Resolução da reunião da CNAPS de 7 de fevereiro de 2025
- O dia 4 de fevereiro de 2025 vai ficar marcado na História como um de seus momentos mais atrozes. Foi quando Donald Trump teve a desfaçatez de anunciar que tem um plano para fazer limpeza étnica em Gaza e tomar posse da estreita faixa de território dos palestinos à beira do mar Mediterrâneo para construir um tipo de “Riviera” recreativa – em síntese, um crime contra a humanidade. Cerca de 2.300.000 palestinos seriam forçados a se deslocar para não se sabe onde. Deveriam abandonar sua terra devastada pela guerra e encharcada do sangue de cerca 48 mil mortos somente no último e recente massacre; a terra pela qual tanto têm lutado desde 1948, o grande Nakba, quando foram expropriados e forçados ao deslocamento para a fundação de Israel. O plano de Trump apresentado a Netanyahu seria o remate do genocídio sistemático, planejado e histórico do povo de palestino, que subjaz à estrutura do estado sionista, apoiado pelos interesses do imperialismo estadunidense.
- Como Trump já se notabilizou pelas bravatas e ameaças que desfere continuadamente, seus próprios assessores trataram de minimizar a declaração. Mas aquela era a terceira vez que ele lançava sua “ideia para acabar de vez com a guerra”. Dessa vez, foi apresentada como um plano de governo, diante justamente da autoridade máxima do estado sionista, que vem cometendo a matança em Gaza e a ampliação da colonização na Cisjordânia com o objetivo último de tomar toda a terra dos palestinos por um suposto “destino bíblico”. Assim, seria reduzido o desgaste na opinião pública que um genocídio sistemático, por etapas ao longo do tempo, vem trazendo para Israel, os EUA e seus aliados. Com essa proposta, Trump reafirma seu apoio incondicional a Israel, sua ponta-de-lança para o controle imperialista do Oriente Médio, referendando o propósito fundador do estado sionista de tomar todo o território, do rio Jordão ao mar.
- Em seguida, Trump iniciou conversas com o Rei Abdullah II, da Jordânia (onde já estão mais de dois milhões de refugiados palestinos de etapas anteriores do genocídio sistemático), e na sequência uma constrangedora visita de Adbullah aos EUA para ser pressionado ao vivo. Trump também teria iniciado tratativa com o ditador Adbul Fatah Khalil al-Sissi, do Egito, país que, como a Jordânia, depende da ajuda financeira e militar dos EUA e onde também estão outras centenas de milhares de palestinos em campos de refugiados, sem qualquer direito de cidadania. Ambos os governantes rechaçaram em comunicado essa proposta, reafirmando o apoio à fundação de um Estado palestino. A Liga Árabe, em reação, emitiu um comunicado em que ressalta o caráter de limpeza étnica do plano, o que é crime contra a humanidade segundo as leis internacionais. Após uma reunião, elaborou um plano alternativo de reconstrução de Gaza liderado pelo Egito e apoiado por todos os países que a compõem, mas que foi prontamente rejeitado por Israel, que declarou apoiar a proposta de Trump.
- Mesmo que no momento essa criminosa proposta seja inviável, ela já fez seu estrago, acenando com um plano de expropriação e deslocamento forçado de um povo que mesmo a extrema-direita de Israel não ousara declarar publicamente, ainda que tenha esse objetivo. E gera consequência pior: abre precedente para que se enunciem abertamente outros projetos de limpeza étnica, naturalizando um crime contra a humanidade. Vai contra a tradição da diplomacia estadunidense de defender como proposta de paz a solução de dois Estados, Palestina e Israel. Essa posição oficial é também a da maioria da comunidade internacional, inclusive do Brasil, Europa, Rússia e China – mas não avança concretamente.
