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VIII ENAPS – ENCONTRO NACIONAL DA APS/PSOL – Ação Popular Socialista Brasil – 8 a 10 de Abril de 2022

Apresentamos aqui os elementos básicos de nossa estratégia, projeto nacional e Programa Democrático e Popular. O desafio é o de elaborar uma política que norteie a luta para que as trabalhadoras e trabalhadores e o conjunto do povo explorado e oprimido conquistem o poder político, afirmem a soberania nacional, radicalizem a democracia e melhorem suas condições materiais e culturais de vida, avançando em direção ao socialismo como um projeto internacionalista.

Não é um projeto acabado, mesmo porque a própria ação política, social, cultural e teórica vai trazendo novas contribuições que ajudam a moldar melhor nossa estratégia. Mas, são os parâmetros que servem para orientar nossas análises de conjuntura, definições táticas e linha de massas (que estão em outras resoluções).

Uma Estratégia Revolucionária de Luta pelo Socialismo no Brasil

A luta pelo socialismo é internacional e só se consolida neste nível. Mas o terreno nacional continua sendo o espaço privilegiado a partir do qual a luta popular avança na perspectiva da conquista do poder político.

Assim, a nossa estratégia socialista parte da realidade nacional, tomando-a como uma particularidade do mundo capitalista contemporâneo. A realidade de um país onde o capitalismo se afirmou sem passar pela realização de uma reforma agrária; onde a ascensão burguesa se deu de uma forma passiva; onde o processo de industrialização permitiu, em determinado momento, o surgimento de um proletariado industrial numeroso e concentrado em grandes unidades produtivas, empresas e centros urbanos, mas não rompeu a dependência econômica do Brasil em relação ao imperialismo, que ora vem se aprofundando. Além disso, a classe trabalhadora vem passando por um processo de fragmentação e dispersão, fruto da revolução tecnológica, reestruturação produtiva, flexibilização do trabalho e quebra dos direitos

Mesmo não sendo uma sociedade do centro capitalista, em nosso país gestou-se a possibilidade de construção do socialismo em condições estruturais internas menos difíceis do que em vários países onde já ocorreram processos revolucionários. O Brasil é um país onde ainda não se constituiu uma força política revolucionária capaz de derrotar as classes dominantes, mas cujo povo tem uma tradição de luta desde a invasão de nosso território pelos portugueses. Um país onde o povo trabalhador chegou a obter importantes acúmulos políticos nos movimentos sociais e na institucionalidade estatal, os quais, mesmo com importantes ambiguidades estratégicas, vacilações táticas e mesmo retrocessos das principais forças consideradas de “esquerda”, são resultado da luta popular e expressão de sua vontade de transformações.

Nos últimos anos, a combinação da nova fase da revolução tecno científica em curso com o neoliberalismo, a mundialização de mercados e a quebra dos protecionismos estatais de países da periferia provocou um aumento da exploração e das desigualdades sociais da maioria da população, aprofundando o desemprego, a violência, as doenças, a fome, a depredação da natureza e as opressões. Mais do que isso, esse processo trouxe uma série de mudanças na propriedade, nas relações de trabalho, nas comunicações, nas formas de sociabilidade, na cultura e na política.

De um lado, uma forte tendência à concentração de capitais, de meios de comunicação e de poder político e militar. De outro, a desconcentração das unidades fabris, o aumento da exploração do trabalho (através de mecanismos como a terceirização e outras formas de precarização), combinadas com a aplicação em massa das técnicas gerenciais e novas formas de organização da produção introduzidas pelo capital. São fatores que dificultam a organização dos trabalhadores nas formas clássicas do período taylorista-fordista.

No período anterior do capitalismo, os setores dos trabalhadores mais importantes economicamente eram também os relativamente mais numerosos e concentrados. Hoje, os mais importantes economicamente são relativamente minoritários, e uma grande massa de proletários precarizados, ainda crescente, ficou relegada ao desemprego, subemprego e “uberização”.

Porém, nenhuma máquina de propaganda consegue mais esconder que o capitalismo vive uma longa crise e que o neoliberalismo fracassou totalmente no seu objetivo de recuperar o crescimento econômico capitalista para os níveis alcançados na década de 70 (e, portanto, anteriores ao advento das políticas neoliberais). Crescimentos econômicos de 3%, antes considerados baixos, hoje são saudados de forma eufórica. Mas, uma coisa é certa: somente o povo explorado e oprimido pode ser o sujeito de uma nova sociedade.

Portanto, a luta de classes continua sendo central para a construção de uma nova sociedade. Mas a luta de classes não é sinônimo apenas de luta econômica. Ela é marcada pela dimensão multifacetada e complexa do sujeito revolucionário, que não é um ente somente econômico, mas sim um sujeito simultaneamente econômico, social, cultural e político. E, portanto, um sujeito atravessado por características e demandas nacionais, regionais, raciais, de gênero, religiosas etc. São características essenciais que uma estratégia, para ter efetividade, tem que saber captar e incorporar ao leito real e ao conteúdo da própria revolução.

A revolução socialista não é uma decorrência natural das crises do capitalismo. A emancipação da classe trabalhadora só ocorrerá se, nos momentos em que a dominação burguesa não puder ser mantida nos moldes de antes, pelas próprias contradições do capitalismo, existir um sujeito social e político-partidário forte e decidido o suficiente para lutar, alterando a correlação de forças. A radical transformação da sociedade não pode ocorrer apenas porque é desejada por alguns. É preciso contar com as forças dos próprios explorados e de sua posição estratégica para “virar o jogo” e fazer a revolução.

Na sociedade contemporânea, não se pode conceber o local central da dominação apenas como o chão da fábrica. Ou seja, a exploração e a dominação se concretizam em uma cadeia de processos em que múltiplas frações da classe trabalhadora também são exploradas em vários níveis, às vezes global. Portanto, a constituição desse potencial sujeito revolucionário dependerá da exacerbação de contradições em uma série de pontos da sociedade. Dependerá do aumento de perspectivas de distintas camadas sociais exploradas e oprimidas, de vários segmentos. E dependerá também da ação da vanguarda revolucionária e organizações de massas com suas vanguardas sociais. De qualquer modo, ainda que sendo constituído por distintos setores, esse sujeito revolucionário potencial segue tendo seu núcleo nas classes trabalhadoras, suas organizações sociais e político-partidárias. Porém, é preciso um esforço de unidade de todos os explorados e oprimidos, apesar de suas diferenças.

Questões étnicas, de gênero, de raça, etárias e nacionais são meios de opressão que perpassam a vida do povo trabalhador, mas cuja manutenção é funcional para as classes dominantes. Além disso, as trabalhadoras e trabalhadores de diferentes camadas não são sujeitos estritamente econômicos. Sua subjetividade é produzida em função de toda essa teia de relações.

Luta de Classes, Estado, Economia e Sociedade civil

O processo revolucionário e a transição ao socialismo requerem um outro estado, não bastando a ocupação de espaços no estado burguês por forças políticas socialistas. Todas as reformas e conquistas de trabalhadores e a própria existência do “estado do bem-estar social”, em diversos países e conjunturas, desde o advento do capitalismo, não foram capazes de eliminar o caráter de classe burguês do estado nesse modo de produção. A aplicação do neoliberalismo só tornou esse caráter mais explícito. O neoliberalismo é a intervenção estatal para devolver à burguesia o controle direto (fora do estado) de muitas das conquistas sociais e econômicas que os trabalhadores, mesmo sob o capitalismo, conseguiram obter com sua luta no período anterior.

Por isso, não podemos deixar de continuar diferenciando nesse organismo o que é instrumento de hegemonia da burguesia (que deve ser eliminado), daquilo que foram conquistas sociais e políticas populares (que devem ser defendidas).

Ou seja, houve avanços institucionais resultantes da combinação das lutas de massas com a ocupação de espaços no próprio estado e de pressões políticas indiretas, assim como de vitórias revolucionárias em outros países. O desenvolvimento do capitalismo e o desenrolar da luta de classes complexificaram o estado, mostrando que este, além de ter uma hegemonia de classe, também é uma relação de forças, onde pode estar presente, mesmo sendo de forma desigual, a contra-hegemonia.

Por isso, no atual período, a esquerda tem aparecido na posição de defensora de conquistas presentes no estado, especialmente de suas empresas estratégicas e de serviços públicos, diante do neoliberalismo.

A garantia de uma “obediência” do estado aos ditames da burguesia, no mundo contemporâneo, tem se complexificado. A manutenção do seu caráter de classe burguês, mesmo com o advento do sufrágio universal (em que todo o povo tem o direito de voto na escolha dos seus representantes) e mesmo quando o governo está ou esteve nas mãos de partidos que se proclamam de “esquerda”, “socialistas” e “comunistas”, requer entender os vários mecanismos internos e externos ao estado que garantem o respeito da lógica do capital.

É uma série de contingências estruturais e superestruturais que vêm se reforçando com as novas circunstâncias históricas criadas a partir da década de 70, com a crise e quebra do padrão de acumulação capitalista então vigente (fordista e keynesiano). A partir daí, ascendeu o desenvolvimento de políticas neoliberais, com o desmanche do “estado de bem-estar social” (onde este chegou a ser efetivado) e a quebra de uma série de conquistas em estados, como o brasileiro, que nunca chegou a ser, de fato, um estado realmente de “bem-estar social”.

Além disso, nos deparamos também com o crescente enfraquecimento do poder dos estados nacionais da periferia, a partir da globalização imperialista, a ausência do contraponto dos regimes burocráticos do Leste Europeu e o enfraquecimento, perda de forças ou moderação política (em muitos países) de parte dos atores do campo popular, como os sindicatos e os partidos autodefinidos como “socialistas” e “comunistas”.

A garantia do caráter de classe burguês do estado não se dá somente quando há uma presença direta dos representantes dessa classe nos seus órgãos de direção. Há várias maneiras de explicar a relação estado-capital, sob a direção deste último: a ação direta do capital por dentro do estado; indiretamente, através das pressões da estrutura econômica (empresas) privada; ou de forma mediada, a partir de uma articulação dos capitalistas com os políticos profissionais e a burocracia estatal.

