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Por Renildo Souza e Jorge Almeida*. Neste 1º de Outubro, comemora-se os 72 anos da fundação da República Popular da China (RPC). Naquele dia de 1949 completou-se a conquista do poder político pelo exército revolucionário, mas a luta começou bem antes, com a fundação do Partido Comunista da China (PCCh) em 1921, que está comemorando seus 100 anos de vida.

Mas, se formos acreditar na imagem amplamente preponderante hoje, parece que tudo na China começou a partir das reformas pró mercado iniciadas em 1978, sob a direção de Deng Xiaoping. Quase que só ouvimos falar sobre esse período pós “reformas de mercado”.

A impressão é de que, antes disso, só havia atraso, miséria, fome generalizada, analfabetismo, estagnação econômica, retrocesso tecnológico, anarquia social e violência política.

Assim, este artigo procura comemorar a vitória da Revolução Chinesa, destacando o período “esquecido” no qual, apesar das grandes dificuldades enfrentadas num tipo inédito de revolução, ocorreram grandiosas conquistas.

Mesmo correndo um risco de simplificações condicionadas pelo espaço limitado, esperamos levantar questões que contribuam com quem deseja conhecer e entender melhor o que vem ocorrendo hoje.

Esse tipo de imagem ocorre por haver um certo consenso entre os liberais, parte da grande burguesia mundial e nacional e suas mídias. Mas também pela representação construída pelo próprio PCCh, setores nacional-desenvolvimentistas e parte da esquerda brasileira, inclusive marxistas. Uns por desconhecerem a história da China pós 1949. Outros, por preferirem fazer interpretações que facilitem a defesa da conversão da China ao capitalismo, sob a forma do chamado “socialismo de mercado” ou “socialismo com as características chinesas”.

Mas, se a China se transformou numa grande potência, foi porque, antes de tudo, em 1949 começou uma transição ao socialismo a partir da conquista do poder político. Processo que durou 29 anos, até o início das reformas que, independentemente das intenções originais do grupo pró-mercado no PCCh, acabaram levando a China ao capitalismo com as características singulares que tem.

Um pouco de história

O processo revolucionário na China ganhou uma nova dinâmica depois que o PCCh, sob a direção de Mao Tse-tung, reviu a estratégia anterior, influenciada pela Terceira Internacional e o PCUS (Partido Comunista da URSS), já dirigidos por Josef Stalin.

A nova estratégia partia de uma profunda e inovadora análise da realidade social e histórica chinesa, de sua ampla predominância rural, camponesa e pobre. Definia os latifundiários, o imperialismo e a grande burguesia comerciante como principais inimigos sociais e políticos e a formação de uma frente revolucionária tendo o proletariado como classe dirigente, o campesinato, que era a ampla maioria do povo explorado, como classe principal, e a burguesia nacional, que tinha um peso muito pequeno na vida econômica e política, como uma classe aliada, mas sem protagonismo.

O início da Grande Marcha em 1934 foi um marco estratégico decisivo, pois foi uma reconfiguração da estratégia do PCCh com a prioridade da luta revolucionária a partir do campo para a cidade, consolidando a liderança de Mao Tse-tung no partido.

O objetivo primeiro da revolução era a expulsão do imperialismo e a construção de uma “Nova Democracia” com uma ampla reforma agrária antilatifundiária (com a nacionalização estatal da terra e sua distribuição em posses para os camponeses), uma democratização da vida política, além de um forte estímulo ao processo de desenvolvimento nas forças produtivas. Como instrumento revolucionário, foi formado o Exército de Libertação Popular (ELP), que era dirigido pelo PCCh.

Ao contrário do que é propalado, objetivo da revolução nunca foi o de construir uma república burguesa para desenvolver o capitalismo. Ao contrário, sempre foi o de, a partir das condições próprias e particulares da China, desenvolver um processo de transição ao socialismo.

A vitória do processo passou por momentos táticos variados, que incluíram acordos com o Kuomintang (partido originalmente nacionalista, mas que foi se tornando instrumento aliado do imperialismo ocidental), seguidos de um rompimento e guerra contra o Kuomintang, de nova “Frente Unida” contra invasão do imperialismo japonês e novo rompimento após a Segunda Guerra Mundial, quando o objetivo da conquista do poder, e derrubada do Kuomintang, veio para pauta imediata.

Nesse processo anterior, é importante ressaltar dois aspectos: 1) Os comunistas chineses receberam apoio da URSS mas, em diversos momentos, a direção chinesa não seguiu a orientação e preferências políticas do PCUS, que não acreditava na capacidade PCCh derrotar o Kuomintang e o imperialismo, e preferia uma aliança mais duradoura com Chiang Kai-chek (chefe do Kuomintang); 2) na medida em que ia avançando nas áreas rurais, já iam conquistando o poder de fato regionalmente, fazendo uma reforma agrária, empoderando o campesinato (material, política e militarmente) e o povo explorado e oprimido das regiões e iniciando um processo real e concreto de governo. Nesse processo, Mao Tse-tung consolidou sua liderança no partido, no exército e entre o povo.

