“O que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O IBAMA é um órgão do Governo, parecendo que é um órgão contra o Governo”
A fala do presidente do Brasil, em entrevista à Rádio Diário FM, de Macapá (AP) sobre o processo de avaliação para liberação de pesquisa para exploração de petróleo no Amapá, próximo à foz do Rio Amazonas, foi repercutida ampla e internacionalmente. A autorização pode ter efeito cascata na liberação para blocos por toda a margem equatorial, inclusive no Pará, que deve sediar a 30ª Conferência das Partes do Clima (COP30), prevista para ser realizada em Belém. Em uma entrevista no Amapá, o presidente também confundiu o estado com o Pará ao se referir à COP30.
Essa confusão em relação aos estados, que mais parece um ato falho, deixa explícito que a Amazônia e os estados do Norte figuram apenas como uma grande reserva de recursos naturais, especificidades? Para quê? A população? Sim, é lembrada apenas ao se destacar a pobreza e a desigualdade, para as quais as soluções continuariam sendo a implantação dos megaprojetos desenvolvimentistas que impactam os territórios e os modos de vida, transformando-os em zonas de sacrifício, mas é preciso garantir o progresso do país. O Pará da COP30, está entre os líderes na exportação de commodities minerais (1), no desmatamento e degradação ambiental (2) e nos conflitos e mortes no campo (3), enquanto ostenta o 5º pior IDH do Brasil (4).
A primeira conferência internacional para discutir o impacto das atividades humanas no meio ambiente ocorreu em 1972, em Estocolmo. Nesse evento os países capitalistas reconheceram que suas atividades estavam impactando o ambiente e era necessário buscar um “Desenvolvimento Sustentável”. As Conferências das Partes (COPs), por sua vez, surgiram em 1992 na Cúpula da Terra realizada no Rio de Janeiro para tratar do desenvolvimento sustentável, vinte anos após o conceito ter sido elaborado. Ao todo, são mais de cinquenta anos nos quais o Capitalismo vem falhando em remendar a fenda metabólica socioambiental, aprofundada pela exploração de recursos finitos para obtenção de lucros infinitos, deixando no lugar os efeitos do racismo ambiental e suas zonas de sacrifício. Enquanto isso, amplificam-se as desigualdades socioeconômicas e socioambientais por todo o globo, tornando urgente e necessário reafirmar que não existe desenvolvimento sustentável no Capitalismo. Em 1992, também se construiu pela primeira vez um espaço alternativo às Conferências das Partes, mobilizada por movimentos e organizações da sociedade civil, a Cúpula dos Povos, “se ergue como um grito de resistência, um eco das vozes silenciadas pela desigualdade.” (5).
As COPs discutem e definem as diretrizes para efetivação das convenções-quadro da ONU, tratados que versam sobre problemas que demandam enfrentamento em articulação internacional, sendo de três tipos: a do Clima, a da Biodiversidade e a da Desertificação. Os documentos desses encontros devem refletir estratégias para tratar esses problemas. A COP do Clima se popularizou não apenas pela magnitude do problema, como também pela possibilidade de se lucrar com uma transição energética “limpa”, que na maioria das vezes nada tem de justa ou sustentável. As Conferências do Clima tem se tornado vitrine de falsas soluções, e até mesmo, espaço de propaganda para a manutenção da exploração de combustíveis fósseis, como aconteceu na COP29 (6). É fundamental para o sistema capitalista que a “Crise Climática” continue sendo vista como “crise”, tal qual as crises sistêmicas do Capital, que poderia ser contornada por esforços humanos. Sistemas naturais têm sua própria dinâmica de equilíbrio, nossa espécie com sua arrogância segue com a ilusão de controle. Assim, caminhamos a passos largos para o colapso ambiental de diversos ecossistemas.
Nesse negacionismo “sutil”, 2024 se tornou o ano mais quente da história (7), coroado com um aumento das emissões de gases do efeito estufa (8). Estamos em Emergência Climática. E o que isso significa? Que estamos arriscando a manutenção das condições de vida no planeta. Apesar das secas, enchentes, epidemias, não estamos conseguindo explicitar o tamanho do problema. O declínio da biodiversidade e seus desequilíbrios – que podem ter efeitos dramáticos como a escassez de alimentos e a expansão de doenças a níveis globais, como novas pandemias – segue sem grandes debates, no país e no mundo. No Brasil, os incentivos ao agronegócio crescem e a intensa liberação de agrotóxicos leva à mesa da população comida envenenada – enquanto a iniciativa privada espreita o Sistema Único de Saúde (SUS) – o que é de deixar sem dormir quem tem olhos mais atentos. Pesquisas com participação de entidades importantes, como a FIOCRUZ, alertam para os efeitos negativos da conversão de grandes áreas de floresta, na saúde da população amazônida (9) e são ignoradas, tanto quanto têm sido as pesquisas sobre a síndrome das turbinas derivada da implantação de Parques Eólicos (10). Apesar de tudo isso, a insustentabilidade do capitalismo é muito mais enfatizada por setores pouco organizados politicamente, que pelas esquerdas.
Há uma dissonância em relação à materialidade e as ações e posições políticas que se observam em parte da esquerda. Em 2023, havia um receio em afirmar que o Governo Lula 3.0 estava inclinado a manter o investimento em combustíveis fósseis, afinal, a crítica ao negacionismo científico do governo anterior, tinha dado o tom da sua Campanha. Na época, o Brasil pleiteava sediar a COP30, confirmação dada em novembro daquele ano. Na época, o giro que se viu nos discursos dos governos, federal e estadual (PA) – mais verdes do que nunca – foi evidente. Porém, a menos de oito meses da COP30, vemos as máscaras caírem. Não com surpresa.