Marxismo e Estado

No Manifesto Comunista está presente uma forma de dominação mais direta, na qual o estado é definido como um comitê para gerir negócios comuns da burguesia, através do qual a própria classe dominante na economia exerce a sua ditadura. Já na obra “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, Marx expõe a ideia de autonomia relativa do estado: em certas circunstâncias de crise social e política, a burguesia pode abrir mão da direção direta do estado, mas este continua agindo a seu serviço e mantendo o caráter de classe burguês.

O desenvolvimento do capitalismo e a complexificação do estado ampliam essa “autonomia relativa” e a existência de ações que nem sempre parecem coerentes. Assim, a hegemonia na sociedade capitalista moderna não é apenas coerção ou dominação política pela via do estado, mas um complexo realizado através do “Bloco de Poder”, que envolve também a estrutura econômica, a sociedade civil e a mídia.

O estado passa a ter um papel de organizar os interesses do capital e desorganizar os trabalhadores, podendo fazer concessões com vistas à legitimação não somente do próprio estado, mas do conjunto da ordem social, econômica e cultural existente. O estado realiza ações que não são monolíticas, mas que garantem a racionalidade das frações hegemônicas do capital. Nesse sentido, o estado burguês é uma condensação material da luta de classes, onde certas conquistas dos trabalhadores estão cravadas, mas onde a burguesia consegue fazer predominar os seus interesses, através do executivo, legislativo, judiciário, Ministério Público e aparelhos repressivos.

Para isso, não é preciso que os burgueses assumam diretamente as funções do estado, pois existe a elite política, os burocratas, técnicos, especialistas, militares etc. que foram ganhos para o projeto burguês e funcionam como o braço operacional da burguesia.

Vários mecanismos entram em ação: a disseminação de valores ideológicos; a escolha de candidatos de sua confiança; o financiamento de campanhas; a elaboração de política públicas; e a satisfação de alguns interesses individuais e setoriais dos dominados; além da fraude e da corrupção.

Além disso, ocorrem as pressões externas, através das organizações empresariais, de outros estados-nação e de outras entidades que consigam impor políticas públicas.

Portanto, essa elite governante não é necessariamente formada pelo empresariado. Podem ser militares, sociólogos, trabalhadores, mulheres ou negros. O fundamental é que eles aceitem e sustentem, em maior ou menor grau, os valores e interesses burgueses.

Por outro lado, o estado tem limites na sociedade capitalista, seja qual for o grupo político no exercício de sua direção, pois ele depende do mercado. Assim, mesmo partidos socialistas enfrentarão fortíssimos obstáculos para aplicar políticas contra o capital, pois passam a precisar do próprio capital (como uma “boa situação” econômica, cobrança de impostos, financiamentos de campanha) para manter sua sobrevivência nos núcleos principais do estado.

Dentro da estrutura do estado, os funcionários burocráticos garantem também uma seletividade nas suas tomadas de decisão, aplicando as leis e outras regras, que são burguesas. No final das contas, as disputas acabam sendo principalmente entre as várias frações burguesas.

Mas, os setores populares, com sua luta e pressões, podem também obter algumas conquistas, a depender da correlação de forças.

Portanto, apesar de haver uma esfera principal, nem todas a ações do estado são coerentes e unitárias, pois a correlação de forças dentro dele e na sociedade não são monolíticas nem homogêneas, havendo muitas diversidades históricas e contextuais. Isso aconteceu tanto nos governos de FHC, como do PT, de Temer e de Bolsonaro.

Assim, pode haver a criação de certos órgãos ou espaços – estatais ou de participação da cidadania – que podem estimular certas demandas.

Além disso, no caso de um governo de alianças compostas por forças políticas de interesses contraditórios e antagônicos (como no caso do governo Lula), o Ministério da Agricultura, pode ficar nas mãos dos latifundiários do agronegócio, e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (com bem menos recursos) pode ficar na mão de alguém considerado pelo governo como “de esquerda”.

Mas, como vimos anteriormente, apesar desse conjunto de elementos e fatores aqui relacionados, há uma coerência mais geral entre as ações do estado, pois este abre mais espaço para os mais fortes e tende a colocar na pauta as demandas que considera mais necessárias ou possíveis de serem resolvidas, o que é uma marca do conservadorismo. E suas macropolíticas, enquadradas por seu caráter de classe burguês, não só definirão esse seu caráter de classe como tendem a orientar predominantemente as políticas setoriais e das instâncias inferiores do aparelho.

Imperialismo e Estado Nacional

Por outro lado, a realidade contemporânea coloca novas perguntas: como construir um projeto nacional e colocar em prática um programa nacional de caráter democrático e popular e de ruptura com o imperialismo no atual estágio de globalização econômica, política, cultural e midiática? Em plena crise estrutural do capitalismo? Num contexto de bipolarização interimperialista?

O processo de globalização capitalista atual é, do ponto de vista mais geral, a continuidade daquele descrito por Marx e Engels, iniciado com a conquista das Américas e com a circum-navegação da África.

Porém, aquele processo já foi concluído com a consolidação dos estados-nação e o advento imperialismo no final do século XIX. Depois, vivemos a primeira e a segunda guerras interimperialistas mundiais, revoluções com objetivo nacionalista, anti-imperialista e socialista, a Guerra Fria, um processo de formação de blocos regionais supranacionais e o G-8, a OMC, o FMI, a OTAN, o Banco Mundial e o Conselho de Segurança da ONU. Por outro lado, as grandes corporações transnacionais agem rompendo os limites do estado-nação. Houve a implosão da URSS e outros regimes burocráticos do Leste Europeu e a conversão capitalista da China. Veio a fase do imperialismo hegemônico unipolar dos EUA, o neoliberalismo, o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo. E, agora, no desenrolar da 4ª Revolução Industrial, uma bipolarização interimperialista, tendo os EUA, Europa e aliados de um lado, e a China, Rússia e aliados de outro[1].

Tudo isso traz consequências para a luta nacional e para uma política internacionalista: na luta econômica e sindical, na luta política conjuntural, na relação com a construção do socialismo, nas formas de organização internacionais, (político-partidárias, sindicais, de solidariedade), e na relação entre os estados.

Enfim, discutir estratégia como caminho e veredas gerais possíveis e mais prováveis significa considerar as realidades nacional e internacional, regionais e locais; a base econômica, as relações de forças políticas e as tradições culturais, assim como as diversas identidades e alteridades que conformam um povo e seus potenciais de luta, de uma forma cada dia mais complexa.

Para o liberalismo burguês e o “Consenso de Washington”, esse processo seria neutro e traria novas oportunidades e riqueza para todos. Fukuyama disse que o mundo tinha chegado a seu estágio mais avançado de desenvolvimento ideológico com o estado de democracia liberal, que seria um ponto final no desenvolvimento político da humanidade. Todos esses discursos ideológicos falharam.

No mundo atual, cada vez mais, o poder econômico é fundamento do poder político e este serve à reprodução do capital nacional e internacionalmente. No capitalismo atual, a mundialização tende a provocar mais desigualdades e dificulta a “ultrapassagem” de países mais atrasados em relação aos mais avançados.

A China é uma das poucas exceções. Mas, só se tornou uma potência capitalista porque, quase 30 anos antes de começar a fazer as reformas de mercado capitalistas, tinha feito uma revolução popular e nacional que construiu uma soberania nacional, alicerçou seu estado e deu grandes saltos no desenvolvimento econômico, nas condições de vida do povo e na defesa nacional.

Mas, se a globalização imperialista é um processo de continuidade, há diferenças históricas. O mercantilismo se baseou na reserva de mercado colonial e na escravidão. Da revolução industrial até a 2ª Guerra Mundial tivemos o desenvolvimento do predomínio da indústria. Perto do final do século XIX, o nascimento do imperialismo, como fase superior do capitalismo. Após a 2ª Guerra vieram a consolidação dos EUA; a instalação do estado do bem-estar social, especialmente na Europa ocidental; a constituição do bloco de regimes burocráticos do Leste Europeu em torno da União Soviética; e diversos processos nacionais que deram maior autonomia política a estados-nação da periferia. Veio a bipolarização mundial EUA x URSS, chamada de Guerra Fria; as conquistas dos trabalhadores diante dos estados burgueses dentro dos seus próprios países; os espaços de maior independência e poder de barganha construídos em diversos estados periféricos.

A partir do final da década de 1970, esse processo se alterou. O enfraquecimento dos estados de bem-estar social, a implosão do bloco dos regimes burocráticos do Leste Europeu e o enfraquecimento dos estados nacionais da periferia confluem para o estabelecimento de uma unilateralidade do imperialismo dos EUA, que agiam sem maiores resistências. Mas, as promessas do neoliberalismo de um novo alvorecer econômico a partir do reforço do capital financeiro e sua mundialização não se concretizaram: não houve uma nova grande expansão econômica; houve um aumento das desigualdades, inclusive nos centros do capitalismo; adveio a recessão e a crise estrutural do capitalismo, com momentos mais curtos de crescimento e recessão, até a crise de 2008. E agora ocorre o cruzamento da crise econômica com a pandemia, além das diversas consequências que advirão da Guerra na Ucrânia, ainda em curso.

Depois de um longo período de hegemonia dos EUA, duas décadas de unipolaridade, há um novo rearranjo geopolítico e econômico no quadro da disputa internacional, com a emergência da China. Esta se tornou uma potência imperialista em aliança com a Rússia e constituiu um polo na nova bipolarização interimperialista. Tudo isso no bojo da crise do neoliberalismo e da chamada globalização. Isso ocorre no decorrer da disputa das potências e suas empresas monopolistas pela vanguarda da 4ª Revolução Tecnocientífica, também chamada de Indústria 4.0. Além disso, essa bipolarização vem assumindo a forma de conflitos militares, com é o caso da guerra na Ucrânia e as tensões no Mar do Sul da China e da corrida armamentista, cujas consequências a curto, médio e longo prazos ainda não estão bem delineadas.

