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Rafael Bomfim Souza – Coordenador de Direitos Humanos da Federação Nacional de Estudantes de Direito, Secretário de Juventude da APS-Bahia e militante do coletivo de juventude Pajeú

Notas iniciais: Esse artigo reúne algumas considerações iniciais sobre as movimentações em torno da elaboração do Plano Juventude Negra Viva, bem como os limites para sua real implementação. Os elementos mais aprofundados sobre o tema poderão ser objeto de escritos e produções futuras, na medida em que o processo de articulação e construção do plano for sendo executado.

Em 21 de março, o Presidente Lula instituiu, via decreto [1], a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar o Plano Juventude Negra Viva, “com vistas à redução da violência letal e das vulnerabilidades sociais contra a juventude negra e ao enfrentamento do racismo estrutural”. Do ponto de vista da concepção, não há nenhuma discordância em relação a visão da Ministra de Estado da Igualdade Racial, Aniele Franco, quando a mesma afirma[2] que “é importante olharmos para a nossa juventude negra como a parcela da população que historicamente está mais vulnerável a homicídios pelo próprio Estado, mas também como uma juventude que tem um potencial enorme para produzir cultura, elaborar soluções criativas de trabalho e renda, atuar no esporte, transformar o ensino público, e deve ter acesso integral aos seus direitos e ao seu futuro”. Todavia, o contexto que envolve a elaboração do plano e suas decorrências esbarra em um conjunto de questões e nuances.

Não temos dúvidas de que é urgente a centralidade de medidas, ações e políticas públicas que se pautem no enfrentamento ao genocídio da população negra no Brasil, que tem como principal alvo a juventude das periferias. Nesse momento, esse movimento é um importante aceno do Governo Lula 3.0 ao movimento negro. Nesta semana rememoramos os 135 da falsa abolição da escravidão no Brasil, mas que nos deixou um legado nefasto, tão bem – no sentido da profundidade do debate – abordado nas canções de Lazzo Matumbi [3] e da WWL-RAP[4].

O rastro de destruição deixado por Temer e Bolsonaro nos últimos 6 anos foi terrível e tudo, quando falamos de políticas públicas e reparação social, precisará ser reconstruído. Isso não quer dizer que, antes do golpe de 2016, o cenário era tranquilo, belo e favorável. Pelo contrário, pouco foi efetivamente feito durante os governos de frente popular sobre a questão. Todavia, se faz urgente e necessária uma ruptura séria com essa lógica de condução política que não enfrenta o problema na sua raiz.

O bolsonarismo, que reforça de maneira mais extrema a lógica da segurança pública implementada no Brasil desde sempre – uma lógica racista e genocida, mostrou que tem força social nesse momento e seguirá disputando os rumos do Brasil [5], nas mais diversas áreas, instâncias e esferas, e a segurança pública será uma delas. A esquerda cabe o papel de estar mobilizada para combater essa ofensiva. Diante disso, uma ação de elaborar um plano amplo de defesa da vida da juventude negra brasileira se mostra como uma iniciativa necessária. Contudo, há um legado recente no Brasil que não deve ser esquecido.

O Nordeste negro, que foi fundamental para a vitória de Lula em 2022[6] (e nas do PT anteriormente), foi alvo, na última década, de um conjunto de políticas que fizeram nossa região figurar com alarmantes índices de violência, onde as forças policiais vitimaram algumas muitas dezenas de jovens negros diariamente nos guetos das grandes e pequenas cidades [7]. Salvador, na Bahia, a “Roma Negra”, cidade com a maior presença de negros no mundo fora do continente africano, viu que a 100% das vítimas da violência policial eram jovens negros [8]. Tudo isso quando Rui Costa, do PT, atual Ministro da Casa Civil e “primeiro-ministro de Lula” [9], era o governo da Bahia.

Nos demais estados do Nordeste, governados pelo petismo e aliados, como o Maranhão, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas etc., o cenário não era diferente: governos marcados por medidas regressivas, destruição ambiental e altos índices de letalidade e violência contra a população negra e pobre. Hoje, grande parte desses ex-governadores assumiram espaços-chave no Governo Lula 3.0: Camilo Santana na Educação, Wellington Dias no Desenvolvimento Social, Flavio Dino no superministério da Justiça e Segurança Pública e Renan Filho. Ministros que, quando governadores, foram responsáveis pela manutenção de uma política racista e genocida de segurança pública, tal qual Rui Costa.

