e reacionário de grande potência, o da China tem sido o do internacionalismo do livre mercado capitalista.
Com Trump, os EUA tiveram alguma melhora temporária na atividade econômica, mas sofreram uma derrota política e militar na Síria, derrota diplomática na Coreia, desgaste diplomático sem precedentes com a Europa e o Canadá, derrota política e eleitoral nas eleições presidenciais e congressuais no México e nas tentativas de golpe na Venezuela e resistência na Palestina. Além disso, aumentaram as tensões com a Turquia (que é outro aliado histórico estratégico), mas o governo sofreu perda de apoio e aumento da rejeição popular dentro dos EUA. E não vem conseguindo impedir o avanço do imperialismo concorrente chinês. Enquanto isso, teve duas vitórias importantes na América do Sul, com as vitórias eleitorais e Bolsonaro (Brasil) e Macri (Argentina). Este, entretanto, tem enfrentado enorme desgaste e resistência popular e está em grande risco de sofrer uma derrota nas próximas eleições presidenciais[4].
No final das contas, Trump acabou sofrendo também uma derrota nas eleições do Congresso dos EUA onde, apesar de manter a maioria no Senado, perdeu a maioria na Câmara dos Deputados por uma significativa diferença de cadeiras parlamentares e está sob ameaça de impeachment.
Os EUA continuam sendo a maior potência mundial em diversos indicadores, mas as taxas de crescimento econômico da China, seus avanços científicos e tecnológicos, e o protagonismo político-militar da Rússia vêm ocupando um importante espaço global.
As guerras interimperialistas não estão colocadas no momento, mas a situação mundial mostra que os conflitos inter-burgueses não são coisa do passado, principalmente considerando a luta por recursos naturais e, mais do que isso, a disputa pela vanguarda tecnológica.
Não é por outro motivo que a aposta dos EUA, desde os governos anteriores a Trump, como o de Obama, para a construção de um ‘novo século americano’ neste sec. XXI passa pelo controle direto das áreas ricas em recursos naturais estratégicos, como o Oriente Médio e o norte da África, produtores de petróleo, e pela atualização de sua política de projeção de poder no centro da Eurásia – o que, entretanto, vem sendo bloqueado a partir da aliança formada entre Rússia e China.
Por outro lado, é nesse sentido que os EUA e alguns governos aliados passaram a colocar obstáculos políticos e burocráticos ao avanço de empresas chinesas de alta tecnologia, como é o caso da Huawei, que estão sendo acusadas, sem comprovação, de espionagem.
Na disputa em termos globais, os EUA continuam com suas ações diretamente violentas e bélicas, inclusive de agressão à soberania de países, mas grande parte de suas ações com vistas a manter ou ampliar sua dominação e áreas de influência dentro de sua estratégia geopolítica tem sido feita através do que tem sido chamado de “guerra híbrida”. Essa tática não se utiliza necessariamente de mecanismos violentos ou através de uma explícita agressão externa. Mas, através do apoio a grupos econômicos, políticos ou militares nacionais, busca mudar governos pela via de velhas e novas técnicas de manipulação eleitoral ou dos “golpes institucionais”, sem uma intervenção direta de forças armadas.
China e Rússia são, respectivamente, o mais populoso e o mais extenso país da Terra, e hoje têm grandes interesses comuns e complementariedade econômica, tecnológica e militar. Realizaram vários acordos bilaterais e multilaterais bem abrangentes e consistentes, inclusive destacando a mútua solidariedade em caso de sofrerem agressões militares.
Entre os acordos, está a “nova Rota da Seda”, que gerará uma grande infraestrutura intercontinental para o comércio entre Ásia, Europa e África, por via terrestre e marítima, e ampliação dos espaços para a exportação de capitais chineses.
O último Congresso do PCC (Partido Comunista da China), realizado no final de 2017, reafirmou formalmente sua linha de “Socialismo com as características chinesas” ou “socialismo de mercado”, o que significa de fato a reafirmação do processo de conversão ao capitalismo, e aprovou um Plano Quinquenal que visa ampliar e aprofundar o protagonismo imperialista Chinês. Do ponto de vista interno, o Plano Quinquenal pretende “diminuir as desigualdades sociais”, que a direção chinesa reconhece que é muito forte, e tomar medidas para conter a destruição ambiental de grandes proporções, que cresceu com o desenvolvimento de tipo capitalista nos últimos anos.