Para o rompimento desse sistema de contingências (estatais e privadas), nacionais e internacionais, é necessário um processo revolucionário, a conquista do poder e um programa que leve ao desenvolvimento interno, baseando-se numa visão internacionalista. Também é preciso apoiar e alavancar movimentos e/ou governos, em qualquer parte do mundo, que resistam à dominação do capital financeiro, empenhando-se na formação de blocos que busquem superar a dominação imperialista de qualquer tipo[2].

Nossa luta internacional é de enfrentamento ao imperialismo como expressão da fase atual do capitalismo, na qual, grosso modo, existem países dos centros imperialistas e os dependentes.

Nessa relação, centraremos nosso combate ao imperialismo dos EUA, que continua sendo o principal e mais agressivo centro imperialista, e seus aliados mais diretos, como hoje é o Reino Unido. Tanto em termos de suas ações no contexto internacional, como nas relações de dependência e intromissão na política brasileira. Nesse quadro se inserem também potências militares regionais como o estado sionista de Israel.

Devemos manter nosso combate aos outros centros históricos do imperialismo localizados na Europa e no Japão, mas sem deixar de esclarecer sobre o caráter capitalista e imperialista que a China vem exercendo no período mais recente. inclusive, no caso do Brasil, essa relação reproduz a dependência, desindustrialização, desnacionalização e privatização de nossa economia e as relações de superexploração do trabalho, destruição ambiental e reforço do poder econômico e político do agronegócio e da mineração. Isso inclui seu principal aliado, que hoje é a Federação Russa.

A Hegemonia Burguesa no Brasil e a Luta Contra-hegemônica

Como vimos, o exercício da hegemonia numa sociedade capitalista se dá por um Bloco de Poder, onde estão o estado, o poder econômico, a grande mídia e a sociedade civil burguesa. Esse Bloco nem sempre é monolítico, mas tem identidade de interesses estratégicos; também não é completamente impermeável às pressões da vontade popular, mas tem uma clara predominância de interesses do grande capital.

Despossuídos de poder econômico, minoritários no estado, marginalizados pela grande mídia, a nós, o povo, só resta a luta e a mobilização numa perspectiva revolucionária, para impor a eles nossos interesses materiais, nosso poder político e nossos valores ideológicos e simbólicos. A sociedade civil é nosso espaço privilegiado de contra-hegemonia e acúmulo de forças para aumentar e reforçar nossa organização independente, ampliar nosso espaço no estado, construir nossa rede de comunicação e forçar espaço na deles, para ter conquistas econômicas e culturais, para resgatar nossa identidade, para acumular forças e conquistar o poder político.

Daí porque, no Brasil, não é possível avançar, nem mesmo pequenas reformas de interesse popular, sem combinar a ação extra institucional com a institucional. Mas, como já dizíamos nas resoluções do I ENAPS, “a história tem mostrado que esta luta por reformas, sendo vitoriosa em termos políticos mais amplos, deve levar a uma ruptura institucional: a uma revolução contra-hegemônica vitoriosa ou a um golpe reacionário.”

A hegemonia burguesa no Brasil é complexa. São muitos os mecanismos, estatais ou privados, usados para a sua manutenção no poder, disseminados pelo país e que usam tanto a forma de direção política e intelectual, quanto a de dominação e coerção. Ou seja, isso ocorre tanto com o objetivo de disputa político-ideológica, quanto da repressão violenta pura e simples. Dentro ou fora da lei. Para isso, são utilizados aparelhos ideológicos privados ou estatais e recursos que vão desde o discurso teórico mais sofisticado, até o mais reles clientelismo, distribuição de tijolos nas eleições, políticas sociais compensatórias e manipulação religiosa. Acontece nos níveis federal, estadual e municipal. Seus operadores estão nos legislativos, executivos e judiciários. Estão nas grandes corporações de mídia, que no Brasil são propriedade do grande capital e, portanto, são estruturalmente ligadas ao bloco de poder. Mas também estão nas FMs do interior, até mesmo manipulando o recurso das rádios comunitárias e nas redes sociais da Internet.

Porém, em nosso país, toda essa máquina voltada para o convencimento não é suficiente. Por isso a classe dominante não abre mão da repressão, da fraude, da corrupção e da compra de votos até mesmo no Congresso Nacional.

Em nenhuma sociedade capitalista, a hegemonia se exerce apenas pelo consentimento e sem nenhum tipo de coerção. Porém, em nosso país, essa articulação da busca do consenso, com o uso permanente e ostensivo da força, é agravada estruturalmente pela grande desigualdade, superexploração e racismo estrutural. Isso gerou uma instabilidade da hegemonia política burguesa que, como veremos, a partir do governo Lula, passou por uma estabilização e acabou sendo reforçada no processo que se seguiu.

Aqui, a profunda desigualdade social enfraquece os mecanismos de construção do consentimento aos governantes, mesmo com o uso das poderosas máquinas do estado e das mídias. Por isso, ao contrário de outros países capitalistas mais desenvolvidos, a burguesia não tem conseguido um apoio duradouro a seus governos. No entanto, os governos vão mudando, mas sem quebrar a hegemonia burguesa.

Por outro lado, movimentos e organizações populares sociais e políticas, em maior ou menor grau, tiveram um papel de resistência, dificultando a hegemonia política burguesa. Esses movimentos cresceram significativamente a partir da crise do regime militar (meados da década de 1970), e apareceram com real potencial contra-hegemônico.

Nossa história de golpes militares, transições por cima e autoritarismo é uma comprovação disso. O fato de só termos conquistado a liberdade partidária e o voto universal com a constituição de 1988 é outro exemplo. É por isso que, por um lado, há uma preponderância do ideário burguês, no sentido de que os sonhos da maioria do povo não vão além dos limites de um capitalismo menos injusto. Por outro lado, não há uma adesão ativa à política concreta da burguesia de modo estável. Os últimos 50 anos da vida política de nosso país são exemplos de que o humor popular sempre variou com muita velocidade do apoio à rejeição à ditadura militar e aos governos civis de Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula-Dilma, Temer e agora Bolsonaro.

Assim, a adesão popular aos projetos burgueses tem sido, principalmente, passiva. A classe dominante procura manter o povo excluído também da política, enquanto este responde também rejeitando os políticos e a política predominante, o que acaba atingindo até mesmo os partidos do campo popular. Como veremos mais adiante, a vitória de Lula, nesse contexto, foi principalmente o resultado de uma ação ativa de uma parte do povo com a simpatia da maioria. Mas seu governo, na medida em que praticou políticas burguesas, conseguiu um apoio popular basicamente passivo e não ativo. Entretanto, enquanto os governos tiveram variações, a hegemonia política burguesa se tornou mais forte, pela falta de uma real alternativa popular transformadora.

No Brasil contemporâneo, destaca-se o papel dos meios de comunicação na hegemonia burguesa, tanto com a função de interferir na cena política e cultural da sociedade, como também exercendo um papel estruturante da política e da sociabilidade contemporânea. Além disso, é um setor de ponta da economia e do capital privado. Portanto, a grande mídia tem uma forte presença material e simbólica no Bloco de Poder.

Num balanço geral, o governo Lula da Silva-Dilma Rousseff acabou reforçando a hegemonia burguesa no Brasil. O neodesenvolvimentismo, sustentado numa política macroeconômica mantida nos marcos do neoliberalismo, não foi além de um incentivo estatal moderado ao processo econômico e ao uso de políticas sociais compensatórias e medidas microeconômicas que reduziram moderadamente a pobreza e minoraram as contradições sociais, mas não enfrentaram a hegemonia burguesa.

Por outro lado, a prática geral dos governos petistas enfraqueceu significativamente as organizações populares (como a CUT e outras) e democráticas e domesticou ainda mais o PT, que acabou se consolidando como um partido da ordem burguesa. Isso acabou fortalecendo o consenso social em torno da ordem burguesa e estabilizando hegemonia da classe capitalista.

Ademais, os governos petistas tomaram uma série de medidas que reforçaram, em termos legais e materiais, a capacidade coercitiva da classe dominante. E, por outro lado, reforçou o grande capital privado na estrutura econômica.

No final das contas, entregaram o Brasil com uma economia relativamente mais primarizada, desindustrializada, desnacionalizada, privatizada, com mais concentração de capital, terra e riqueza. Deixaram o estado com mais endividamento para com o capital financeiro, que também saiu mais forte do processo e, junto com o capital o setor primário-exportador (especialmente o agronegócio e a mineração) foram as frações do grande capital que saíram mais fortes do processo.

Tudo isso acabou facilitando o golpe do impeachment de Dilma Rousseff, não esquecendo que grande parte dos principais atores do golpe eram, até a véspera, aliados e parte da base política e social dos governos petistas. Por outro lado, o enfraquecimento das organizações da genericamente chamada “esquerda” também foi evidente, levando-as a perder sua capacidade de mobilização e combate para enfrentar o golpe do impeachment.

Com tudo isso, facilitou-se também o surgimento de uma ofensiva conservadora autoritária, que se constituiu como uma nova força política real no cenário nacional. Uma extrema direita com vertentes neofascistas, sob a liderança pública principal do capitão Bolsonaro. Diante desse quadro, os governos do vice-presidente golpista Michel Temer e do capitão Jair Bolsonaro voltaram ao ultraliberalismo, indo mais adiante ainda nas privatizações e quebra de direitos sociais históricos da classe trabalhadora definidos na Constituição de 1988 e mesmo os legalizados entre as décadas de 1930 e 1960.

Bolsonaro representou a vitória da ofensiva conservadora, com uma liderança neofascista, em um governo de extrema-direita liberal-conservadora. Porém, ainda se situa nos marcos de uma democracia representativa liberal burguesa, mesmo que mais autoritária e promovendo políticas de maior desigualdade social[3].

