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Ao pretender acabar com o ensino de Sociologia e Filosofia, Bolsonaro e o ministro Weintraub querem o Brasil subalternizado e nossos jovens como mera força de trabalho para o mercado. Artigo de Zaira Valesca Fonseca*, a seguir.

 A educação para ricos e para pobres: o que está por trás do fim da formação em Filosofia e Sociologia

Na última sexta-feira (26) o Presidente Jair Bolsonaro em mais uma declaração em redes sociais afirmou que o Governo “estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)”. Para justificar essa posição afirmou o presidente que “A função do governo é respeitar o dinheiro do contribuinte, ensinando para os jovens a leitura, escrita e a fazer conta e depois um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família, que melhore a sociedade em sua volta”.

Podemos tratar a questão como mais uma posição extremada ou como parte da política do Presidente Jair Bolsonaro de fazer crer que as áreas de humanas estão “infestadas por ideologias” que não devem ser ensinadas em nenhuma instituição formativa, entenda-se por isso, as escolas e universidades.

Ainda que tivéssemos essa leitura da afirmação do presidente ela seria facilmente combatida, pois, revela falta de conhecimento do presidente sobre os diferentes pensamentos filosóficos e sociológicos que caracterizam a formação da cultura ocidental. Há muito tempo não se tem registros de formas únicas de pensar e refletir a realidade como insiste o presidente ao se referir ao ensino nas áreas de humanas. Geralmente faz esse tipo de afirmação para combater “os comunistas” ou o marxismo, como se este fosse a única concepção presente nas Ciências Humanas. Ao contrário, a Filosofia e Sociologia são ricas em vertentes de pensamento e concepções variadas, todas elas são necessárias para a compreensão da natureza e formação humana e das formações das diferentes sociedades. O presidente parece ignorar que inclusive o capitalismo, tão defendido por ele, é também justificado e explicado por ideias filosóficas e sociológicas. Concordar ou discordar desses pensamentos e se posicionar politicamente frente às diferentes ideias e concepções de mundo cabe a cada pessoa, individual ou coletivamente, em seu processo de formação.

Contudo, aqui ressaltarei o caráter de classe presente nesta afirmação. Desde que a educação institucionalizada (chamada de educação formal) se tornou a forma hegemônica de educar, a escola e as universidades possuíram em si um caráter de classe. Primeiro, a educação nem sempre foi direito de todos e todas, no passado somente os filhos das classes sociais mais abastadas tinham direito a frequentar escolas e universidades. Essa relação mudou quando também mudou o mundo do trabalho e as formas de produção. Em dado momento a escola passou a ser necessária para garantir o sistema produtivo e também passou a ser reivindicada pela classe trabalhadora. O direito à educação é, dessa forma, fruto de tensões entre as classes sociais.

A vinculação da educação ao mercado de trabalho, como faz o presidente, não é nova. A formação restrita a leitura, escrita e ao cálculo já era apregoada por Adam Smith (umas das principais referências do pensamento capitalista) no século XVIII. Para Smith o Estado deveria financiar a educação para a população que ainda poderia desenvolver sua capacidade produtiva, destacando-se como os “pontos essenciais” aqueles que facilitariam o processo de trabalho, como ler, escrever e calcular. Mas, somente esta. O domínio da ciência ficaria à classe dirigente, à burguesia.

O presidente não ignora o papel fundamental que as instituições educacionais desempenham na sociedade. Ele sabe que não se pode desprezar a função que a escola assume em meio à sociedade capitalista, ele sabe que sob o domínio da classe burguesa, a escola servirá de mediadora do processo de internalização de sua ideologia. Ele no fundo não é contra ideologias. Ele é contra ideologias que visam desmascarar a classe que ele representa.