- O ignominioso plano de Trump foi imediatamente rechaçado na mídia por diversas lideranças do mundo inteiro, inclusive aliados dos EUA, como um acinte às leis internacionais, aos Direitos Humanos e a qualquer plano de coexistência pacífica que possa haver no Oriente Médio. Existe forte pressão popular pró-Palestina nos países árabes, especialmente na Jordânia e no Egito, países já tensionados internamente pela quantidade de refugiados palestinos que abrigam. Além disso, devem ser consideradas as ligações do Hamas com grupos de resistência da vertente sunita que existem em vários desses países, e que poderiam construir luta em reação a mais esse episódio do genocídio sistemático e planejado do povo palestino. O maior temor dos governantes da Liga Árabe é a disseminação de lutas de resistência que possam ameaçar seu poder. Não há paz possível nem para Israel, nem para os palestinos, nem para toda a região diante de propostas desse tipo, lançadas pela arrogância imperial de quem faz tábula rasa de toda a história de luta e resistência de um povo. Essa história não acaba assim.
- Teve início em 19 de janeiro novo intervalo no genocídio sistemático, planejado e histórico perpetrado pelo Estado sionista contra os palestinos: o acordo provisório de cessar-fogo na Faixa de Gaza, em três etapas, firmado por Israel e Hamas, mediado por Qatar, Egito e EUA e somente fechado após pressão decisiva do representante de Donald Trump sobre Netanyahu. É o mesmo acordo oferecido em maio de 2024 que já tinha tido anuência do Hamas, mas Israel não fechava porque não admitia frear a matança em Gaza enquanto não exterminasse todo o Hamas, não importando se para isso tivesse que exterminar todos os habitantes sitiados naquela estreita faixa de terra. Além disso, o que sustenta Netanyahu no poder é a manutenção de guerra permanente, como querem os integrantes da extrema-direita em seu gabinete. Neste momento o acordo está sob risco por seguidas violações por parte das tropas de Israel, que seguem no corredor próximo ao Egito. O Hamas denuncia que não está entrando a ajuda humanitária acordada, nem barracas de campanha, material de demolição e construção provisória. Ademais, as ameaças de Trump de tomar toda a terra têm tensionado os negociadores responsáveis pelo cumprimento do acordo.
- As negociações para a segunda fase do acordo, quando seriam libertados os últimos reféns vivos, devolvidos os corpos dos que morreram e as tropas de Israel deveriam deixar Gaza, localizando-se somente no seu entorno, enfrentam um impasse. Segundo várias fontes, Israel não teria sequer a intenção de chegar a essa fase. Muito menos avançaria para negociar a terceira fase, que seria o fim da guerra, a reconstrução de Gaza e a normalização da vida naquele território. Diante do apoio incondicional de Trump, Israel dá sinais de que retomaria a matança logo que tiver recuperado todos os reféns. A “Riviera em Gaza” parece ser somente uma criminosa distração para ocultar o verdadeiro intento, que é a sequência do genocídio até a solução final.
- Nenhuma referência punitiva esse acordo faz à Israel pelas 48.222 mortes registradas (Segundo o Ministério da Saúde da administração do Hamas) dos habitantes de Gaza devidas diretamente aos ataques. Além das mortes diretas confirmadas, há milhares de outras por ferimentos decorrentes dos ataques, por fome ou agravamento de doenças sem tratamento, além das mortes não contabilizadas de famílias inteiras em desabamentos provocados pelos bombardeios, que fariam o total de mortes chegar a 61.709, se forem incluídas as pessoas desaparecidas e presumidamente mortas. Em suma, trata-se de um genocídio amplamente documentado. Para boa parte da comunidade internacional, porém, a matança em Gaza é justificada como direito de defesa e equiparada desproporcionalmente ao ataque do Hamas à Israel em 7 de outubro, que resultou em 251 reféns e cerca de 1200 mortos no território de Israel – uma parte deles atingidos pela própria artilharia de israelense em reação à ação do Hamas, como denunciou um jornal de Tel Aviv, Haaretz – o chamado “protocolo Hannibal”, para evitar sequestro de seus soldados.