Qualquer que seja o resultado das eleições de 2022, o processo como um todo acabou reforçando a hegemonia burguesa, tanto na estrutura econômica, como nas instituições políticas do estado e do ponto de vista ideológico. Trouxe, para a vida política nacional, uma extrema direita com vertentes neofascistas, que se assume como direita, que tem força eleitoral e presença organizada na sociedade civil e nos aparelhos jurídicos e coercitivos e que tende a ter uma vida duradoura. Isso levou a uma instabilidade política e institucional e a contradições entre as frações do grande capital e sua elite política, burocrática e intelectual, mas não enfraqueceu a hegemonia política do capital.[4]

Assim, para os trabalhadores, mesmo quando ocupam importantes espaços na estrutura do estado, como a Presidência da República (ou só ocupam parcelas secundárias, como minorias parlamentares, prefeituras e mesmo governos estaduais, e outros espaços jurídicos, culturais etc.) e não detêm a propriedade da grande mídia, não há possibilidade de disputar a hegemonia sem priorizar a sua construção a partir das lutas e da organização dos trabalhadores, da juventude e do povo, inclusive com meios de comunicação próprios.

Essa mobilização deve, portanto, por um lado, reforçar a organização autônoma dos oprimidos e, por outro lado, conquistar espaços políticos, legais e eleitorais no estado, lutando por reformas radicais que construam as condições para uma vitória num momento de crise de hegemonia, com força para uma ruptura, inclusive capaz de suplantar a violência burguesa. Pois, se o acúmulo de forças se dá principalmente sob a forma de guerra de posições (travada nas mais diversas formas, extra institucionais e institucionais), a contradição com a velha sociedade só se resolve com uma vitoriosa guerra de movimento, ou seja, com uma ruptura revolucionária, em todos os níveis.

Além disso, governo Bolsonaro enfraqueceu ainda mais as capacidades estratégicas para a construção de uma alternativa socialista. Deu continuidade, de modo ainda mais brutal, ao processo de privatizações, desindustrialização e desnacionalização de nossa economia, que havia começado com Collor, se intensificado com FHC e não foi interrompido nos governos do PT. A privatização, de fato, vem se ampliando, atingindo hoje a Petrobras (refinarias e poços de petróleo), a BR Distribuidora, a Eletrobrás, a CEITEC (estatal produtora de microchips), além de ferrovias, portos e aeroportos. No período, também ocorreram privatizações promovidas por governos estaduais, inclusive do PT. Além disso, houve a quebra de direitos trabalhistas e previdenciários, o enfraquecimento do mercado interno, ataques ao SUS, à educação pública e à produção científica. O governo ainda vendeu a participação de estatais em outras empresas.

Todo esse estrago, por outro lado, deve nos animar à luta pela reestatização dessas e de outras empresas antes privatizadas, pois isso é exigência para a construção de um projeto de soberania nacional e transição ao socialismo.

As novas tecnologias de informação e comunicação, a democracia, a soberania nacional e a transição ao socialismo

O surgimento da internet como meio de comunicação amplamente disponível, há cerca de 30 anos, despertou expectativas otimistas sobre a possibilidade de democratização das comunicações, gerando uma possibilidade dialógica em que o receptor passava a ser também produtor de conteúdos e mensagens.

Porém, em pouco tempo, grandes corporações capitalistas de comunicação começaram a controlar não somente grandes portais, como um conjunto de ferramentas em rede. Passaram assim a dominar não somente os meios de comunicação tradicionais, como a se tornar grandes empresas monopolistas, que são hoje núcleos decisivos da economia e que estão no topo da acumulação de capital.

O uso recente dos aplicativos e plataformas de comunicação da internet na ofensiva de fake news do conservadorismo e da extrema direita, em vários países do mundo, com a obtenção de bons resultados para essas forças em casos como Brexit do Reino Unido e eleições de Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil e outras em países da África, Ásia e Leste Europeu, chamou a atenção para o potencial de manipulação dessas ferramentas.

A partir de bancos de dados capturados através do Facebook e Google e usando o Facebook ou WhatsApp como plataformas de divulgação de mensagens, essa técnica de manipulação política consegue identificar não somente tendências políticas, ideológicas e elementos psicossociais que já eram identificados pelas técnicas de pesquisa sociológica, da ciência política e da psicologia, como ir mais adiante.

Agora, é possível fazê-lo de modo a identificar as particularidades de grupos e subgrupos sociais e ideológicos ainda mais restritos e até indivíduos, permitindo o uso de uma comunicação direta que explora, de modo diferenciado e focado, as opiniões, sentimentos e emoções, no sentido de provocar reações dos indivíduos de acordo com suas pretensões político-ideológicas. Tanto gera reações de rejeição a determinadas lideranças políticas, como a partidos e concepções ideológicas, especialmente “identificadas” ou marcadas como sendo “de esquerda” ou supostamente de esquerda, para demonizá-las e, assim, criar um clima político favorável a determinadas plataformas políticas, partidos e candidaturas.

Portanto, são técnicas que identificam uma situação psicossocial e, dentro dela, toda uma variedade de elementos que podem ser explorados de forma manipulada, para criar as condições favoráveis a determinados candidatos (de direita e extrema direita) ou questões em momento de decisão (como o caso do referendo do Brexit), para então descarregar mensagens, massivas e repetitivas, específicas para cada tipo de eleitor.

São as “Fake News”, notícias falsas, às vezes baseadas em algum fato real, inventadas para desmoralizar lideranças, figuras públicas, intelectuais, partidos, movimentos sociais, instituições do estado e da sociedade civil, e até mesmo grandes empresas de mídia liberais, assim como concepções políticas e ideológicas.

Isso é um fato recente que agrega capacidade manipulativa ainda mais nefasta e destrutiva para a burguesia e a direita política, que já contava com os grandes meios de comunicação tradicionais como a TV e o rádio, que, de fato, nunca foram imparciais e nem expressões de notícias realmente verdadeiras. Assim, o regime liberal-democrático representativo se torna ainda mais manipulado.

Portanto, essas ferramentas passaram a ser instrumentos cada vez mais fortes, não somente políticos e ideológicos, mas também na estrutura econômica. São, assim, instrumentos de manipulação do processo de informação cotidiano. Mas, além disso, também são instrumentos de forte controle social permanente, tanto do controle interno aos países, como também, em nível internacional, tornando-se mecanismos de aprofundamento da dependência econômica dos países da periferia.

Aquele espaço que apareceu aparentemente mais livre para ser ocupado, inclusive pela esquerda, hoje serve para aprofundar o controle e a manipulação da informação por grandes empresas proprietárias dos portais e das “redes sociais”.

Eles agem com seletividade e censura das matérias postadas, mas servem também como instrumentos de informação, espionagem e contrainformação. Tanto os aparelhos de uso individual, como os de empresas, estados e de seus agentes políticos são rastreados pelas próprias plataformas.

Além disso, soma-se o controle exercido por alguns estados, de modo direto, pois toda a mídia (estatal ou de empresas capitalistas privadas) é diretamente controlada pelo estado. Mas, as grandes plataformas capitalistas privadas dos estados capitalistas tradicionais também têm comprovados vínculos com os órgãos de informação e contra-informação de seus estados.

Assim, como regra geral, todos os estados que detêm o controle direto ou indireto de grandes plataformas detêm também o poder de censura e bloqueio, através do uso de plataformas e canais. Esse controle é exercido tanto sobre as mensagens vindas de outros países em seus territórios, como também se aprofundou seu poder de controle sobre seus cidadãos, tanto do povo como das empresas. Além disso, multiplicaram-se os mecanismos de informação e espionagem privada, “legal” ou ilegal.

O mesmo problema acontece com o fornecimento de infraestruturas de telecomunicações, como a Internet. São muito poucas as empresas transnacionais que têm tecnologia e capitais em condições de fornecer essa infraestrutura com competitividade.

Na prática, hoje são três grandes empresas capitalistas monopolistas: a Huawei (China) a Ericsson (Suécia) e a Nokia (Finlândia), que estão na ponta do fornecimento desse tipo de infraestrutura para os países.

Ademais, há uma grande concentração também da tecnologia e máquinas capazes de produzir semicondutores (microchips) mais avançados. São poucos países e empresas, especialmente Coreia do Sul, Taiwan, EUA e Holanda, que detêm patentes dos microchips ou das máquinas para a sua fabricação. Nessa tecnologia específica, a China ainda está mais atrasada, porém investindo pesadamente para recuperar a sua defasagem.

Além disso, há um avanço cotidiano de monopolização (através de fusões e incorporações, privatizações, exportação de capitais e desnacionalizações) das grandes empresas de telecomunicação, também chamadas de operadoras e provedores.

Portanto, o controle se dá não só nos meios de comunicação stricto sensu (tradicionais como TV e rádio nacionais, agências de notícias internacionais, canais por assinatura transnacionais, portais de comunicação nacionais ou internacionais da internet). Ele ocorre também nas novas plataformas de comunicação em rede, que igualmente são instrumentos de informação e contrainformação política e de mercado, nas redes de infraestrutura de Internet, na produção de semicondutores e nas empresas provedoras de telecomunicação.

Enfim, entre esses ramos da grande área de comunicação e telecomunicações, existe todo um entrelaçamento de capitais e empresas, privadas e estatais, de países diferentes e até concorrentes. Há também vínculos empresariais diretos com um conjunto de empresas de produção de aplicativos, máquinas e equipamentos de comunicação, de empresas dos setores da chamada “indústria cultural”, do esporte e lazer e mesmo de outros setores industriais, comerciais, de serviços e do capital financeiro.

No caso do Brasil, portanto, estamos submetidos a poucas corporações de comunicação, em todos os sentidos, nacionais e transacionais. Nas redes de comunicação internas estão meia dúzia: Globo, Record, SBT, Bandeirantes, UOL/Folha de São Paulo, Estado de São Paulo. Há três grandes provedores de telecomunicação transnacionais: VIVO (Telecom/Espanha), TIM (TIM SpA/Itália) Claro (América Móvil/México). Cerca de metade do mercado de infraestrutura de internet é fornecido por uma empresa chinesa (Huawei) e a maior parte restante pela Nokia (Finlândia) e Ericsson (Suécia), além de outras.