O novo poder revolucionário

Após a conquista do poder em 1º de outubro de 1949, o partido e o governo iniciaram um processo de reconstrução nacional que tinha como objetivo a transição ao socialismo.

Foi feita a nacionalização/estatização da terra (com distribuição da posse da terra para os camponeses) e dos grandes meios de produção e da infraestrutura, impulsionando o desenvolvimento das forças produtivas e a industrialização. Garantida ampla liberdade sindical e direito de greve aos trabalhadores e os direitos das mulheres, rompendo o arraigado patriarcalismo tradicional chinês. Em 1953, foi lançado o 1º Plano Quinquenal e já no início da década de 1950, a grande e a média burguesias na China se tornaram residuais.

Mas, foram muitos percalços no caminho, a começar pela pobreza e o analfabetismo do povo e o muito baixo desenvolvimento das forças produtivas, o conservadorismo cultural nas relações sociais e políticas, e a luta pela consolidação territorial da China continental só se concluiu em 1950.

O novo governo enfrentou também o isolamento internacional, já que as potências imperialistas continuaram reconhecendo o governo títere montado por Chang Kai-chek na ilha de Taiwan, onde manteve o nome de “República da China”.

Houve, ainda, a necessidade de intervir diretamente com tropas na guerra da Coreia, já em 1950, contra as tropas imperialistas dos EUA e em apoio à revolução coreana, além do apoio à revolução vietnamita desde 1949.

Ao mesmo tempo, com a URSS houve uma relação tensa desde a fundação da RPC, em continuidade com as divergências já existentes anteriormente. Por um lado, a URSS contribuiu significativamente no apoio econômico, técnico, tecnológico e militar para um primeiro impulso industrializante chinês.

Por outro lado, tentava tutelar o processo chinês, o que nunca foi aceito pelo PCCh. Essas divergências se aprofundaram no final da década de 1950, quando a URSS formalizou uma concepção considerada pelo PCCh como de abandono do internacionalismo e da via revolucionária ao socialismo (trocada pela via pacífica) e de interferir nos assuntos internos da China e de outros países. O rompimento foi completo, chegando a ocorrer conflitos militares, na fronteira entre os dois países, no fim dos anos 1960.

O PCCh passou a caracterizar a URSS como um capitalismo de estado, denunciar a burocratização do estado soviético, a interrupção de sua transição ao socialismo e de ter abandonado o marxismo, trocado por um “revisionismo”, e de ter uma relação “social-imperialista” com outros países.

Além disso, a China passou a competir com a URSS internacionalmente, apoiando movimentos revolucionários de outros países, especialmente os de libertação nacional, na Ásia, África e América Latina. Com isso, o isolamento da China aumentou ainda mais.

Ao mesmo tempo, o PCCh manteve uma linha de fazer avançar a revolução e a transição ao socialismo de modo ininterrupto e que combinasse dialeticamente o desenvolvimento das forças produtivas com a revolução nas relações de produção e no modo de vida.

Isso implicava uma combinação do desenvolvimento industrial, da ciência e da tecnologia (nunca negligenciados pelo PCCh no período chamado “maoísta”), via empresas estatais, com o empoderamento econômico e político do povo, principalmente via as “comunas” rurais e a produção coletiva, além da luta ideológica contra as heranças retrógradas e conservadoras, feudais e burgueses, existentes na sociedade e no estado e mesmo dentro do PCCh e do ELP.

Dois grandes acontecimentos históricos foram marcantes nesse processo. O primeiro foi o “Grande Salto à Frente” (2º Plano Quinquenal, 1958), que tinha o objetivo principal de avançar o processo de industrialização, de várias formas, através de uma ampla mobilização da força de trabalho e do incentivo político às iniciativas das massas trabalhadoras.

O outro foi a “Grande Revolução Cultural Proletária” (iniciada em 1966), com forte apoio na juventude, que visava combater as heranças ideológicas burguesas e conservadoras e o burocratismo presentes no estado e no partido e, ao mesmo tempo, através desta luta, combater a ala direita do PCCh, que defendia uma linha economicista de exclusividade do desenvolvimento das forças produtivas, favorecendo o desenvolvimento de relações sociais burguesas, ligadas às relações de produção de tipo capitalistas, que, já naquela época, era a linha defendida por Deng Xiaoping.