Além disso, consolidou a política de partido único monolítico e a liderança pessoal de Xi Jinping dentro dele e do estado, concentrando em suas mãos os três cargos políticos mais importantes do país: Secretário Geral do Partido, Presidente da República e chefe da Comissão Militar. Suas ações e imagem são tratadas com características de “culto à personalidade”
Para enfrentar a cada vez mais difícil competição com as empresas chinesas dentro da lógica do “livre mercado”, os EUA têm, além das medidas de protecionismo econômico, apelado para ações tipicamente políticas. É o caso da empresa de telecomunicações Huawei, que já é a segunda maior produtora de celulares do mundo, tendo ultrapassado a Apple e ficando atrás da Sansung. Mas a principal ameaça econômica e tecnológica da Huawei não são os celulares, mas as redes 5G, ou quinta geração de redes de Internet sem fio, no que a Huawei tem o vanguardismo, ganhando concorrências para sua implantação em vários países, inclusive nas maiores economias do mundo. Sem condições de concorrer econômica e tecnologicamente com essa empresa, os EUA vêm criando obstáculos políticos. Sem comprovações tecnicamente confiáveis, acusa a empresa de servir de braço do estado chinês para espionagem internacional. Com isso, conseguiu que vários países sob sua influência bloqueassem contratos já em andamento para a implantação de redes produzidas pela Huawei. Nesse esforço, chegou a conseguir que o Canadá prendesse a executiva e filha do fundador e principal dono da empresa, Meng Wanzhou, que é diretora financeira da empresa.
Entretanto, a China sendo um país de economia capitalista ampla e profundamente integrado à economia mundial; mesmo tendo mais presença e capacidade do estado no planejamento e regulação econômica, também tem sofrido as consequências da crise mundial. Há uma queda progressiva do seu crescimento, com ocorrência de turbulências financeiras, tendo que tomar medidas para aumentar o mercado interno. Atualmente, tem feito um grande esforço econômico e diplomático para contrabalançar a guerra comercial provocada pelo protecionismo dos EUA. Sua ofensiva tem priorizado a Ásia, a África, a Europa e o Oriente Médio, mas sem se afastar da América Latina, de quem hoje é o principal parceiro comercial, mantendo presença na Oceania.
No seu esforço expansionista, a China tem como um de seus principais sustentáculos o projeto da Nova Rota da Seda, que é um conjunto de ações de infraestrutura com vistas a facilitar o comércio entre China e o resto do mundo, especialmente a Ásia em geral com a Europa e a África. Esse projeto consta de dois eixos principais. Um por via, terrestre, fundamentalmente ferroviário, que sai da China, atravessa o Casaquistão e a Rússia para atingir toda a Europa. O outro por via marítima, passando pelo Mar do Sul da China, Oceano Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Assim, o projeto recebeu o nome oficial de “Iniciativa de um Cinturão a Estrada” (em inglês, Belt and Road Iniciative – BRI). Ambas as vias da BRI incluem um sem número de outras vias de acesso e ramificações.
Ademais, China e Rússia têm aprofundado os laços na área de segurança e também feito manobras militares conjuntas, no sentido de dar demonstração de capacidade defensiva e retaliativa também nessa frente da disputa interimperialista. A China também tem acelerado seu investimento militar e sua produção bélica, ampliando sua presença militar mundial, que se faz moderadamente, porém de modo contínuo, progressivo e que amplia sua capacidade bélica quantitativamente e em qualidade tecnológica.
Como se vê, o conflito ganha contornos que vão além de uma guerra comercial, expondo cada vez mais suas vertentes na competição tecnológica, corrida armamentista e geopolítica e sua dimensão mais ampla, que é a disputa de hegemonia dentro do capitalismo mundial.
Nesse sentido, além da expansão econômica chinesa, Rússia e China têm ampliado suas ações com vistas a conter agressões dos EUA e aliados, o que pode ser visto nos casos da Síria, Ucrânia, Irã, Coreia do Norte e Venezuela[5].
Porém, esse conflito interimperialista é mais complexo do que os anteriores, porque EUA e China são os maiores adversários, mas são também o maiores parceiros econômicos um do outro. Suas presenças econômicas se fazem de modo superposto, e muitas vezes de modo associado, em áreas de influências comuns.
Por outro lado, como resultado da profunda desigualdade que vem se desenvolvendo em território chinês, está ocorrendo uma maior polarização social que estimula a luta de classes, o que tem se manifestado em milhares de greves econômicas (que são proibidas) e outras ações de desobediência civil por ano. Ao mesmo tempo, a China tem enfrentado conflitos mais explicitamente políticos, como o que ocorre no momento em Hong Kong[6].
Mais sobre Brexit e Europa
Em 2016 houve um plebiscito no Reino Unido (RU) no qual Brexit (ruptura do RU com a União Europeia, EU) recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco europeu.