Além disso, praticamente não temos empresas nacionais de produção de semicondutores (microchips), já que a única empresa brasileira do setor, a estatal CEITEC (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) – um embrião muito importante, mesmo que ainda de tecnologia defasada em termos internacionais – foi colocada em liquidação pelo governo Bolsonaro. Portanto, estamos totalmente dependentes da importação de semicondutores.

Para completar, o atual governo ainda anunciou a privatização dos Correios, do Serpro e da Dataprev (que acabaram sendo adiadas) o que, se for efetivado, será mais um passo na alienação de nossa soberania nos meios de comunicação e da informação. Um risco que continua existindo no futuro.

Sem enfrentar esse profundo quadro de controle das comunicações, telecomunicações e informação por empresas e transnacionais baseadas no estrangeiro (e, direta ou indiretamente por estados estrangeiros), não há como garantir a liberdade de expressão nem, muito menos, superar a dependência econômica, tecnológica, política, cultural e a soberania e segurança nacional.

Somente construindo meios próprios, como tarefa estratégica, será possível superar a dependência e realizar a transição ao socialismo. Mas esta questão precisa estar também em nossa luta desde hoje. Ademais, sem construir meios de comunicação e informação próprios para nossa luta na batalha de ideias, na informação e contrainformação, tanto para a organização dos movimentos e organizações populares e socialistas como para a nossa segurança, não será possível acumular forças revolucionárias estratégicas.

Este é, assim, um grande desafio estratégico e uma luta para hoje. Portanto, o uso das fake News como máximo de manipulação informativa jamais visto, é apenas um dos aspectos nocivos do uso das novas tecnologias da informação e comunicação.

A Luta pelo Socialismo é uma Luta de Massas

Num país como o nosso, com toda essa complexidade histórica, cultural, estrutural, étnica e geográfica; num país com essa complexidade das formas e instrumentos de hegemonia, a luta e a construção do socialismo não podem ser uma obra de poucos e, ainda menos, usando formas restritas de luta. Não pode ser nem uma luta de pequenos grupos sectários ou mesmo militarizados, nem apenas sustentada em articulações de cúpulas governamentais, parlamentares, partidárias, sindicais ou de outros movimentos burocratizados.

A revolução social só poderá nascer como fruto de uma imensa luta de massas, como tarefa de milhões de brasileiras e brasileiros. De todos aqueles que são explorados, oprimidos e discriminados pelo capitalismo e seu estado – das mais diversas formas: proletários (como os operários industriais, os assalariados em geral, os subempregados), jovens, camponeses, intelectuais, pequenos produtores rurais, pequenos proprietários urbanos, povos indígenas, negros, mulheres, jovens, homossexuais, sem-terra, sem-teto, trabalhadores informais, precarizados, desempregados etc. Enfim, essa é uma luta de todos os grupos sociais e cidadãos que sofrem a exploração, a opressão, a alienação e a degradação do meio ambiente que o capitalismo impõe no Brasil. De todos os que querem valorizar a resistência cultural de nosso povo. De todos os que querem uma sociedade mais humana e anseiam a soberania nacional.

Assim, o objetivo maior de nossa atuação militante coletiva é contribuir para que milhões de brasileiros participem da luta e dos movimentos políticos de caráter popular.

Nossos Objetivos Estratégicos

São, portanto, objetivos estratégicos do socialismo revolucionário: a) a construção de um movimento de massas classista, anti-imperialista, democrático, ecossocialista e contra todas as opressões; b) um movimento que resgate e recupere nossa história de luta e a diversidade étnica, cultural e regional do nosso povo, ao mesmo tempo em que desenvolve a solidariedade internacionalista; c) a construção de organizações de massa, dos mais diversos setores, enraizadas nas bases e em crescente superação do corporativismo e do burocratismo; d) uma política de construção partidária que combina uma organização revolucionária comunista de vanguarda (a APS) com um partido socialista, democrático de massas (o PSOL), com ação nos movimentos, na institucionalidade e nas redes sociais[5]; e) fazer a propaganda do socialismo e lutar pela reconstrução do ideário socialista, combatendo a social-democracia, o social-liberalismo e as concepções e práticas liberais, burocráticas, autoritárias, sectárias e stalinistas presentes na esquerda; f) defender o Programa Democrático e Popular, que tem os seguintes eixos: anti-imperialista, antimonopolista, antilatifundiário, ecossocialista, radicalmente democrático e contra todas as opressões sob a hegemonia dos trabalhadores e em direção ao socialismo; g) Construir uma frente política e social com amplitude, radicalidade e unidade capazes de defender e realizar o programa democrático e popular; h) avançar na solidariedade internacional ativa e travar lutas comuns com os trabalhadores/as e os povos explorados e oprimidos da América Latina e do mundo.

O acúmulo de forças e a luta contra-hegemônica pelos ideais socialistas e libertários exige a abertura de espaços de participação popular, compreendendo toda a diversidade cultural, pluriétnica e regional, considerando os diversos interesses setoriais e o nível de consciência política e disposição de luta. E se desenvolverá com a utilização das mais diversas formas e instrumentos de luta no meio do povo, na sociedade e na institucionalidade estatal, assim como a construção de estruturas econômicas de base territorial (rural e urbana), com o objetivo da apropriação coletiva da riqueza produzida a partir das potencialidades oferecidas pelos movimentos sociais e populares do campo e da cidade.

Portanto, quando falamos em acúmulo de forças prolongado, estamos falando principalmente numa ação estratégica que requer o exercício e o cumprimento de tarefas e vivências políticas, organizativas, culturais, administrativas, militares e econômicas. São tarefas e vivências a serem cumpridas não somente pelos setores de vanguarda política, mas pelos próprios trabalhadores e o povo. Entretanto, não será possível construir o socialismo através de reformas progressivas, “passo a passo”. Nem será possível, a partir de projetos de “economia solidária”, construir outra sociedade alternativa, por dentro do capitalismo, sem a conquista do poder político popular.

Sendo assim, o sentido do acúmulo de forças prolongado é menos o de uma ação prolongada no tempo e mais o da necessidade de serem cumpridas certas tarefas para que se possa viabilizar vitoriosamente uma ruptura revolucionária.

O Sujeito Histórico Revolucionário Anticapitalista e Anti-imperialista são os Trabalhadores

As recentes mudanças nas relações sociais de produção geradas pela revolução tecnocientífica e a mundialização dos mercados mudaram bastante o perfil das classes sociais no Brasil. O grande capital monopolista e o imperialismo nos dividem. As particularidades dos diversos setores populares nos diferenciam. Mas, apesar de nossas diferenças, precisamos nos unir contra o capital.

O Brasil é um país plenamente capitalista, com grande concentração de cerca de 85% de nossa população vivendo nas cidades, principalmente grandes e médias. O povo brasileiro são dezenas de milhões de mulheres e homens que vivem do trabalho. Estão espalhados por todo o país, produzindo sob diversas relações de trabalho, desde o assalariamento formal (carteira assinada) ou informal (sem carteira) a diversas e múltiplas formas, ainda mais precarizadas, sob a forma de “autônomos”, cooperativados de fachada, “empresários” individuais, “empreendedores”, “uberizados” etc. São formas diversas encontradas pelo capital para melhor explorar o trabalho.

Estão na indústria, no comércio, no setor de serviços, no setor financeiro, na agropecuária, na mineração e em atividades domésticas. São trabalhadores do setor privado e servidores públicos e do chamado terceiro setor. Vendem sua força de trabalho diretamente ao patrão, ou sendo terceirizados e quarteirizados. Há uma massa de milhões de precarizados, subempregados, desempregados sazonais ou crônicos e catadores de resíduos. Há os que desistiram de procurar emprego. São operários e camponeses, sem-terra, sem teto e moradores em bairros urbanos e localidades rurais precárias. São dezenas de milhões que vivem, em sua grande maioria, com um salário menor do que deveria ser o salário-mínimo. São trabalhadores “manuais” e “intelectuais”.

Mas há também alguns milhões que são pequenos produtores individuais ou coletivos, que trabalham e produzem coletivamente em formas tradicionais, como os indígenas, quilombolas, posseiros, extrativistas. Ou estão em organizações novas de produção coletiva no campo, na economia solidária, em fábricas ocupadas, cooperativizados autênticos. Ou são pequenos produtores individuais, camponeses com pouca terra, artesãos, pequenos comerciantes e pequenos empresários. E não podemos esquecer as “donas de casa”, cujo trabalho não tem visibilidade e é desconsiderado.

Enfim, é um imenso mundo de proletários e pequenos produtores que, sob diversas formas, vendem sua força de trabalho para a realização da mais valia e são desprovidos dos meios de produção. Ou seja, mesmo os que não têm um patrão formal também estão inseridos no ciclo de reprodução do capital. São todos trabalhadoras e trabalhadores. São o mundo do trabalho. Essa é a classe dos que vivem do trabalho.

Esses são os que vivem do trabalho, mas também que estão entrecruzados por várias outras identidades e diferenças. São iguais, porque vivem do trabalho e estão do outro lado do capital. Têm as diferenças impostas pelo capital, que fragmenta a classe objetivamente com suas múltiplas formas de relações de exploração, opressão e dominação. Mas há também as diferenças de nossas identidades valorizadas positivamente. São mulheres e homens; negros, brancos, indígenas, orientais, mestiços de vários tipos; de muitas origens étnicas brasileiras e imigrantes de todos os recantos do mundo, voluntários ou forçados por diásporas. São LGBTQIA+, jovens, adultos, idosas e idosos, portadores de deficiência. Com tradições regionais, religiosas, culturas diferenciadas e tradições impostas pelos dominantes ou de resistência e luta. Que valorizam essas identidades e diferenças positivas, mas lutam pela igualdade substantiva, como trabalhadoras e trabalhadoras – que só pode ser real com o fim da exploração do capital. E o capital que nos separa é o capital que nos une na luta contra ele. Esse é o povo.

