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As UEBAs estão em Greve contra o arrocho do governo estadual. Problemas conjunturais se articulam com estruturais. Vejam artigo de Kyrlian Lima, da UEFS e do Pajeú Bahia.

Para uma avaliação estrutural do ensino superior baiano

A universidade baiana ir mal em suas condições de existência é consenso no imaginário popular, o problema se encontra quando paramos pra tentar resgatar na memória quando ela foi bem. As dificuldades enfrentadas pelas universidades estaduais baianas não necessariamente resultam dos efeitos da conjuntura, da crise de 2008 ou do programa neoliberal orientado pelo Banco Mundial na América Latina, mas são condições estruturais de sua existência, da universidade brasileira, e da ciência e tecnologia latino-americana.

A universidade estadual baiana surge no seio de contradições entre os setores da classe dominante e sua elite intelectual política dentro do partido da Ditadura, Arena. A doutrina que orientava o “projeto de interiorização da educação no estado da Bahia”, que partia do BM, era a do capital humano, ou seja, a formação de uma classe trabalhadora mais dócil e produtiva, para isso, atendimento básico de saúde e educação básica eram necessárias para alcançar esse objetivo, logo, a UEFS, por exemplo, surge no intuito de formar professoras/es de primeiras letras e pedagogas/os para fomentar a criação de escolas no interior do estado, que deveriam formar essa classe para o trabalho. Vale ressaltar que essa fração da classe política acreditava ter o poder de orientar a burguesia local para um projeto de modernização que romperia com o clientelismo e o poder oligárquico no estado, em outras palavras, uma fração que disputava o governo e pensava disputar os rumos da sociedade baiana sem disputar o poder, o que resulta em contradições na constituição e formação dessa universidade, ainda mais quando se adiciona a essa equação a resistência e disputa dos movimentos estudantis, sociais, negro, indígenas, do campo, etc.

Aliado a este fator se encontra a condição de dependência histórico-estrutural do país e do estado da Bahia. Apesar de tentativas desenvolvimentistas, a regra no Brasil e no estado é a condição de dependência econômica, cultural e tecnológica, intensificada pelo regime de dominação financeira. Em poucas palavras, o país se insere na economia mundial com a exportação de comoditties de baixo valor agregado e regime de produtividade baixo, enquanto importa a maioria dos bens de consumo e industrial de base do exterior, conformando uma condição dependente que transfere valor para o exterior às custas das e dos que vivem do trabalho, porque enquanto isso a burguesia, para não ser onerada por esse sistema que lhe é conveniente, superexplora nosso trabalho e empurra nossos salários para baixo, as reformas trabalhista e da previdência evidenciam esse processo.

Se o Brasil está na periferia do sistema capitalista, a Bahia está na periferia da periferia. A relação de exploração centro-periferia não se reproduz apenas no âmbito de estados nacionais, mas até dentro de um mesmo estado nação. O desenvolvimento desigual interno no país, intensificado pelo projeto desenvolvimentista getulista que contou com a contradição de se aliar à oligarquia primário exportadora baiana para derrotar a oligarquia primário exportadora de São Paulo, o estado eleito centro dinâmico da economia do país às custas dos superávits baianos e de outros estados. Como legado, a excelência da produção de conhecimento e tecnologia ficou por lá e não aqui, exemplo disso, em 2010, dos 4,5 bilhões investidos em ciência e tecnologia, 3,9 se concentravam no estado de São Paulo (86%) e 4,1 na região Sudeste, enquanto em toda região Nordeste foram gastos 149 milhões, curiosamente. Segundo Diógenes Moura Breda, curiosamente, também 86% do investimento em Ciência e Tecnologia no mundo se concentram em 6 países, o Brasil, obviamente não é um deles, também se assemelha à condição nacional em relação ao mundo, a condição do estado baiano frente ao país, onde se encontra como uma das economias mais fortes, mas os índices de desenvolvimento humano mais precários.