- Milhares de pessoas em todo o mundo desafiaram as acusações de “antissemitismo” desferidas aos apoiadores dos palestinos e tomaram as ruas para protestar contra o genocídio em Gaza, inclusive nos EUA, onde a juventude organizou protestos em diversas universidades. O Tribunal Penal Internacional declarou ordem de prisão contra Netanyahu e outros membros de seu gabinete por crimes de guerra. Nada disso abalou a continuidade do massacre, nem o apoio incondicional do governo Biden. Durante toda a lenta negociação, não se demonstrou preocupação com as milhares de mortes de crianças e mulheres que seguiam acontecendo diariamente, nem mesmo com as condições de sobrevivência dos reféns israelenses ainda vivos, sendo que alguns deles morreram em função dos bombardeios. Nada era capaz de mover os supostos negociadores de Israel em direção a um acordo duradouro de paz que fizesse cessar em definitivo o genocídio sistemático, planejado e histórico a partir do reconhecimento do direito dos palestinos a um estado soberano.
- Na verdade, essas concessões para uma paz duradoura sequer estavam sendo consideradas ou cogitadas. O que se negociava ali em Doha, com os dois lados em andares diferentes do edifício, era um cessar-fogo provisório de três etapas – na primeira, 38 reféns divididos em grupos, além de 8 corpos, foram trocados por 1737 prisioneiros palestinos, incluindo 120 mulheres e crianças. Na segunda fase seriam 56 novas libertações, incluindo os corpos de reféns já mortos, trocados por cerca de mil palestinos, devendo ser precedidas pela saída das forças de Israel de dentro do território. Durante a primeira fase, as tropas israelenses mantiveram-se localizadas em Gaza, no chamado corredor Filadélfia, próximo à fronteira com o Egito.
- Aí está o impasse, pois Israel não se dispõe a cumprir o acordo de saída de Gaza, exigindo a prorrogação da primeira fase, com a libertação de mais reféns e prisioneiros, e assim os palestinos não teriam mais moeda de troca para cobrar o cumprimento integral do acordo. Ao término das duas fases seria o fim da atual guerra, com a reconstrução de Gaza na terceira fase. Netanyahu afirmou, em discurso em que tentava justificar o acordo tantas vezes negado, que Israel se reserva o direito, ratificado pelos EUA, de retomar os ataques a Gaza a qualquer tempo, caso avaliasse que suas condições não estariam sendo cumpridas – mas vai mudando as exigências para evitar retirar suas tropas de Gaza, deixando claro que nunca pretendeu chegar à fase final. O bloqueio total da entrada de ajuda humanitária, disseminando a fome entre os palestinos – mais um crime de guerra – está entre suas armas mais atrozes.
- A condição para a terceira fase desse acordo provisório, no qual se procederia à reconstrução da infraestrutura de Gaza, seria a garantiria que o Hamas não estaria mais no comando de Gaza, assim como as tropas de Israel não estariam mais dentro do território. Em nenhuma das fases está previsto o fim do cerco de Gaza por parte das forças de Israel, que se manteriam no entorno, nem tampouco se menciona como se comporia o governo do território, que seria devolvido aos palestinos ainda cercado e controlado por Israel. A Cisjordânia nem sequer é parte do acordo em curso, e seguirá ocupada em sua maior parte pelos colonos sionistas, que a cada dia destroem propriedades dos palestinos e avançam na ocupação. As terras palestinas continuariam propositalmente descontínuas, o que dificulta a criação de um estado soberano. As hostilidades contra os palestinos na região se intensificaram após o atual acordo, como se fosse uma compensação aos sionistas radicalizados. A Autoridade Palestina denuncia um número crescente de assassinatos cometidos contra palestinos na Cisjordânia, além de detenções desmotivadas e destruição de moradias.
