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A “confusão” responsável pelos 80 tiros de militares que mataram Evaldo Santos e Luciano Macedo só é possível no Brasil que se nega a assumir o racismo estrutural, manifestado preferencialmente nas periferias. Artigo de Virgílio Sena*, veja a seguir.

 

80 Disparos de Racismo

A morte de Evaldo Santos, sambista carioca que estava a caminho de um chá de fraldas e do reciclador, Luciano Macedo que socorreu Evaldo, expõe a violência do Estado brasileiro e da Intervenção Militar contra a população do Rio de Janeiro. O carro em que o músico estava com a família foi atingido por mais de 80 tiros disparados por uma guarnição do Exército.

Os militares teriam confundido a família com criminosos que pouco antes haviam disparado contra a tropa. Evaldo era negro, sua família também. A “confusão” responsável por 80 tiros só é possível no Brasil que se nega a assumir o racismo estrutural, manifestado preferencialmente nas periferias, território que mantem a exceção que define quem vive e quem vira alvo.

Quando em 2017 o governo Temer aprovou no congresso o projeto de lei que garantiu a Justiça Militar como a instância para julgamento dos crimes cometidos por militares contra civis durante a Intervenção na capital fluminense, validou ações como a da sinistra tarde de 07 de abril. Agora, Bolsonaro pretende aprofundar o modelo imposto no governo anterior, ampliando a institucionalização da violência com a aprovação do pacote anticrime defendido por Sérgio Moro que prevê, entre outras coisas, legitimar as mortes praticadas por policiais através da alegação de escusável medo e legitima defesa.

Sob o discurso do combate ao crime organizado e o tráfico de drogas, Wintzel, governador do Rio de Janeiro, antecipou a aplicação do pacote usando atiradores de elite nas favelas cariocas, numa espécie de cheque em branco a policiais treinados para matar. Em nome da “justiça” e da guerra às drogas, jovens morrem todos os dias sem direito a defesa, condenados sumaria e publicamente.

Aqui, na contramão do avanço mundial da legalização das drogas e diminuição da população carcerária, o governo federal espera aprovar alterações ao texto da Política Nacional sobre Drogas que tornam ainda mais duras a punição aos usuários e aumenta o risco dos que vivem na exceção.

A guerra às drogas há anos serve de justificativa para a ocupação e combate em territórios marcados pela profunda desigualdade econômica e social. Não interessa discutir o fracasso de uma política que nos colocou no topo do ranking de mortes e entre os países que mais prendem e encarceram jovens no mundo, se tudo isso continuar alimentando a ganância dos que elegem o medo como empreendimento financeiro.

Segundo dados do Atlas da Violência 2018 – IPEA, ocorreram mais 60 mil homicídios no Brasil no ano passado, as vítimas, em sua maioria, são negros e pobres que vivem, muitas vezes, em locais em que o Estado só aparece simbolizado pelo fuzil das forças de repressão. Ainda segundo o documento, a taxa de homicídios de negros aumentou mais de 20% na última década, soma-se ainda o fato de que a população carcerária, segundo levantamento do Ministério da Justiça, mais que dobrou na última década, sendo que 40% dos presos não foram nem sequer a julgamento.

Nesse roteiro do horror, a aprovação do posse de armas vai fragilizar ainda mais a condição dos que vivem a realidade das zonas de medo. Para o atual governo, marcado pela criminalização dos ativistas e o movimento social, não basta apenas ser hostil aos defensores de Direitos Humanos, ambientalistas, LGBTQI, mulheres e trabalhadores sem-terra, é imperativo ampliar as condições do modelo de segurança pública fundamentado no genocídio e aprisionamento em massa dos que vivem na exceção social, vítimas de um sistema que transforma tudo em negócio, inclusive a vida.

A perspectiva no curto prazo aponta na direção de um reforço da coerção em um governo íntimo de milicianos, adorador de torturadores, defensor da ditadura e que deseja limitar as possibilidades de atuação política alterando a legislação para cada vez mais criminalizar ativistas e o movimento social.

Assim, a morte de Evaldo e Luciano são a personificação de um projeto de sociedade baseado na matança indiscriminada e no silenciamento das vozes que se levantam contra a opressão e a dominação política. Será preciso enfrentar o medo e a incerteza para não sucumbir ao terror, caso contrário, assistiremos a passagem do projeto ultraconservador, liderado pelo adorador da barbárie que trata como incidente 80 tiros disparados contra uma família brasileira.

*Virgílio Sena é professor, mestre em história, militante da APS-PSOL e do Coletivo Educar na Luta.

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