 

Nesse caso, ele tem um projeto para a educação do país. O que o presidente não revela de pronto em seu discurso, é que seu interesse está voltado para um processo profundo de embrutecimento da classe trabalhadora, com a redução da função social da escola e das universidades. O projeto que ele visa pôr em prática nada mais é que a redução de investimentos em educação, da redução da possibilidade de acesso à classe trabalhadora ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade; e da redução da capacidade da escola formar criticamente os sujeitos tornando-os capazes de intervir na realidade social e não apenas aceitar sua condição como se esta fosse fruto do destino ou do acaso.

O que pode ensinar a filosofia e sociologia são princípios fundamentais do pensamento científico que a humanidade produziu e que o presidente deseja negar ao povo brasileiro. O presidente Jair Bolsonaro considera descartáveis a história da humanidade e os pensamentos que ela produziu. Pretende, com isso, deixar o povo brasileiro ignorante e subalterno.

O presidente esconde em sua declaração que o desemprego não é um problema da escola ou das universidades, ou da Filosofia e Sociologia, ele não se preocupa em informar que o desemprego é estrutural e planejado para existir a fim de reduzir e manter baixos o salário médio dos trabalhadores, em especial, os de países mais pobres. Poderia ter aproveitado o momento para expor como pretende desenvolver políticas de geração de emprego e renda ao invés de anunciar mais redução na área educacional.

O presidente, municiado por seu Ministro da Educação, desconsidera a profissão docente, principal exercício profissional da Filosofia e Sociologia, como também uma profissão que precisa de respeito e valorização e que é fonte de renda para milhares de famílias no país. Afinal, ter professores ou professoras formadas e educando nas escolas não é necessário para melhorar o país?

Faz discurso de necessidade de “retorno ao contribuinte”, porém, reduz as políticas sociais, desenvolvidas em sua maioria por profissionais das áreas de humanas, cortando recursos da educação, saúde, assistência social, acabando com políticas de habitação e moradia, políticas que deveriam ser garantidas pelo poder público com o recurso dos impostos pagos pelos contribuintes, os quais na sua maioria não podem pagar por elas.

O presidente e seu ministro desconsideram a necessidade da formação filosófica e sociológica para as diferentes profissões, principalmente, aquelas que estarão no seu cotidiano lidando com pessoas. Pretende negar a formação dos valores éticos, morais e políticos desumanizando o atendimento nas áreas da saúde e demais áreas sociais.

O que o presidente não revela é que sua política educacional atende aos ditames de instituições como o Banco Mundial, que visam manter nosso país subalternizado aos países desenvolvidos. E que submete a formação humana de nossas crianças e jovens à mera formação como força de trabalho para o mercado.

Não há, na perspectiva educacional demonstrada pelo presidente, nenhuma intenção em desenvolver políticas educacionais que visem à formação humana integral da população que acessa a escola pública, com vistas à formação ampla intelectual, científica, crítica, criativa, com valores morais e éticos com vistas à formação para solidariedade, o que contribuiria para o respeito à diversidade étnica e racial, de gênero e orientação sexual. A formação almejada pelo presidente às classes populares é de formação para adaptação à lógica produtiva do capital em que cabe à classe trabalhadora a capacidade adaptativa de se submeter aos processos de exploração do capital e jamais questioná-lo.

Ao contrário do que afirmou sobre esses cursos, das áreas de humanas, serem frequentados por pessoas ricas, o que está por trás do anúncio do presidente e do Ministro da Educação é seu projeto dualista de educação. Isto é, uma educação para a classe trabalhadora rebaixada e esvaziada de conhecimento e uma educação para as elites com todo acesso possível ao conhecimento e capaz de formar para direção política da sociedade.

Por fim, os argumentos apresentados pelo presidente e seu ministro para a redução dos investimentos na formação em Sociologia e Filosofia são a representação do mais perverso pensamento ideológico burguês contra a classe trabalhadora: deixá-la incapaz de perceber a dominação das elites econômicas sobre ela.

Belém, 29 de abril de 2019.

Zaira Valeska Dantas da Fonseca*

*Professora da UEPA, Doutora em Educação, militante da Ação Popular Socialista, Coordenadora Geral da Seção Sindical dos Docentes da UEPA/ANDES.

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