- No governo anterior, Trump procurou um caminho para manter o controle da região sem precisar gastar tantos fundos na defesa de Israel ao formular e avançar com os chamados “Acordos de Abraão” – de reconhecimento ou normalização de relações entre Israel e vários países árabes, tais como Jordânia (onde se situa a maior base dos EUA no Oriente Médio), Egito e Arábia Saudita. O plano era isolar o Irã e obliterar a questão palestina. Agora Trump anuncia que retomará a construção dos Acordos de Abraão, mesmo no auge da crise da questão palestina, com o genocídio em Gaza apenas pausado e o aumento das ocupações e hostilidades na Cisjordânia. Inicialmente, esses países apontavam como condições para firmarem o acordo a contenção do expansionismo de Israel e o reconhecimento de um estado palestino – mas logo as abandonaram em função de seus interesses comerciais e de segurança prometida pelos EUA. Os palestinos e seu genocídio sistemático, histórico e planejado estavam cada vez mais obliterados pela política dos EUA para o Oriente Médio, com a Arábia Saudita, o maior e mais influente país da região, prestes a assinar acordo, anteriormente já fechado com Jordânia e Egito.
- Foi diante desse contexto do distanciamento de qualquer perspectiva de um caminho para o reconhecimento do Estado da Palestina que irrompeu ataque de 7 de outubro cometido pelo Hamas, organização cujo braço político governa Gaza desde que venceu eleições em 2006. O ataque gerou comoção internacional e manifestações de solidariedade à Israel. Seguiram-se ameaças de retaliação à população civil em Gaza, que imediatamente teve retido o fluxo de ajuda humanitária, e mesmo água e energia. Inicialmente foram mantidos pelo Hamas 251 reféns, cerca metade deles sendo libertados na primeira trégua. A reação de Israel foi absolutamente desproporcional, promovendo massivos bombardeios que devastaram a região, deslocamentos constantes da população cercada, invasão militar e massacre generalizado.
- Durante quinze meses Gaza se tornou o inferno na terra para uma população de mais de dois milhões de pessoas combalidas pela fome, cercadas e sem rota de fuga, forçadas ao deslocamento constante, sem os direitos humanos básicos, como cuidados médicos e alimentação regular, com moradias, escolas e hospitais destruídos. Ainda que seja considerado crime de guerra a destruição de instalações médicas, os bombardeios de Israel não as pouparam, gerando um recorde de morte de médicos e pessoal das agências de ajuda humanitária. Os prisioneiros feitos por Israel no território, incluindo médicos, foram submetidos à tortura como forma de obrigá-los a admitir que os hospitais abrigariam guerrilheiros do Hamas – o que supostamente justificaria o crime de destruição dessas instalações. Em qualquer circunstância o cerco, a destruição e a inviabilização do atendimento a feridos em hospitais são crimes de guerra, sem atenuantes.
- Esse horror de destruição e matança foi justificado cinicamente pelo governo dos EUA e seus aliados da União Europeia como “o direito de Israel de se defender”, com escassos pronunciamentos alertando contra “os excessos”. São todos cúmplices. Os reflexos na opinião pública desse genocídio, principalmente na juventude, ajudaram a derrotar o governo Biden (que não elegeu sua vice Kamala Harris à sucessão), um aliado incondicional de Benjamin Netanyahu. Mas agora Trump se esforça para superar seu antecessor também nessa cumplicidade de genocídio.
- Neste momento, apesar do acordo de cessar-fogo provisório assinado sob pressão, predomina em Israel a posição da ultradireita de vertente religiosa ortodoxa, defensora da expansão de Israel e da expulsão total e definitiva dos palestinos. Foi esse lado, que compõe o gabinete de governo, que exultou diante da proposta de Trump de limpeza étnica de Gaza, que repetiria o que já foi feito no passado na Palestina. A defesa fanática do postulado de que os judeus seriam os verdadeiros donos da região da Palestina se baseia em alegações religiosas sobre a “terra prometida”, portanto não são assentadas em evidências históricas. Esse postulado religioso seria bem posterior ao momento de sua diáspora historicamente delimitada. Enquanto isso, a presença amplamente majoritária dos palestinos nas terras entre o Mar Mediterrâneo e o rio Jordão é milenar e está claramente estabelecida na História
- A instrumentalização de interpretações bíblicas para a fundação e expansão de um estado baseado exclusivamente em critérios religiosos e raciais excludentes se constitui no sionismo. Trata-se de movimento fundado no século XIX que buscava reverter a diáspora dos judeus no mundo com a proposta de criar um país localizado na região que seria a “judeia”, em torno de Jerusalém. O termo “sionismo” refere-se ao Monte Sião, próximo a Jerusalém, que representaria uma indicação do direito bíblico àquela “terra prometida”. E para isso toda a região deveria ser tomada, com a expropriação dos antigos moradores, e colonizada pelos judeus que viriam de várias partes do mundo para povoar o estado excludente.