São a base social na qual repousa a possibilidade de se construir uma vanguarda social, política e cultural. Dessa base social todo dia nascem lideranças espontâneas, uma vanguarda social. Essa é a base da sociedade da qual nasce a força social revolucionária, os intelectuais do povo que dirigem as pequenas e as grandes organizações e frentes de mobilização e luta das massas populares de nosso país. São a base da qual nasce o sujeito de vanguarda política, ideológica e cultural: as organizações político-partidárias socialistas, comunistas, revolucionárias reformistas radicais, libertárias, emancipadoras.

Apesar das diferenças, todas/os têm uma questão fundamental em comum: todos são explorados pelo capitalismo. Todas/os têm um inimigo comum: o grande capital monopolista (nacional ou estrangeiro) e o imperialismo. Todas/os são parte da ampla classe trabalhadora. São o povo explorado, oprimido e discriminado. Esses são os únicos capazes de se emancipar, emancipando o Brasil e a humanidade. Por isso, nós da APS cantamos: “eu sou do povo, sou comunista, sou da Ação Popular Socialista”.

A Luta de Classes e a Resistência Histórica Indígena, Negra e Popular

Depois de mais de 500 anos da invasão do território brasileiro pelos portugueses, a classe dominante, através do estado, de suas organizações civis, empresas e da mídia, continua insistindo na tese do congraçamento de raças e classes.

Como temos afirmado, não é possível fazer uma revolução sem os sujeitos dessa revolução. Também não existem sujeitos sem identidade. Mas essa identidade revolucionária não se construirá somente através das relações econômicas ou a partir das crises econômicas, sociais e políticas conjunturais. Daí porque é indispensável resgatar a tradição de luta popular dos brasileiros, para que venhamos a ser os sujeitos da construção de nosso futuro como povo, como nação e como parte da luta internacional de todos os oprimidos.

A luta contra a exploração capitalista das classes trabalhadoras, contra o imperialismo, o genocídio atual, por liberdades e direitos democráticos, tem raízes na história de lutas contra o genocídio dos povos indígenas e negros, o colonialismo, o escravismo e por uma república democrática. Essa é uma questão fundamental que deve continuar presente na luta contra-hegemônica, principalmente no sentido de resgatar a esperança, a capacidade de luta e a autoestima de nosso povo. Somos um povo lutador que, apesar das derrotas que sofreu, tem também uma história de lutas e de glórias, que continua resistindo à opressão e lutando por sua emancipação.

Nesse contexto, o combate ao racismo se coloca como um dos elementos fundamentais da estratégia socialista porque desconstrói o mito da democracia racial e luta pela aplicação de políticas de ação afirmativa para a promoção da igualdade e a proteção dos direitos de grupos raciais e étnicos discriminados e alvo de formas de intolerância, com ênfase na população negra e indígena, afrodescendente e indígena descendente.

A resistência, muitas vezes, se expressa de forma religiosa, procurando resgatar o que há de mais forte no sentido da combatividade, da fraternidade e do sentimento comunitário presentes no cristianismo ou nas religiões de origem indígena ou africana ou em manifestações de sincretismo, tão comuns no Brasil e em outros países da América Latina. São movimentos e manifestações que precisam ser considerados não somente por sua importância histórica, mas também por sua atualidade expressa concretamente nos diversos movimentos progressistas, democráticos, reformistas e revolucionários dos setores à esquerda nas igrejas. Assim, na luta pelo socialismo em nosso país, faz-se necessária uma síntese não apenas capaz de dar conta de enfrentamentos objetivos, mas também de reconstruir o discurso revolucionário a partir do imaginário popular, nacional e regional.

Nesses mais de 500 anos de resistência, na maioria dos casos essas foram lutas que não chegaram a ter uma dimensão política e territorial nacional, pois foram mais regionalizadas. Mas esses movimentos, dentro de condições históricas concretas que existiram, construíram nossa história de resistência à opressão. E neles, os nossos verdadeiros heróis deram as suas vidas para transformar suas utopias em realidade e construir um mundo mais justo, um país soberano e uma sociedade fraterna.

São esses mais de “500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular”, que a burguesia e o imperialismo de hoje, como os senhores de escravos e colonizadores de antes, querem manter no esquecimento. Ou canalizar para um sentido social-liberal ou de mobilidade social individual, ou exclusivamente simbólica. Ou mesmo apenas para manipulações através do marketing comercial ou político, ou para atrair audiência nas mídias comerciais ou “likes” nas redes sociais – sem contestar a sociedade de classes atual. Mas, essas lutas só serão consequentes se articuladas com a luta anticapitalista, anti-imperialista e pelo socialismo. É essa história que precisamos valorizar com radicalidade.

Luta Democrática, Luta por Reformas e a Revolução

Portanto, os mais diversos movimentos populares podem ter um papel estratégico a cumprir na luta pelo socialismo no Brasil e para a sua construção após a conquista do poder. Mas, para isso, não podem se limitar a motivações imediatas e muito menos podem ser vistos com objetivos exclusivamente eleitorais. Nesse sentido, devemos combater a quebra de sua autonomia pelo estado e o seu atrelamento a partidos ou grupos políticos eleitoreiros. Por outro lado, a autonomia dos movimentos sociais frente ao estado e à burguesia não é somente organizativa. Precisa ser principalmente política e ideológica. Assim, essa autonomia efetiva e a construção de uma nova hegemonia exigem uma nova correlação de forças na qual se estejam construindo as condições para a conquista do poder político pelos trabalhadores e todos os oprimidos.

Numa estratégia revolucionária, a auto-organização popular é um dos objetivos centrais. Sem isso, não haverá revolução socialista. Mas, num país e num período como o que vivemos, a luta revolucionária exige também a intervenção nos espaços institucionais do estado.

Em nossa ação no parlamento ou, eventualmente, em prefeituras e governos estaduais ou federal[6], podemos fazer denúncias, oposição e propaganda de nossas propostas, mostrando o que somos e contribuindo para melhorar as condições de vida do povo. Mas essa não é uma tarefa puramente administrativa e feita “para o povo”. Requer, antes de tudo, que sejam governos populares, que permitam o reforço de uma ação política contra-hegemônica.

Trata-se centralmente de fazer isso ampliando a disputa de hegemonia na sociedade, o que exige uma profunda e crescente participação popular nas decisões de governo. São questões de princípio geral a votação no parlamento a favor dos interesses populares e nacionais e a inversão de prioridades na destinação das verbas dos executivos, além de atuar nessas áreas com base na competência administrativa, na honestidade e na transparência no trato da coisa pública.

Porém, isso não é suficiente dentro de uma estratégia revolucionária, pois o socialismo exige a superação desta institucionalidade e deste estado. Assim, a nossa luta por reformas e democracia e a ampliação da participação popular pode criar melhores condições para a luta política de massas. Mas, isso não é possível apenas atuando por dentro do estado nem globalmente conquistado dentro dos parâmetros institucionais hoje existentes. Nem devemos submeter a estratégia revolucionária às lógicas institucionais imediatistas.

Por tudo isso, desde hoje fica clara a necessidade de avançar para romper com a ordem burguesa, apesar de termos consciência de que hoje todas as condições para isso ainda não existem. Essa ruptura revolucionária é colocada, antes de tudo, pela própria classe dominante, que nunca aceitou a vontade de uma maioria quando esta quer a transformação radical e o fim dos privilégios de classe. A história da burguesia tem sido de golpes, repressão e até mesmo de desrespeito às suas próprias leis quando estas criam dificuldades para seus mesquinhos interesses imediatistas, classistas ou apenas grupistas.

Por isso, o povo tem o direito à autodefesa e à insurgência contra sistemas injustos e tirânicos. Essa é a nossa grande diferença com a democracia liberal burguesa, o social-liberalismo e o nacional desenvolvimentismo hoje predominantes na chamada “esquerda”. Para nós, a democracia tem um valor estratégico, pois lutamos por uma democracia socialista[7]. Enquanto isso, para a burguesia, que faz o discurso da democracia como “valor universal”, esta tem apenas um valor instrumental e, taticamente, pode ser usada ou desrespeitada.

A Revolução Socialista e a Questão Nacional

Nenhum projeto revolucionário se sustenta apenas em sua dimensão classista. Mesmo porque a luta de classes não se manifesta, explicitamente, sempre como tal. Daí a renovada importância da questão nacional num período que traz novas relações entre o nacional, o regional, o local e o global.

Por um lado, está mais difícil implantar projetos nacionais sem confrontos com o imperialismo. Por outro, os ataques do imperialismo na sua atual fase às nações como o Brasil, com características de neocolonialismo, reacendem a questão nacional. Porém, temos claro que já não existem vias de desenvolvimento nacional do capitalismo e nenhum setor da burguesia está preocupado ou interessado em dar conta das tarefas nacionais. Só o povo trabalhador pode cumpri-las com caráter anti-imperialista, popular e democrático. E, mais do que nunca, está claro que o socialismo só se constrói como projeto internacional e internacionalista, mas o território nacional continua sendo o principal de nossa luta.

A implementação das políticas neoliberais determinadas pelo capital financeiro, no Brasil, desde o governo Collor até Bolsonaro, resultou, entre outras coisas, na exacerbação das características e contradições mais perversas do capitalismo dependente. Aprofundam-se os mecanismos que, simultaneamente, associam as classes dominantes nativas ao capital das grandes potências imperialistas e tornam mais pesada a exploração dos trabalhadores e a destruição ambiental. A chamada “globalização financeira” acentuou a dependência e a magnitude do fardo das causas estruturais do sofrimento do nosso povo: a dívida pública, a desindustrialização, o endurecimento da superexploração do trabalho e a quebra dos direitos duramente conquistados.

As diretrizes do capital financeiro exigem que os estados periféricos abram mão de governar autonomamente seus respectivos países. Esses países são subordinados a organismos internacionais a serviço do grande capital, como o FMI, que impõem, em troca de suposto “auxílio”, medidas antipopulares.

Outras dimensões da “questão nacional” estão conhecendo significativa fragilização, com a aplicação do receituário neoliberal. Nosso povo tem experimentado os efeitos de um padrão de acumulação predatório e esterilizador das potencialidades de desenvolvimento nacional que nos coloca numa trilha regressiva. Crescem, com isso, as desigualdades regionais e aumenta a concentração de renda e riqueza.

