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Bruna Cavalcante – Especialista em Agricultura familiar e desenvolvimento sustentável e militante da APS

O Brasil caminha a passos largos para tornar-se um dos maiores produtores de alimentos do mundo. As projeções feitas pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), para a safra 2022/23, são de uma colheita de cerca de 308 milhões de toneladas de alimentos. A soja, o milho e o açúcar impulsionam o bom desempenho do país, tornando-o cada vez mais competitivo no mercado internacional dessas commodities. Enquanto isso, cerca de 125,2 milhões de brasileiros convivem com algum grau de insegurança alimentar e 33,1 milhões passam fome. É o que apontam os dados da pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (REDE PENSSAN).

As produções dessas commodities não contribuíram para a diversidade, qualidade e nutrição dos milhões de brasileiros, pelo contrário, o que se observa é um enorme deserto verde de monoculturas e que grande parte da produção vai para exportação, outra para alimentação animal e outra para produção de alimentos ultraprocessados pobres em nutrientes e ricos em sais, gorduras e açucares que podem causar doenças como diabetes, obesidade e pressão alta, entre outras. O que, em médio prazo, sobrecarregará os sistemas público e privado de saúde.

A modernização e os incentivos por partes dos governos ao agronegócio não trouxe benefícios quando se leva em consideração uma distribuição mais justa de alimentos, ao contrário, gerou uma capacidade produtiva da monocultura ainda maior e consequentemente o aumento da desigualdade no campo e na cidade, gerando conflitos por terra, empobrecimento de pequenos agricultores e migração rural. Fazendo uma comparação entre os dois últimos censos agropecuários, realizados em 2006 e 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram uma redução do número de estabelecimentos da agricultura familiar de 9,5%, enquanto que no agronegócio houve um crescimento de 35%. ainda sobre os censos, segundo o IBGE, houve uma redução houve redução de 1,4 milhão de vagas de trabalho no campo com maior impacto na agricultura familiar.

Outro braço importante na cadeia produtiva de commodities é a agroindústria, que é responsável direta na amplificação da concentração de renda e de propriedades rurais, que contribui ativamente para a crise ambiental que o planeta se encontra, dado o consumo desenfreado dos recursos naturais, pelo desmatamento e perda da biodiversidade.

A consolidação do Brasil como potência agropecuária trouxe uma série de consequências desastrosas, potencializando a desigualdade social e territorial onde os pequenos agricultores acabam desenvolvendo maior dependência dos grandes proprietários, restando muitas das vezes à oferta da força de trabalho em condições precárias e/ou análogas a escravidão.

É importante destacar que, de acordo com a CONAB, se de um lado há uma crescente produção na cadeia de alimentos que são indispensáveis na indústria de ultraprocessados e para exportação, por outro lado, existe uma tendência de redução para a próxima safra de arroz e feijão, alimentos fundamentais nos lares dos milhões de brasileiros e fontes de grande parte das proteínas de origem vegetal e carboidratos necessários para o funcionamento do corpo diariamente. A pesquisa realizada pela REDE PENSSAN, corrobora para a análise de que esses alimentos afetam diretamente as famílias brasileiras mais pauperizadas, cerca da metade dos lares que deixaram de consumir a quantidade necessária de arroz, feijão e vegetais apresentaram níveis de insegurança alimentar moderada ou grave e os que deixaram de consumir carne, cerca de 70% passam fome.

A redução na produção, principalmente do arroz e do feijão, impacta diretamente no valor da cesta básica, elevando o seu preço e, consequentemente, a restrição do consumo agrava consideravelmente o quadro de fome da população. A diminuição da diversidade da oferta de alimentos e de nutrientes necessários para que uma pessoa possa se manter saudável faz com que o grau de insegurança alimentar também aumente. A má distribuição de renda, os índices elevados de desemprego, as taxas de juros e a precarização do trabalho corroboram diretamente para a quantidade de famintos no país.

A insegurança alimentar mostra uma das faces mais perversas do capital, a fome, a incerteza de ter condições básicas de sobrevivência biológica, que é de alimentar a si próprio e aos seus. Nesse quadro, trabalhadores e trabalhadoras se dispõem a aceitar quaisquer condições impostas pelo capital. A miséria funciona como âncora que puxa para baixo os custos da força de trabalho, gerando maior exploração. Parafraseando Darcy Ribeiro, não estamos vivendo uma crise na produção de alimentos, a fome é um projeto de subserviência de nossa classe para que não haja questionamento sobre as relações de trabalho estabelecidas pela classe dominante. Quem é privado de dinheiro não tem direito ao acesso à comida.

O importante a se destacar é que os valores elevados dos alimentos não são consequência da falta de alimentos ou de terra para plantar. Muito menos do excesso de dinheiro nas mãos das pessoas, gerando uma corrida desenfreada ao mercado. Não existem dificuldades materiais ou técnicas para ampliarmos nossa produção de alimentos saudáveis. O problema é que o setor agropecuário nunca esteve voltado para resolver o problema da fome, mas somente para a lógica mercantil de commodities voltado para o lucro. Para romper com a desigualdade social, a miséria e fome requer uma forma de produção e de relações além da lógica capitalista.

É urgente a luta por:

Referências:

Plano Safra 2022/2023

Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil [livro eletrônico]: II VIGISAN : relatório final/Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar – PENSSAN. — São Paulo, SP : Fundação Friedrich Ebert : Rede PENSSAN, 2022.

Censo Agropecuário – Agricultura familiar 2006Censo Agropecuário 2017

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