A fala de Marina Silva ressaltando que a COP30 deve ser um “evento sóbrio” contrasta com os empolgados anúncios de shows internacionais feitos pelo Governo do Pará, recentemente denunciado na ONU por atacar direitos dos povos indígenas à educação. A lei 10.820/24 fez uma deforma na educação paraense, desarticulando programas de ensino, desmontando a carreira docente e abrindo espaço para o ensino à distância, sendo aprovada com tramitação em tempo recorde enquanto professores eram vítimas de violência policial. O Governador viu a maior resistência às suas políticas nefastas, se construindo pela união de servidores da educação em greve com povos tradicionais, indígenas e quilombolas, que ocuparam por 30 dias a Secretaria de Educação do Estado. A mobilização repercutiu internacionalmente, furou bolhas e enfrentou as estruturas da mídia tradicional, com comunicação popular e independente. Floresceu com a solidariedade de classe e entre povos usando táticas combinadas de resistência na rua, nas redes e na institucionalidade. Por isso, a realização da COP30 foi diretamente ameaçada. Mesmo com fake news, medidas na justiça estadual, instrumentalização da grande imprensa local, e tentativa de divisão dos movimentos, houve triunfo em relação à revogação. A mobilização histórica uniu a militância dos diversos campos do PSOL em torno de um objetivo coletivo, ao lado dos movimentos sociais, dos trabalhadores e dos povos e comunidades tradicionais oprimidos pelo estado ecocapitalista. Esse é o lugar do PSOL.
É uma urgência de nosso tempo que se reconheça e assuma a responsabilidade de fornecer uma estratégia de sobrevivência à população brasileira, um projeto anticapitalista e nossas alianças deveriam ser estabelecidas com aqueles e aquelas que historicamente resistem a uma exploração predatória da natureza. Não deveriam ser permitidas entre nós, ilusões com espaços de decisão da burguesia como são as COPs, que embora tenham construído um sólido arcabouço técnico-científico pouco ou nada tem conseguido implementar politicamente e alimentar isso é mais que um erro, é uma negligência. Apesar disso, há um indicativo da participação do PSOL em espaços da COP30. A quem serve alimentar essa ilusão? Qual o projeto?
Há nesse momento, inclusive, a ameaça de movimentos sociais de não construírem espaços que sirvam apenas para ratificar posições e projetos governistas que arrisquem a sobrevivência e a soberania da população e dos povos em seus territórios, ainda que dentro da Cúpula dos Povos. Ao lado de quem estaremos? Das empresas ecocapitalistas? Disputando o quê? A consciência ambiental daqueles que infligem dor e destruição sobre nossos povos e territórios?
Os projetos como a exploração de petróleo na Margem Equatorial e a Ferrogrão repetem os descasos com impactos socioambientais para a população Amazônida, como foram os das grandes hidrelétricas. Nesse sentido, como é possível normalizar a participação em espaços da COP30? Será que se conseguíssemos um espaço no Fórum de Davos, faria diferença? É importante que o resto do Brasil e do mundo saibam, que os povos da Amazônia não aceitarão mais a tutela estrangeira na discussão do que impacta diretamente territórios, maretórios e os modos de vida da população. A COP30 já começou.
Eline Garcia, Bióloga, Educadora Popular e Militante da APS/PA
- https://www.fapespa.pa.gov.br/2024/10/08/setor-mineral-paraense-ultrapassa-marca-de-300-milhoes-de-toneladas-produzidas-aponta-fapespa/
- https://imazon.org.br/imprensa/amazonia-fecha-2024-com-queda-de-7-no-desmatamento-mas-alta-de-497-na-degradacao/
- https://www.brasildefato.com.br/2024/05/10/amazonia-concentra-metade-dos-conflitos-no-campo-registrados-em-2023-aponta-cpt/
- https://www.poder360.com.br/brasil/sede-da-cupula-da-amazonia-tem-56a-renda-per-capita-do-brasil/#:~:text=renda%20m%C3%A9dia%20das%20unidades%20federativas%20do%20Brasil&text=O%20IDH%20(%C3%8Dndice%20de%20Desenvolvimento,com%200%2C690%2C%20segundo%20o%20IBGE.
- https://cupuladospovoscop30.org/
- https://oeco.org.br/colunas/a-necessidade-de-reforma-das-conferencias-climaticas-da-onu/
- https://brasil.un.org/pt-br/287173-onu-confirma-2024-como-o-ano-mais-quente-j%C3%A1-registrado-com-cerca-de-155%C2%B0c-acima-dos-n%C3%ADveis
- https://www.google.com/amp/s/g1.globo.com/google/amp/meio-ambiente/noticia/2024/10/28/onu-gases-de-efeito-estufa-atingem-recorde-mais-uma-vez.ghtml
- http://www.obt.inpe.br/OBT/noticias-obt-inpe/artigo-no-frontiers-of-public-health-correlaciona-epidemiologia-biodiversidade-e-economia-na-amazonia
- https://portal.fiocruz.br/noticia/2025/01/pesquisadores-analisam-impactos-da-sindrome-da-turbina-eolica