As contrarreformas e as privatizações, por seu turno, desarticulam o núcleo de empresas que, sob propriedade estatal, podem ser uma potente ferramenta para construir um projeto nacional. Em segundo lugar, depreciam a poupança nacional materializada naquele que já foi o parque produtivo mais diversificado do chamado “terceiro mundo”. Em terceiro lugar, impulsionaram um processo de desnacionalização do aparelho produtivo e do sistema financeiro. Essa política trabalhou para desarticular (em favor do capital internacional) o tripé capital estatal, capital estrangeiro e capital privado nacional, que impulsionou e sustentou o desenvolvimento capitalista no Brasil (mesmo que de modo dependente), antes e durante o período da ditadura militar burguesa.

Os governos de Lula da Silva, Dilma Rousseff, Temer e Bolsonaro confirmaram que nenhum segmento do grande capital interno tem interesses antagônicos ao imperialismo e aos capitais estrangeiros de qualquer origem e que: 1) confirma-se o caráter ilusório da tese que o PCB/PCdoB defenderam, notadamente nos anos 50/80, sobre a existência de uma suposta “burguesia nacional” anti-imperialista, em nossa formação social; 2) evidencia-se, claramente, que a política do capital financeiro radicaliza a dependência do “capitalismo brasileiro” aos centros imperialistas, submetendo-o, inclusive, à dinâmica que subordina a acumulação capitalista à dimensão financeira e ao seu traço parasitário que marcam, hoje, o imperialismo; 3) que o neodesenvolvimentismo atual do PT e do PCdoB não é capaz de romper a dependência nacional ao imperialismo; 4) que o ultraliberalismo aplicado no governo Bolsonaro destrói ainda mais os recursos nacionais e aprofunda a dependência; 5) que novos governos que apliquem modelos neodesenvolvimentistas não serão capazes de promover um verdadeiro desenvolvimento nacional.

Apesar de todos os ataques e destruições que o Brasil vem sofrendo, continuamos tendo um enorme potencial de recursos naturais que podem construir e são necessários para a construção nacional. Tanto os recursos energéticos e minerais, como para a produção de alimentos e matérias primas. Mas, para isso acontecer, é indispensável que se tenha como base a soberania nacional, a segurança e a soberania alimentar do povo, a proteção ambiental e o pertencimento a um programa e a um governo sob a hegemonia da classe trabalhadora em direção ao socialismo.

Não é Possível Construir um Capitalismo Nacional Independente

Ou seja, o capitalismo atual, além de tornar a economia nacional uma variável dependente das estratégias de internacionalização das corporações e estados das várias potências imperialistas, não dá espaço para vias particulares nacionais de desenvolvimento capitalista. Nessas condições, sete conclusões se impõem quanto à questão nacional, no quadro do capitalismo dependente, hoje: 1) a dominação burguesa não resolve o problema nacional; 2) a burguesia nativa tem certas contradições com o capital estrangeiro, mas não ao ponto de assumir as demandas nacionais anti-imperialistas; 3) a ordem do capital desencadeia movimentos que operam para a desconstrução das nações da periferia; 4) o nacional desenvolvimentismo subordinado e associado ao capital estrangeiro, especialmente na sua forma atual, ainda mais rebaixada, de neodesenvolvimentismo, aplicado pelos governos federais e estaduais do PT, reproduzem e aprofundam a dependência, a desindustrialização e a hegemonia do grande capital, especialmente o financeiro e do setor primário-exportador; 5) o ultraliberalismo aplicado a partir do golpe do impeachment, nos governos de Temer e Bolsonaro, destroem ainda mais as condições materiais para uma via capitalista nacional; 6) a questão nacional é uma contradição que afeta (de conjunto) a maioria dos segmentos de nossa formação social; 7) a questão nacional é um problema chave para os trabalhadores, para as maiorias nacionais e para a esquerda, caracterizando-se como uma das tarefas centrais da revolução socialista no Brasil.

Nesse quadro, só os trabalhadores e o povo podem resolver consequentemente a “questão nacional”. Em primeiro lugar, porque o imperialismo não é um ente apenas externo à nossa formação social, já que é parte orgânica do próprio capitalismo aqui dominante. Em segundo lugar, porque a grande burguesia interna não tem interesses antagônicos aos capitais dos EUA, Alemanha, China, Japão ou outros centros. Os “nossos” grandes capitalistas associam-se de modo subalterno aos capitais imperialistas de qualquer origem. Assim, em terceiro lugar, ao contrário do que formulou o PCB/PCdoB historicamente, os trabalhadores e o povo não devem aliar-se estrategicamente e nem, muito menos, colocar-se sob direção da “burguesia nacional”, para lutar contra o “inimigo externo” (o imperialismo norte-americano) e seus aliados internos, por uma hipotética “revolução nacional-democrática”, para desenvolver um capitalismo nacional e só depois partir para uma “etapa” socialista.

Muito menos, como formulam ainda hoje PT e PCdoB, existe a possibilidade de um verdadeiro desenvolvimento pela via do “neodesenvolvimentismo”, em aliança até com o setor primário-exportador, o capital financeiro e capitais imperialistas.

Os Sujeitos do Projeto Nacional são a classe trabalhadora e o Povo Oprimido

Assim, reafirmamos que cabe às trabalhadoras, aos trabalhadores e às forças populares retomarem com vigor a elaboração e a defesa de um projeto nacional na sociedade brasileira. Um projeto que se proponha a inspirar um amplo e vigoroso movimento de massas, por reformas profundas no país. Essas reformas devem ser traduzidas em objetivos, metas e propostas facilmente compreensíveis, capazes de ganhar o imaginário e de empolgar as maiorias nacionais para as ideias de soberania nacional, de democratização da propriedade, da renda, da comunicação e do poder.

Esse projeto encontra expressão no Programa Democrático e Popular, sob a hegemonia dos trabalhadores e em transição ao socialismo. Esse é um projeto que se volta, prioritariamente, para o enfrentamento dos grandes problemas do nosso país. Dentre eles: a perda da soberania nacional; o desemprego; a concentração da riqueza, da propriedade e da renda; a fome; a pobreza; o mito da “democracia racial” brasileira, que reproduz estrutural e institucionalmente o racismo contra a população negra; as opressões que pesam sobre as mulheres e a população LGBTQIA+; as diversas formas de agressão e desrespeito aos direitos dos povos indígenas. Também enfrenta a destruição ambiental; o desmonte dos serviços públicos; a crise urbana; o esgotamento da infraestrutura básica; o controle que os oligopólios privados exercem sobre a vida nacional. Defende a educação e a saúde públicas; ataca o monopólio privado dos meios de comunicação; o elitismo, o autoritarismo e a ineficácia do poder judiciário. Opõe-se à marca antidemocrática do sistema político e partidário; à tutela militar incrustada na constituição; à militarização da polícia e seu sentido de força de extermínio contra os “deserdados da terra” etc.

Esse é, assim, um programa cuja evidente radicalidade consiste no fato de atacar as bases e a lógica de funcionamento do capitalismo no Brasil.

Porém, a defesa de um projeto nacional está cravada também no período conjuntural e é um meio de “conectar” o combate pelo poder às lutas de um presente em que a relação de forças pende para o lado dos “de cima”, pois o capitalismo não é (ainda) antagonizado por demandas diretamente socialistas.

O Programa Democrático e Popular precisa ser sempre aprofundado e atualizado. Porém, é absurda a tese de que esse programa foi o responsável pelas políticas social-liberais e neodesenvolvimentistas dos governos do PT. Ao contrário, a estratégia de conciliação de classes sob hegemonia da burguesia, que tem marcado a ação da chamada “esquerda” nos governos de nosso país nos últimos anos, deve-se justamente ao abandono do Programa Democrático e Popular especialmente pelo PT e pelo PC do B e o governo Lula da Silva/Dilma Rousseff.

Uma condição para o avanço na luta contra o capital financeiro é a correta articulação entre a resistência ao neoliberalismo e a defesa de um projeto de país, que vincule o chão da luta de classes, no presente, a um horizonte de ruptura com a ordem neoliberal.

Enfim, o PDP hoje deve ser um programa anti-imperialista, antimonopolista, antilatifundiário, democrático radical, ecossocialista e contra todas as opressões[8]. É o programa de transição ao socialismo adequado à realidade da formação social brasileira.

A luta pela Terra, a Reforma Agrária e o Socialismo

A questão da terra é um problema estrutural, permanente e persistente na história do Brasil. Antes mesmo da invasão portuguesa de 1500, o Tratado das Tordesilhas já havia dividido nossas terras entre Portugal e Espanha. Assim, a primeira “cerca” que dividia as terras brasileiras chegava antes mesmo de Cabral. De lá para cá, a luta pela terra foi permanente: muitas resistências, sonhos e lutas que marcaram o imaginário do nosso povo e que hoje dão uma forte sustentação política e cultural à luta pela reforma agrária no Brasil, mesmo entre a população urbana.

Isso deu bases materiais, culturais e políticas para que a luta pela Reforma Agrária tomasse a grande dimensão que tomou, com o crescimento de diversos movimentos de sem-terra e organizações camponesas. Antes deles, houve a resistência indígena e quilombola. Além disso, porque, diante do comportamento extremamente conservador e reacionário da burguesia brasileira nessa questão, somente os trabalhadores e povo podem levar adiante, até as últimas consequências, a luta pela reforma agrária em nosso país.

Assim, além de ser um importante fator de mobilização de massas e de luta pela terra, cumprindo um papel conjuntural, a luta pela reforma agrária é um componente fundamental do projeto nacional e da luta pelo socialismo em nosso país. Do ponto de vista programático, a reforma agrária é um mecanismo indispensável para enfrentar a fome, o desemprego e instituir um mercado de massas no Brasil. Por outro lado, é um espaço para a construção de um cooperativismo e coletivismo que contribuam para a construção do poder popular no campo, tanto do ponto de vista da produção, administração e comercialização, quanto do ponto de vista político e cultural e para uma situação de confronto mais generalizado da luta social. Nesse sentido, a Reforma Agrária precisa ser radical, antilatifundiária e agroecológica, não se restringindo às áreas “improdutivas”.

