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 Por Jorge Almeida.

Há 151 anos, nos estertores da Guerra Franco-Prussiana de 1870/71, às vésperas da crise mundial de 1873 e do alvorecer da fase imperialista do capitalismo, Karl Marx fez uma interessante denúncia das fake news.

Em março de 1871, a guerra chegava ao final, com os prussianos cercando Paris e consolidando sua vitória. Então, os trabalhadores e trabalhadoras da capital francesa se levantaram, em insurreição, contra seu próprio governo.

Resolveram fazer uma guerra de classes. Nasceu a Comuna de Paris.

A Comuna acabou sendo massacrada por uma aliança de ambas potências capitalistas que acabavam de guerrear entre si.

Logo depois, Karl Marx, que morava exilado em Londres, deu uma entrevista para o jornal estadunidense New York World sobre os acontecimentos. No meio da entrevista, ele denunciou uma fake news produzida pelo jornal francês La Situacion, que o acusava de ativa participação na insurreição.

Marx mostra ao jornalista entrevistador uma matéria do jornal francês onde estava escrito, nas palavras de Marx: “’o Dr. Karl Marx, da Internacional, foi detido na Bélgica, quando tratava de escapar para a França. A polícia de Londres vigiava desde muito tempo a sociedade à qual ele está vinculado e agora está adotando ativas medidas para sua supressão’. Duas frases, duas mentiras. Você vê que em vez de estar numa prisão na Bélgica, estou em minha casa na Inglaterra”, concluiu Marx.

Após duas semanas de guerra na Ucrânia, um velho ditado se mostra verdadeiro mais uma vez: “quando uma guerra começa, a primeira vítima é a verdade”.

Quantos soldados russos, ucranianos ou das repúblicas independentes morreram? Quantos foram gravemente feridos? Quantos foram presos? Quantos civis foram mortos, feridos, ficaram órfãos ou tiveram de imigrar? São muitos e contraditórios os números que circulam e ninguém sabe ao certo a verdade.

Quem deu o primeiro tiro? Todos os lados acusam os outros de ter começado a guerra e a fazer as atrocidades, enquanto eles mesmos são puros e apenas se defendem ou a povos amigos, “a chamado”.

Não somente os fatos em curso são deformados, exagerados, inventados, omitidos e censurados (pelas mídias e/ou pelos Estados), como a história é reescrita ao bel-prazer de cada um.

Porque a fonte da notícia, em grande parte, é de um dos Estados em guerra, a censura também pode ser do Estado ou das próprias empresas privadas.

Guerra “de verdade” e “de verdades”

No Brasil e outros países genericamente chamados de “ocidentais”, há uma muito ampla cobertura francamente contra a Rússia, que é apresentada como a responsável por tudo, enquanto os Estados Unidos/Otan são os “defensores” da democracia, direitos humanos etc.

Ao mesmo tempo, esquecem-se de todas as agressões, invasões, atrocidades e crimes promovidos pelos Estados Unidos e Estados ligados à Otan, desde sua fundação ou antes.

Sem falar de fake news completas, com o uso de imagens falsas, de outras guerras, de anos atrás ou editadas.

Assim, como de costume, entre nós e na grande mídia dos países da Otan e de sua área de influência em geral, a predominância de informações favoráveis ao imperialismo estadunidense, ao governo da Ucrânia, à Otan e a seus países membros é muito ampla.

Contudo, ocorre o mesmo, no sentido oposto, também na Rússia e nos países sob sua influência.

Além disso, no caso do Brasil e outros países, essa influência pró Rússia também chega forte, via canais das redes sociais, de modo muito maniqueísta.

É uma posição também distorcida, construída por aqueles canais diretamente mantidos pelo governo da Rússia (como o Russia Today e Sputnik) e, principalmente, via canais nacionais que reproduzem de modo propagandístico as versões russas.

E não são poucos. São centenas ou milhares de canais no YouTube, podcast, blogs, sites, páginas nas redes, contribuindo a seu modo com a desinformação.

Como um todo, têm milhões de seguidores, ouvintes e leitores, que, por seu lado, reproduzem acriticamente em suas páginas pessoais, grupos de zap, Telegram etc.

Uma grande desinformação manipulada de lado a lado

Sem falar de mentiras delirantes, como a de Bolsonaro dizendo que conversou duas horas com Putin por telefone.

Em termos de massa, evidentemente, o efeito dos canais pró Rússia é limitado, comparado aos das grandes empresas comerciais. Mas, dentro do público genericamente chamado de “esquerda” têm um impacto significativo, que não deve ser subestimado.

A base política e social para isso é a ideologia nacional desenvolvimentista, que vê Putin como uma espécie de líder do desenvolvimentismo mundial que, diante do imperialismo estadunidense, parece sempre justo e até “de esquerda”. Ou, para alguns, até um reconstrutor da URSS.

Nada mais distante da realidade: a Rússia é um Estado autocrático capitalista de oligarcas, com um governo de direita, que oprime a classe trabalhadora, reprime e elimina opositores e atropela direitos do povo, como das mulheres e LGBTQI+.

Mas, pelo seu discurso no dia em que anunciou a invasão da Ucrânia e pelo que tem feito depois, o espírito de Putin está mais consoante com o que Lenin e os bolcheviques chamavam de nacionalismo “Grão Russo”, do grande império russo.

Em 1917, se os bolcheviques tivessem apoiado seu próprio imperialismo contra um mais forte que o russo (na época, o alemão), a União Soviética não teria nascido e Putin não seria hoje o presidente da Federação Russa.

E, quem sabe, a Ucrânia, que foi reconhecida por Lenin e a Rússia Soviética como um Estado independente, estaria ainda dominada pelo velho imperialismo Grão Russo dos russos brancos.

Jorge Almeida é professor Departamento de Ciência Política nos cursos de pós-graduação em Ciências Sociais e Ciência Política da UFBA (Universidade Federal da Bahia), tem doutorado em Comunicação e Cultura Contemporâneas e pós-doutorado em Relações Internacionais como Visiting Scholar na Soas (School of Oriental and African Studies) da University of London

Publicado originalmente em: https://www.holofotenoticias.com.br/politica/estados-unidos-ucrania-otan-e-russia-manipulam-informacoes-sobre-desdobramentos-da-guerra

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Os artigos assinados não representam necessariamente a opinião do Site APS

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