Como esse governo pretende, então, enfrentar a questão e implementar uma política de proteção da vida dos jovens negros, quando o rumo estratégico do governo passa pelas mãos de figurões que, no passado recente, operaram a política do extermínio? O enfrentamento ao racismo e a defesa da vida e do futuro da juventude negra passa pelo reconhecimento do racismo como um problema social sério, pelo investimento real em educação, saúde, formação, cultura, lazer e condições dignas de vida para o povo preto e pobre, mas também pela reformulação da segurança pública, desmilitarização das policiais e um conjunto de outras ações que devem tratar os problemas na causa.

A manutenção do atual sistema de justiça e segurança pública, o tratamento do debate das drogas como questão de segurança e não de saúde, o reforço da tese de “guerra as drogas”, o incentivo a truculência das policiais, um judiciário branco-elitista e a criminalização da pobreza e da negritude não contribuem em nada com uma mudança de cenário, e, caso o governo não esteja disposto a enfrentar de fato essa questões, a ouvir as vozes das favelas, o grito de tantas mães negras e os conjuntos de pesquisadores, ativistas e movimentos que tem alertado para a situação, a elaboração desse novo Plano Juventude Negra Viva será, nada além, do que um conjunto de metas e ideias, constantes em uma sequência de folhas de papel, mas que não terão condições políticas objetivas, nem orçamentos, para que sejam de fato implementadas.

As chacinas do Cabula, da Gamboa, as crianças e jovens das favelas do Rio, de São Paulo, a morte de Genivaldo, de Claudia Ferreira, de DG, de Eduardo, a prisão de Rafael Braga e os ataques aos quilombos como o de Quingoma são casos nada isolados, e que devem ser lembrados para cobrar posição firme do atual governo em relação a letalidade do racismo na sociedade Brasileira. Não basta que pessoas negras ocupem ministérios e secretarias (nesse caso, os cargos mais simbólicos do que de fato estratégicos) nos governos. Queremos de fato ações de e políticas que garantam verdadeiramente o enfrentamento ao racismo e a redução das violências e da letalidade policial contra nossos corpos.

Mais um junho de aproxima. Não o das jornadas de 2013 que o racismo fez encarcerar Rafael Braga. Um junho de luta antirracista. Aqui na Bahia, mais uma vez, ocuparemos as ruas de Salvador no dia 20 de junho, dia estadual de luta contra o encarceramento da juventude negra. Uma luta há anos encampada pelo Coletivo Incomode, que reúne jovens negros do subúrbio da capital baiana, para denunciar e enfrentar, nas ruas, nas escolas e nas ocupações a violência policial, o encarceramento em massa, o genocídio, o racismo, o feminicídio, a LGBTQIAP+fobia e a negação dos direitos que deveriam ser básicos. Por conta disso escolhi, como título desse texto, o lema da marcha realizada anualmente em nossa capital: INCOMODE, NÃO SE ACOMODE!

A frase cai bem ao contexto. Derrotamos o bolsonarismo nas urnas, mas não temos um contexto de intensa mobilização social. A extrema-direita precisa ser derrotada nas ruas, com luta política, e o Brasil segue sendo racista. Nossas vidas não cabem nos gabinetes e nem nos planos. Enquanto o genocídio negro e o encarceramento dos nossos for a regra nesse país, nós não iremos nos acomodar, pois este lugar e este país nunca foram confortável para nós, povo negro, maioria deste Brasil.

[1] https://www.gov.br/secom/pt-br/assuntos/obrasilvoltou/cuidado/plano-juventude-negra-viva-sera-elaborado-por-representantes-de-16-ministerios

[2] https://noticiapreta.com.br/juventude-negra-viva/

[3] https://www.youtube.com/watch?v=9AL6F_IbnGU&ab_channel=LazzoMatumbi

[4] https://www.youtube.com/watch?v=j5c8ADupRk4&ab_channel=WWLRAP

[5] https://acaopopularsocialista.com/2023/02/28/o-inicio-do-governo-lula-e-os-desafios-da-esquerda-brasileira/

[6] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/10/31/vitoria-de-lula-teve-participacao-decisiva-do-nordeste-e-de-votos-conquistados-no-sudeste.ghtml

[7] https://ponte.org/jovens-negros-do-nordeste-tem-43-mais-chances-de-serem-assassinados/

[8] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/12/14/bahia-e-o-estado-mais-letal-do-nordeste-e-100percent-dos-mortos-pela-policia-em-salvados-sao-negros-aponta-pesquisa.ghtml

[9] https://www.poder360.com.br/governo/lula-acena-a-titular-da-casa-civil-ao-chama-lo-de-primeiro-ministro/

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