Mesmo porque, nos últimos 60 anos, a estrutura agrária e a produção agropecuária, influenciadas pelo mercado internacional dos commodities,  passaram por profundas transformações, com o aprofundamento de relações tipicamente capitalistas, como o assalariamento, a mecanização, a sofisticação tecnológica em todos seus aspectos, uma maior concentração de terras, monopolização empresarial e destruição ambiental, gerando todo um complexo de produção, beneficiamento, distribuição e financiamento, chamado agronegócio.

Mas, além disso, há a pequena produção familiar e os povos tradicionais, como os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e comunidades de fundo e fecho de pasto. Nesse sentido, é preciso garantir as diversas formas de propriedade comunitária existentes e realizar um diálogo permanente, estratégico e tático, com os povos e comunidades tradicionais que resistem em seus territórios e que se organizam regionalmente, nacionalmente e internacionalmente, a exemplo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), da COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), diversos conselhos e organizações locais e regionais de povos indígenas, POTMAS (Povos Tradicionais de Matriz Africana), quilombos e organizações quilombolas, Coletivos de Fundos e Fechos de Pastos, etc. Esse diálogo deve debater e construir estratégias e táticas de autodemarcação dos territórios por meio da cartografia social.

Além disso, o avanço do capitalismo continua expulsando as populações rurais, provocando o inchamento desordenado das cidades e da vida e trabalho precários nas cidades. Ademais, parte dos trabalhadores que vivem nas periferias das pequenas cidades e distritos voltariam ao campo se houvesse uma reforma agrária agroecológica que visasse uma ruralização do território e que proporcionasse condições de vida e trabalho satisfatórias no campo, desafogando os centros urbanos e descentralizando a oferta de bens e serviços.  

Mas essa é uma luta que não se resolve no campo nem somente com a luta dos sem-terra. A questão da terra no Brasil, como outras questões da democracia e da soberania nacional, só se resolverá com a conquista do poder pelos trabalhadores e o povo. Na realidade brasileira, esse processo passa principalmente, e se resolve, pela luta do povo trabalhador das cidades, que hoje soma cerca de 85% da população brasileira, enquanto os rurais somam 15% (mais ou menos 32 milhões de habitantes). Mas, por outro lado, também não podemos esquecer que parte do povo que mora nas periferias das pequenas cidades e distritos são trabalhadores rurais.

Além disso, a questão agrária e a luta de classes no campo no Brasil não se resumem à luta pela terra e à reforma agrária e a políticas agrícolas que incentivem a pequena propriedade. Passa pela luta dos trabalhadores rurais assalariados e, numa perspectiva socialista, pela socialização ou coletivização das grandes empresas agropecuárias e agroindustriais que, pela sua complexidade, não são passíveis de divisão e precisarão se tornar fazendas estatais ou coletivas. Enfim, a reforma agrária precisa ser feita na perspectiva ecossocialista.

O Ecossocialismo e a Transição

O sistema capitalista no Brasil e no mundo precisa de um crescimento exponencial para gerar lucros. Esse crescimento se faz com a exploração dos trabalhadores e a destruição ambiental, trazendo impactos desestabilizantes que podem levar à extinção da humanidade.

Há uma contradição profunda: o sistema precisa manter um crescimento de sua acumulação, mas a humanidade precisa de um desenvolvimento que atenda as demandas de sua própria sobrevivência junto com a do planeta.

Ademais, os países imperialistas exportam os prejuízos ambientais para a periferia do planeta, se manifestando também como imperialismo ecológico, que leva a riqueza local e transforma a natureza da periferia em “zona de sacrifícios”.

O capitalismo não tem como resolver a questão ambiental, por mais bem intencionados que sejam os ambientalistas social-liberais. Suas propostas ecocapitalistas, propagadoras/es de uma “economia verde sustentável”, que tentam reformar o sistema com supostas “soluções verdes”, como a redução da emissão de gases de efeito estufa, mantendo o imperialismo e o capitalismo, não resolvem a crise. Apenas estacionam ou retardam o nível do aquecimento global.

Somos marxistas, e o materialismo histórico e dialético nos mostra que as condições materiais de vida da classe trabalhadora e os/as oprimidos/as e a natureza são indissociáveis, pois somos seres interdependentes e ecodependentes.

Portanto, uma possível solução para evitar a ruptura metabólica do planeta seria a regulação racional do metabolismo social x natureza. Pois, afinal, tudo que se faz tem impacto na natureza.

Por isso, o objetivo do ecossocialismo é transformar o mundo organizando a classe trabalhadora e os oprimidos para se apropriarem dos meios de produção e atenderem as demandas produtivas do povo, revertendo a destruição da natureza.

Assim, o ecossocialismo defende um novo modelo civilizatório, que se inicia na nossa luta atual e passa pela conquista do poder político, para iniciar uma transição, que será política, econômica, tecnológica e ambiental.

O Internacionalismo, a Propaganda do Socialismo e a Revolução 

Um dos aspectos da construção de uma alternativa democrática e popular é o desenvolvimento de uma cultura e de uma prática política internacionalista entre a militância de esquerda e o conjunto dos trabalhadores e do povo. Em primeiro lugar, porque o acesso a informações qualificadas, alternativas àquelas que chegam pelos grandes meios de comunicação e maioria das redes sociais controladas pelos grandes monopólios transnacionais ou nacionais, é um importante auxílio para a compreensão da própria realidade nacional e para o reforço das posturas solidárias entre os oprimidos.

Esse campo de discussão e de ação deve, além disso, ser compreendido como um importante espaço para a disputa política e ideológica e para o avanço dos debates sobre os rumos da revolução no Brasil. Isso exige todo um trabalho coletivo que deve se concretizar em ações entre a militância partidária e dos movimentos sociais, uma prática e uma cultura internacionalista e latino-americanista, em especial.

Mas, a defesa do programa democrático e popular e o exercício de uma direção política combativa, anti-imperialista e democrático-radical, apesar de indispensáveis, são, porém, insuficientes para conferir uma nítida marca socialista à tal luta, no atual momento. Impõe-se um esforço continuado de disputa de valores com a burguesia e de propaganda do socialismo, por todos os meios ao nosso alcance[9].

Viva o Socialismo e a Revolução

O processo da luta e do acúmulo de forças político, cultural e organizativo das trabalhadoras e trabalhadores e todo o povo oprimido é um processo que em inúmeros momentos terá que enfrentar a violência da classe dominante. Se estes usam, no cotidiano, a violência, através da ação do estado e de outros mecanismos privados, nada de diferente se pode esperar no momento em que o acúmulo de forças revolucionário colocar na ordem do dia a conquista do poder. Por isso, essa conquista do poder (e não apenas a chegada a um governo) será necessariamente uma revolução social e política, um confronto global com a dominação vigente, uma ruptura revolucionária.

Mas, se a ruptura revolucionária e a conquista do poder político são momentos fundamentais da revolução e da luta pelo socialismo, não garantem, por si só, a sua construção. A conquista do poder pode significar a vontade da maioria, mas não é sinônimo de hegemonia política com base num projeto global e, muito menos, hegemonia ideológica e cultural.

Sua consolidação virá com o exercício socialista e democrático do poder, de modo a compreender as diversas contradições materiais, políticas e ideológicas que permanecerão existindo mesmo entre os setores sociais revolucionários, além das marcas conservadoras de tradições políticas e culturais da velha sociedade. São heranças do capitalismo e mesmo de formações sociais mais antigas, que só serão eliminadas num processo longo e gradual de luta, de revolução cultural e de experiência com as novas formas de vida econômica, política e cultural, depois da conquista do poder político. Por isso, nossos parâmetros estratégicos não podem ser apenas uma “referência moral” para os revolucionários.

De nada contribui o estabelecimento de um horizonte revolucionário se na prática do dia a dia não formos capazes de forjar a revolução, transformar comportamentos, construir um novo imaginário social. Um novo imaginário coletivo, em substituição ao individualismo burguês, que promova, já no processo de luta, um novo modo de vida, em que vigore a mais ampla solidariedade e respeito entre os homens, as mulheres e a natureza. Enfim, nossa luta é por uma ruptura revolucionária e um processo socialista libertário: pelo fim da exploração de classe, das classes sociais, da propriedade privada dos meios de produção e de todo tipo de opressão, dominação e discriminação. Pela extinção do estado e por uma sociedade comunista.

A EMANCIPAÇÃO DAS TRABALHADORAS E TRABALHADORES SERÁ OBRA DOS PRÓPRIOS TRABALHADORES/AS!

FORA O IMPERIALISMO!

PELO SOCIALISMO E A REVOLUÇÃO!

OUSANDO LUTAR, VENCEREMOS!

VIII ENAPS – ENCONTRO NACIONAL DA APS/PSOL

Ação Popular SocialistaBrasil – 8 a 10 de abril de 2022


[1] Ver resoluções sobre Socialismo e Conjuntura Internacional da APS.

[2] Para compreensão melhor, ver resoluções sobre Socialismo, Conjuntura Internacional e programa da APS/PSOL.

[3] Para uma melhor caracterização do governo Bolsonaro, ver a Resolução de Conjuntura e tática do VIII ENAPS.

[4] Ver a Resolução de Conjuntura Nacional do VIII ENAPS.

[5] Ver Resolução de Construção Partidária do Vº ENAPS.

[6] A participação em governos estaduais e federal não está colocada no atual contexto nem a partir do resultado das eleições de 2022. Ver e acompanhar nossas resoluções sobre conjuntura nacional e tática.

[7] Ver a Resolução sobre Socialismo do VIII ENAPS.

[8] Ver Resolução sobre programa.

[9] Ver resoluções sobre Socialismo, Programa e Conjuntura Internacional da APS/PSOL.

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