Se o estado se caracteriza pela superexploração do trabalho e pela economia primário-exportadora, isso vai resultar de um lado, em um Estado subfinanciado – já que sua sustentação recai, primordialmente, sobre a classe trabalhadora que por sua vez tem rendas relativamente baixas – onerado pelo regime de acumulação financeira assentado sobre uma exploração de mais-valia absoluta com poucos expedientes de extração relativa, ou, incentivo à produtividade, que vai prestar serviços sociais básicos de forma precarizada, como a própria universidade, e intensificar conflitos sociais que são resolvidos, na lógica do Estado capitalista, com o encarceramento e extermínio.

A universidade é o espaço por excelência da produção de conhecimento e ciência e tecnologia, no entanto, esse papel fundamental esbarra nas condições de trabalho, estudo, permanência e incentivo delimitados, fundamentalmente, pelo orçamento previsto para execução de suas atividades. Um aprendizado natural do movimento estudantil universitário é que as dificuldades enfrentadas no espaço acadêmico não são resolvidas nele e representam interesses mais profundos e complexos que nos colocam a necessidade de enfrentamento ao Estado Burguês, não só por reformas mas por modelo de desenvolvimento econômico e organização político-econômica-social.

Compreender esses desafios e organizar a luta requer a compreensão dos governos, do Estado, da tradição e forma de dominação das elites locais, do racismo estrutural como constitutivo do sistema capitalista e sua implicação na condição dependente, em outras palavras, a luta em defesa da educação precisa estar articulada com uma luta por outra sociedade, pelo socialismo, porque, por maiores que sejam nossas conquistas, não é o capital que vai fornecer a educação que a gente quer, e nem começamos a falar dela.

 

É grave, é greve!

Foi com imaginação que nosso povo tornou o que era impossível possível e chegamos até aqui. Diante da condição estrutural de subfinanciamento da educação, no início deste mês de abril, professoras/es e estudantes se colocam para a luta contra a precarização da universidade pública na Bahia, com greve das 4 universidades estaduais baianas. Os contingenciamentos de gastos, de um orçamento já baixo aprovado em Lei Orçamentária Anual, são expressões de um projeto que há muito se arrasta no Brasil de sucatear e privatizar o ensino superior. Segundo Ruy Mauro Marini, em 64, no início da Ditadura Militar, as universidades públicas eram 62% das universidades brasileiras, após anos do regime, em 76, as Universidades Públicas já eram apenas 26% das Universidades brasileiras, hoje 87,7% das instituições de ensino superior são privadas e apenas cerca de 25% das matrículas estão em universidades públicas, enquanto o capital se apropria progressivamente do conhecimento e da ciência brasileira.

A greve é uma necessidade imposta pelos cortes de uma universidade que já não se sustenta, já nem ousa, e hoje cerra os punhos para defender as conquistas de lutas passadas. Ano passado, em carta aberta, a UEFS acusou a acertada previsão de não recebimento de cerca de 21 milhões de reais de um orçamento de aproximadamente 73 milhões, a UNEB afirmou não ter recebido até maio nem metade do orçamento previsto, professoras e servidoras técnicas das UEBAS amargam perdas salariais desde 2015, enquanto o governo Rui Costa desvia o nosso dinheiro para a apresentação de miragens em suas propagandas.

A luta da educação superior baiana se insere numa extensa frente de resistência ao avanço da extrema direita, das políticas de ajuste fiscal e ataques aos direitos e serviços sociais, mas se hoje a luta é por melhores condições de estudo e trabalho e manter e defender direitos conquistados que vem sendo atacados, essa luta deve manter e acumular forças para um horizonte socialista, pois enquanto as riquezas e meios de produção estiverem nas mãos de uns e não de todas, essas e outras contradições perpetuarão, ciência e conhecimento gratuito e de qualidade são incompatíveis com a ordem sociometabólica do capital, cabe a nós fazer possível o impossível!

Veja mais sobre o movimento de juventude Pajeú: https://www.facebook.com/pajeubahia/photos/a.701406616671231/1702249679920248/?type=3&theater

 

* Kyrlian é militante do Pajeú do sertão baiano, Feira de Santana, estudante de letras da Universidade Estadual de Feira de Santana.

#ResistênciaEmMovimento

#NegociaRui

#EmDefesaDasUEBAS

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