A vitória do Brexit foi reflexo da crise econômica mundial no Reino Unido, que aprofundou o processo de desindustrialização, o corte de benefícios sociais e direitos trabalhistas e o crescimento da xenofobia nos setores mais prejudicados pela crise, como se os refugiados e imigrantes ilegais fossem os culpados pela perda dos empregos. Uma das propagandas pela saída da UE dizia “Vamos fazer a Bretanha grande novamente”, no sentido de que teria condições de melhorar ficando fora da EU.
O Brexit fragiliza o projeto de consolidação de um bloco continental e coloca em questão o processo da globalização imperialista e sua “quebra de fronteiras” a partir dos próprios países centrais, como Europa e EUA. Note-se que o PIB da UE (somatória de todos os países membros) é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA.
O prazo para colocar em prática a saída era 29 de março de 2019, mas o Reino Unido ainda não conseguiu resolver o imbróglio que criou e colocar em prática a saída do bloco europeu. Houve um adiamento para 30 de junho e um outro para 31 de outubro.
Mas, o governo continua sem conseguir um acordo de maioria no parlamento. Por um lado, as contradições com os países da União Europeia (UE), que não estão dispostos a fazer concessões importantes ao RU e estão colocando condições duras para fazer o RU pagar caro por sua decisão.
Por outro lado, há contradições dentro da própria classe dominante e da elite política conservadora. Dentro do próprio Reino Unido aumenta a insatisfação popular com o Brexit e suas possíveis consequências para a vida do povo. Pesquisas recentes indicam que a maioria reivindica um novo plebiscito para aprovar os termos finais do acordo de saída da UE.
O governo conservador da primeira ministra Teresa May fez vários acordos prévios com a UE, mas não conseguiu obter maioria nem no Parlamento e nem mesmo o consenso do seu partido.
Diante das derrotas, ela acabou renunciando; o Partido Conservador, que é maioria no Parlamento, fruto das eleições há três anos, elegeu o novo primeiro ministro Boris Johnson, que é o líder da ala mais à direita do partido e defensor de um Brexit mesmo sem acordo com a UE. Se esse tipo de ruptura ocorrer, deve se aprofundar ainda mais a crise política e econômica no RU na UE.
Fica claro, entretanto, que tanto ficar na Europa quanto sair são alternativas dentro do horizonte burguês. A continuidade na UE não elimina as políticas xenófobas e racistas que também estão na UE. Uma ruptura do Reino Unido ou de qualquer outro país da Europa poderia ser positiva, se não ocorresse tendo como base e objetivo principal colocar restrições racistas e xenófobas à imigração.
Essa situação tem gerado tanto um fortalecimento de movimentos sociais à esquerda, da luta dos trabalhadores e contra o racismo, como também abre a possibilidade de vitória de Jeremy Corbyn para Primeiro Ministro. Ele representa uma virada à esquerda do Partido Trabalhista, que saiu de uma linha claramente liberal para um programa mais próximo do trabalhismo reformista social democrata clássico. Corbyn chegou a aparecer na frente em pesquisas de intenção de voto, porém sua ambiguidade em relação ao Brexit tem criado incertezas. Um exemplo foi a vitória relativa de forças políticas mais à direita na recente eleição da bancada do RU para o Parlamento Europeu.
A crise mundial, o conservadorismo e a resistência popular
A crise mundial, desde 2008, tem gerado outras consequências, além do aguçamento dos conflitos interimperialistas, onde EUA e China ocupam as principais posições de polos opostos, porém dentro da mesma lógica geral do capitalismo no atual momento de sua fase imperialista.
Há também uma maior polarização política em muitos países, como resultado da disputa aberta entre as classes e frações de classe para o seu enfrentamento. Como já vimos em resoluções anteriores, o resultado tem sido um enfraquecimento de posições liberais clássicas e das tendências mais à direita da social democracia.
O Brasil, com nossas particularidades, se situa dentro desse quadro geral, tanto no que diz respeito à ofensiva conservadora e ultra liberal, como nas dificuldades de recuperação econômica dentro da crise mundial e dos conflitos interimperialistas.
Esse processo abre espaço, por um lado, para um reaparecimento com força de uma direita radical, que tem vários matizes, desde partidos que disputam dentro da institucionalidade até uma extrema direita com perfil mais claramente fascista ou neofascista, que aparece, com suas características particulares, em todos os continentes.
Por outro lado, abriu-se um processo de reconstrução de uma resistência popular mais à esquerda, combinado ou não com o reaparecimento de uma social democracia que resgata uma política mais à esquerda do social-liberalismo e uma maior combatividade econômica do sindicalismo clássico burocratizado.