Ambos os grandes movimentos tiveram resultados contraditórios. Por um lado, o projeto do “Grande Salto à Frente” traçou metas que superestimavam as condições objetivas e subjetivas existentes. Conseguiu conquistas importantes (mas abaixo das metas) e acabou desorganizando em parte o processo produtivo e, como consequência disso, e de uma confluência com desastres naturais não esperados, houve uma queda da produção de alimentos, a fome, sacrifícios e perdas significativas de vidas humanas.

Já a “Revolução Cultural” gerou um clima de forte instabilidade política e social, chegando a sair do controle no partido, com exageros e sectarismos, e gerando muitos conflitos de massa com uso de violência, inclusive mortes.

Por outro lado, também deve ser criticado o “Culto à Personalidade” de Mao Tsé-tung, que foi se desenvolvendo.

Entretanto, apesar de toda essa instabilidade e momentos de forte crise, como a guerra da Coreia, o rompimento com a URSS, o “Grande Salto à Frente” e a “Revolução Cultural”, num período de pouco mais de 27 anos, o resultado foi muito positivo, com grande crescimento econômico e avanço social e cultural.

Vejamos alguns dados

Apesar de todas as dificuldades que ocorreram, entre 1952 e 1978 (início das reformas pró mercado), a produção industrial aumentou numa média de 9,4% ao ano. Como expressão disso, a produção de carvão cresceu 9 vezes, a de aço 32 vezes e a de energia multiplicou-se 36 vezes.

Durante aqueles 27 anos, o PIB chinês cresceu numa média de 6,2% ao ano, sendo que, nos últimos 10 anos antes das reformas pró mercado, o PIB cresceu, em média, 6,8% ao ano.

Durante esse período, a população chinesa cresceu 57%, de 540 milhões para 950 milhões de habitantes e a expectativa de vida dobrou de 35 para 68 anos.

Isso foi reflexo da melhora exponencial na produção e nas condições de vida, alimentação, saúde e educação, direitos sociais e radical diminuição da desigualdade. Assim, a fome foi eliminada e houve uma significativa ampliação do mercado interno, da capacidade de produção e consumo de bens de consumo populares.

Além disso, a China iniciou uma moderna indústria aeroespacial, enviando satélites ao espaço sideral, construindo uma potente Força Armada e fazendo testes nucleares, que foram necessários e suficientes para e inibir qualquer aventura militar imperialista, como as que aconteceram nos vizinhos Coreia e no Vietnã e outros países asiáticos.

Enfim, neste período a China consolidou um efetivo estado soberano, depois de “Cem anos de Humilhação”. Portanto, o que veio após 1978 não partiu do zero. Ao contrário, partiu de grandes avanços já conquistados.

Mao Tsé-tung tinha consciência do risco de restauração do capitalismo na China e lutou contra isso enquanto pode. Sabia que o grande partido operário socialista alemão tinha sido corroído pela hegemonia burguesa e se adequado ao capitalismo, e que, na sua maneira de ver, também havia acontecido um retrocesso na transição ao socialismo na URSS. Portanto, o que ainda não tinha ocorrido na China, poderia vir a acontecer se fosse vitoriosa a linha de Liu Shaoqi, Deng Xiaoping e Xi Zhongxun, do pai de Xi Jinping[1].

Note-se que, apesar de grandes conflitos e uma disputa muito dura após o “Grande Salto à Frente” e a “Revolução Cultural”, ocorreram muitos afastamentos de lideranças da ala direita do partido de posições de direção partidária e do estado. Mas, como regra geral, sem medidas de condenações a prisão e muito menos execuções de dirigentes como havia acontecido no período stalinista na União Soviética. A maioria dos dirigentes da linha pró desenvolvimento das relações capitalistas foi afastada dos postos dirigentes, mas se manteve no partido em posições nas bases partidárias e vinculados ao processo produtivo, muitos deles deslocados para o trabalho no campo.

Não foi o que aconteceu após a morte de Mao em 1976, quando lideranças da ala esquerda do partido, especialmente do chamado Grupo de Xangai, foram presas e duas delas condenados à morte, como Jiang Qing, membra do Secretariado do PCCh e companheira de Mao Tse-tung desde a Grande Marcha e que, posteriormente, teve a pena reduzida a prisão perpétua e morreu oficialmente por suicídio, em 1991.

O novo período da dominância do capital

Como sabemos, a China hoje é a segunda potência mundial, tem o maior PIB industrial, é a maior exportadora de mercadorias, grande exportadora de capitais, disputa a vanguarda tecnológica e tem a terceira capacidade bélica.

Mas, especialmente, nesta comemoração do 1º de outubro, cabe lembrar que o modelo atual foi uma ruptura com a transição ao socialismo desenvolvida sob a direção de Mao Tse-tung e discutir sobre a realidade da China atual, segundo o conceito de modo de produção. É crucial esclarecer a natureza do sistema social construído na China a partir de 1978.