- Parte desse objetivo foi alcançado em 1947 com a concessão, como uma reparação pelo Holocausto, da maior parte da região conhecida como Palestina. A ex-URSS, os EUA, Inglaterra e França foram os primeiros países a reconhecerem o estado sionista de Israel. Essa região estava sob mandato da Inglaterra desde o fim do Império Otomano, e para lá já tinham imigrado mais recentemente alguns grupos de judeus que conviviam normalmente com o povo palestino originário na região, até que houve a partilha em 1947. Em 1948, após a guerra que sucedeu à partilha aprovada na ONU e não reconhecida pelos países árabes do entorno, os palestinos foram expropriados da maior parte de suas terras e forçados a se deslocar para a efetivação da criação do estado de Israel – movimento conhecido como Nakba, a catástrofe.
- Desde então Israel, especialmente quando governado por maioria ortodoxa, tensiona para tentar tomar a maior porção possível do território da antiga Palestina, que era parte do Império Otomano, incluindo o Líbano, parte da Jordânia, parte do Egito (a partir do rio Nilo, incluindo a Península do Sinai) e da Síria (como as Colinas de Golã) até o rio Eufrates, gerando guerras sangrentas e diversos massacres na região. A partir da Guerra Fria, com o afastamento da ex-URSS (que estrategicamente se aproximou mais dos países árabes), o estado sionista passou a contar com a proteção dos EUA, que lhe fornece armas e vultosos recursos financeiros para que possa dissuadir seus vizinhos árabes e o Irã de cercear seus movimentos expansionistas. Para o imperialismo estadunidense aquela é uma região estratégica, portanto o apoio a Israel é ilimitado, mesmo quando desrespeita tratados e segue ampliando a colonização na Cisjordânia (que pelo tratado de Oslo seria inteiramente Palestina).
- O fato é que a solução de dois estados, apontada para ser construída a partir da implementação dos acordos de Oslo (1993 a 1994), negociados com lideranças de palestinos e israelenses pelo então presidente dos EUA Bill Clinton, parece estar cada vez mais distante. Esses acordos registram o reconhecimento do Estado de Israel pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP), a autonomia relativa da Palestina e o estabelecimento da Autoridade Nacional Palestina, com assento na ONU. A expectativa de Arafat era que o acordo avançasse, como previsto em etapas posteriores, para o estabelecimento do Estado da Palestina. Mas não avançou por razões geopolíticas e históricas, além das alegações religiosas dos sionistas. O acordo só foi assinado por uma concessão do Fatah, partido de Yasser Arafat, de reconhecer o Estado de Israel, apesar da posição histórica majoritária dos palestinos de retomada das terras de onde foram expropriados e expulsos em 1948. Do lado de Israel, o Primeiro-Ministro Yitzhak Rabin, que o firmou e ganhou o prêmio Nobel da Paz juntamente com Arafat, foi assassinado pela extrema-direita israelense. De lá para cá essa posição de dois estados se tornou minoritária. Isso se agravou quando Israel assumiu a condição de estado religioso judaico, reforçando seu caráter sionista.