A resposta a uma caracterização para a situação atual da luta de classes, entretanto, não pode ser resolvida com um discurso simplista, que tem sido praticado por setores da esquerda brasileira e mundial, de que estaríamos vivendo uma profunda defensiva diante de uma grande onda conservadora, fascista ou neofascista mundial generalizada. Tampouco há evidências de que o avanço da resistência ocorrido entre 2011 e 2014 tenha continuado com o mesmo vigor e, muito menos, que estivéssemos numa situação revolucionária ou a caminho dela.
Como temos dito, estamos vivendo um longo período de ofensiva do grande capital sobre os trabalhadores e os povos oprimidos e de resistência diante desses ataques. Neste período histórico, tanto o desenvolvimento da resistência na luta de classes (direta ou por via eleitoral), como a ofensiva da direita institucional ou extrainstitucional, golpista ou baseada em grupos milicianos ou paramilitares, com maior ou menor presença de grupos que possam ser chamados de fascistas ou neofascistas, tem variado.
Isso aparece não somente como manifestações nacionais como também em algumas organizações internacionais como a CPAC (Conferência de Ação Política Conservadora), originada nos EUA e que tem a participação da família Bolsonaro. Ou articulações da extrema-direita a partir de Steve Bannon ou redes de grupos mais assumidamente fascistas e neofascistas e a bancada conservadora multinacional no parlamento europeu.
Portanto, continuaremos vivenciando e participando de um contexto carregado de contradições e conflitos, no qual continuarão existindo tanto um processo de luta de classes e contra todo tipo de opressão, no cotidiano mais localizado ou setorial, como explosões de descontentamento e revolta popular (como os que têm ocorrido recentemente na Argélia e Sudão)[7]. Momentos que tanto podem contribuir com o avanço da consciência, organização de conquistas e acúmulo de forças do povo trabalhador e oprimido, como ser disputado e manipulado por uma direção ultraliberal, conservadora e de extrema-direita em geral.
Permanece, assim, mais atual que nunca a tarefa de transformar a classe trabalhadora numa classe consciente de sua situação social e de seus interesses de classe antagônicos à burguesia e com perspectiva própria de futuro socialista e revolucionário. Isso só será possível se, ao mesmo tempo em que travarmos cada luta contra a exploração econômica, as opressões culturais, a dominação política, a opressão e dependência nacional, e a destruição ambiental, também travarmos uma batalha pela conscientização política das trabalhadoras, trabalhadores e de todo o povo oprimido. Nessa jornada, cabe aos revolucionários construir as ferramentas sociais, culturais e político-partidárias necessárias à revolução socialista em cada país e, em nível internacional, articulações e fóruns que permitam interação, intercâmbio político e teórico e ações conjuntas.
Nossa luta é internacional!
Unidade do povo trabalhador para enfrentar a direita, o ultra-liberalismo, o conservadorismo e as vertentes neofascistas!
Fortalecer a Resistência Popular contra o capital, o imperialismo e todas as opressões!
Demarcar posições com o social-liberalismo e o reformismo conciliador de classes!
Construir uma alternativa verdadeiramente de esquerda no Brasil e no mundo!
Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!
Ousando Lutar, Venceremos!
Ação Popular Socialista, APS/PSOL
CNAPS, 23 a 25 de agosto de 2019
[1] Para uma análise mais abrangente e de período mais longo da crise mundial estrutural do capitalismo, do neoliberalismo, da financeirização e da crise ambiental, ver as Resoluções de Conjuntura Internacional do V ENAPS (Encontro Nacional da APS) em
Para uma análise abrangente de período mais recente, ver Resoluções do VII ENAPS em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/
[2] Além dessa resolução geral, a CNAPS aprovou duas outras resoluções específicas sobre os conflitos em Hong Kong (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/) e a situação política e eleitoral na Argentina. (https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/)
[3] Ver https://acaopopularsocialista.files.wordpress.com/2016/06/v-enaps-resoluc3a7c3b5es-finais-texto-unificado.pdf
[4] Ver https://acaopopularsocialista.com/2019/09/12/aps-psol-sobre-a-situacao-argentina/
[5] Ver https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/ e resolução sobre a Venezuela em https://acaopopularsocialista.com/2019/05/03/aps-psol-nao-ao-golpe-na-venezuela-eua-go-home/
[6] Sobre os conflitos em Hong Kong, ver resolução específica em https://acaopopularsocialista.com/2019/09/26/aps-sobre-os-conflitos-em-hong-kong/
[7] Ver resolução sobre isso em: https://acaopopularsocialista.com/2019/05/17/resolucoes-de-conjuntura-internacional-vii-enaps-aps-psol/
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