- Depois disso, a colonização sionista avançou muito sobre as terras palestinas, com a ampliação da descontinuidade territorial estabelecida desde 1967, após a Guerra dos Seis Dias. Dificilmente Israel voltaria atrás somente por uma deliberação da ONU, levando ao fracasso uma nova resolução, como aconteceu com as anteriores sobre a ilegalidade da colonização sionista da Cisjordânia, que continua sendo intensificada. A Autoridade Nacional Palestina, constituída pelos Acordos de Oslo e exercida atualmente por Mohamed Abas, do Fatah, está muito desgastada diante de sua incapacidade de se opor aos avanços de Israel, fazendo letra morta do acordo assinado pelo Fatah, ao qual o Hamas nunca apoiou, nem as demais organizações de vertente teocrática, como a Jihad Islâmica. A liderança de Abas está sendo contestada não apenas pelas organizações rivais, mas principalmente pelos próprios palestinos da Cisjordânia, acusada de conivência com os abusos de Israel, por um lado, e de corrupção, por outro. Depois do início da atual guerra contra Gaza e o novo episódio de genocídio, a popularidade do Hamas se ampliou bastante na Cisjordânia, assim como cresceu a rejeição à postura supostamente colaborativa do Fatah.

Mapas do avanço da colonização das terras palestinas (em verde) por parte de Israel (em amarelo) até 2010, disponível em https://theconversation.com/as-origens-do-conflito-israelense-palestino-215642.
- A situação de cerco mais intenso a Gaza, por ter saídas para o mar e pelo Egito, pode ter levado a uma maior radicalização dos habitantes dessa faixa, favorecendo a ascensão do Hamas. Essa organização foi fundada em 1987, no início da Primeira Intifada contra a ocupação israelense, como um ramo da organização sunita Irmandade Muçulmana na Palestina. Constituiu-se como uma alternativa à moderação do Fatah, um partido secular fundado em 1959 por Arafat, que concordou com a posição de dois estados. Já o Hamas, uma vertente teocrática de organização política, não reconhece o estado sionista, assim como o governo de Israel (e a maioria de sua população, segundo pesquisas recentes) não reconhece o direito dos palestinos a um estado soberano. Esse impasse inviabiliza novas tratativas de retomada dos Acordos de Oslo. Depois que o Hamas venceu eleições em Gaza, em 2006, o cerco à região se intensificou, sendo cortadas por Israel as ligações por terra entre Gaza e a Cisjordânia, além da continuidade do avanço ilegal da colonização sionista.
- Diante desse impasse permanente, que tem servido de pretexto para massacres e contínuas tensões, muitas lideranças, especialistas no tema e organizações de esquerda entendem que a solução de dois Estados está irremediavelmente inviabilizada. A manutenção de um Estado religioso excludente, racista e expansionista como Israel, no qual os cidadãos de origem árabe que escaparam da expulsão e lá permanecem não têm os mesmos direitos dos judeus, será sempre causa de conflitos, instabilidade, opressão e guerras na região. Assim, a proposta em ascensão, inicialmente formulada pela OLP e defendida por diversas organizações internacionais antissionistas, é a de que seja fundado um Estado único e laico que abranja toda a região da Palestina histórica, a partir do rio Jordão (mantendo as atuais fronteiras com o Egito e o Líbano), onde judeus e palestinos possam coexistir, mantendo seus costumes, religião e locais sagrados, mas jamais subordinando a legislação do novo e abrangente Estado aos preceitos religiosos que professam.
- Seria dado o direito de retorno aos palestinos refugiados em diversas partes do mundo, com destaque para os cerca de dois milhões abrigados na Jordânia, assim como foi dado e seria mantido esse direito aos judeus. Aos que não concordassem com a convivência entre povos diferentes seria concedido o direito de optar pela emigração, sendo recebidos por um outro país. Em um primeiro momento, esse novo país seria governado por uma força de paz designada pela ONU, até que ela não fosse mais necessária, e o novo Estado laico estivesse plenamente estabelecido em sua soberania. Assim, ambos os povos poderiam lá viver finalmente em paz e igualdade de direitos. Porém, somente a luta pelo socialismo poderia realmente libertar esse povo da dominação imperialista, que vê o Oriente Médio, com todas as suas riquezas minerais e posição geográfica, como uma etapa de seu expansionismo.
Considerando esses argumentos, a Ação Popular socialista resolve que:
- Repudia o plano-ameaça de Trump de “tomar Gaza” ao defender o deslocamento forçado dos palestinos de suas terras, o que se caracteriza como uma proposta de “limpeza-étnica”, um crime contra a humanidade. Trump e Netanyahu, tirem suas mãos sujas de sangue de Gaza! Gaza e Cisjordânia compõem a terra dos palestinos!
- Condena veementemente o massacre perpetrado pelo estado de Israel sobre a Faixa de Gaza, que provocou a morte de cerca de 62 mil palestinos (48 mil mortes notificadas e 14 mil desaparecidos dados como mortos), somente no último episódio do genocídio sistemático e histórico, além da devastação daquela estreita faixa de terra com sua população de 2.300.000 pessoas que foram deslocadas seguidamente e amontoadas em uma pequena região durante os combates e mortais bombardeios, privadas do que é mais básico para sua sobrevivência, sem nenhum lugar seguro para se refugiarem;
- Repudia os deslocamentos forçados a que a população de Gaza vem sendo submetida, sem nenhuma condição material para isso, dentro do território sitiado, sem qualquer garantia de proteção diante dos ataques do estado sionista, assim como repudia todos os deslocamentos anteriores a que os palestinos já foram forçados desde 1948;
- Condena a reação absolutamente desproporcional do estado sionista, assim como entende como terrorismo de estado os crimes contra a humanidade que o estado sionista de Israel vem praticando, tais como usar a fome como arma de guerra, genocídio e “limpeza étnica”, que se efetivam por meio de ausência de condições de salubridade e refúgio seguro para uma população civil; Que Netanyahu e seu gabinete de guerra paguem pelo crime de genocídio cometido contra os palestinos em Gaza!
- Condena a destruição das estruturas civis da região de Gaza e as moradias, tornando impossível o retorno à vida normal das milhares de pessoas deslocadas, que estavam refugiadas precariamente em tendas, em condições insalubres e sem garantia de estarem a salvo; Pela reconstrução de Gaza, para que os palestinos possam viver em suas terras com dignidade!
- Defende o fim do genocídio sistemático, planejado e histórico dos palestinos, a cessação de todas as hostilidades também na Cisjordânia, a imediata liberação de todos os reféns mantidos pelo Hamas e dos milhares de prisioneiros políticos palestinos em Israel – a maioria sem qualquer julgamento ou mesmo acusação formal – a retirada total e definitiva do exército israelense de Gaza e a reconstrução material das estruturas e moradias destruídas por Israel; Fora sionistas das terras palestinas!
- Exorta à derrubada imediata de todos os muros na região da Cisjordânia, à retirada dos colonos judeus ortodoxos da região e de todas as forças israelenses e à derrubada de quaisquer estruturas de vigilância e controle dos palestinos naquela região, que seria inteiramente devolvida à Palestina; pela Palestina livre!
- Defende que seja construída uma solução duradoura para a paz, com destituição do Estado sionista de Israel e a fundação na grande Palestina, do Mar Mediterrâneo ao rio Jordão, de um Estado laico do qual sejam cidadãos, portadores de todos os direitos, tanto os palestinos quanto os judeus, com plena liberdade religiosa e respeito aos locais sagrados de cada religião. Seria concedido a ambos os povos o direito de retorno, não importando quanto tempo tenham passado como refugiados ou já integrados em outros países. Uma força de paz seria convocada para manter a segurança em um primeiro momento, até que não fosse mais necessária. Nesse Estado seriam dadas garantias de direitos iguais e proteção para os cidadãos de diferentes povos, com legislação e estruturas civis que assegurem que todos possam conviver em paz, independente de suas diferenças políticas, culturais e religiosas, na terra que reivindicam como historicamente sua.
Coordenação Nacional da APS, reunida em Salvador (BA) em 7 de fevereiro de 2025.