A transição do capitalismo ao socialismo depende, entre outros aspectos, do nível de desenvolvimento das forças produtivas e da direção política dos trabalhadores, através do Estado e de suas próprias organizações. Assim, mercado, propriedade privada e relação com o mercado mundial podem ser fatores necessários à transição, como uma tarefa complexa.

Entretanto, na China, depois de 1978, o Partido-Estado deflagrou reformas que resultaram na predominância da propriedade privada dos meios de produção e prevalência da lógica de acumulação de capital. Em vez de crescente regulação da economia pela planificação no sentido do socialismo, os investimentos, a produção e o emprego são regulados pela lei do valor, segundo a finalidade do lucro.

Nesse cenário de prevalência da propriedade privada, há um caso exemplar, neste exato momento, sobre os limites da regulação estatal diante do impulso próprio da acumulação de capital: a crise da Evergrande.

Trata-se da segunda maior incorporadora imobiliária da China, com centenas de milhares de empregados. Esta gigantesca empresa privada entrou em colapso com dívidas impagáveis de cerca de US$ 300 bilhões de dólares. É patente que não se trata de um caso isolado, pois o endividamento grassa por muitas empresas e governos locais.

É evidente que não é um problema que surgiu agora, decorre de um processo em que as condições, os recursos e as oportunidades foram colocadas tanto pelo mercado quanto pelo Estado para a ascensão da Evergrande. A cadeia de dívidas em cascata, em profusão, como se fosse uma pirâmide financeira, não foi contida pela mão do Estado. De certa forma, o Estado foi capturado pela ação da empresa. Não havia interesse de controle nesse sentido. Imóveis, obras de infraestrutura e projetos de urbanização são necessários para o crescimento econômico e empregos.

Nos limites das reformas de mercado, a forte e indiscutível regulação estatal chinesa serviu à implantação da economia capitalista, através de políticas industriais e tecnológicas, subsídios, incentivos fiscais, apoio às exportações, ao lado de mão de obra abundante, disciplinada e educada. Por isso, por exemplo, a China foi o país que mais atraiu capitais estrangeiros em 2020, superando os Estados Unidos.

Construiu-se, desde 1978, uma espécie de capitalismo de Estado, mas, na tentativa de provar que o regime ainda é socialista, recorre-se geralmente à argumentação sobre o poder de regulação e controle do Estado na economia, apontando para a propriedade estatal dos gigantescos conglomerados empresariais na produção e os bancos. No entanto, este suposto predomínio estatal na economia é tão questionável quanto a operação reducionista que assimila socialismo a estatismo.

Há diferentes avaliações do tamanho dos setores privado e estatal na China, mas o traço comum, entre todas elas, é a predominância de empresas privadas. “Quanto as empresas estatais contribuem para o PIB e o emprego da China?”, pergunta o economista Chunlin Zhang (2019). Em suas estimativas, ele conclui “que a participação das estatais no PIB da China deve ser de 23-28% e sua participação no emprego pode estar em qualquer lugar entre 5% e 16% em 2017”.

As empresas estatais na indústria aumentaram sua produção em termos absolutos, no entanto, eles encolheram rapidamente em um sentido relativo, ao considerar que entre 1978 e 2015, o produto industrial do país cresceu 47 vezes, enquanto o produto das estatais cresceu 12 vezes, segundo Nicholas Lardy (2018).

No relatório do Quarto Censo Econômico Nacional, com dados do final de 2013 ao final de 2018, foi registrado que, neste último ano, mais de 84% das empresas chinesas eram privadas, sendo as outras estatais ou coletivas. Mas, 15,7% dos trabalhadores ocupados estavam em empresas estatais (China Daily, 2019).

Já pela análise de Branko Milanovic, “o papel do estado no PIB total, calculado a partir do lado da produção, é improvável que exceda 20 por cento, enquanto a força de trabalho empregada nas estatais e empresas de propriedade coletiva é de 9 por cento do emprego rural e urbano total” (Milanovic, 2019, p. 89).

A China sob Xi Jinping

As novas circunstâncias na China e no mundo exigiram novas formas de tratamento dos desafios chineses, segundo o governo de Xi Jinping. No decorrer da administração do presidente Hu Jintao (2003-2013), os líderes do PCCh tornaram-se plenamente conscientes do fato que os antagonismos entre as classes sociais estavam se intensificando, ao lado das realizações econômicas significativas do desenvolvimentismo.

Claramente, nem Hu Jintao nem Xi Jinping reconheceriam isso. Pelo contrário, o slogan favorito era Sociedade Harmoniosa e Xi não se cansa de falar em Prosperidade Comum. O discurso público continua a propagar ilusões. No entanto, na prática, os líderes chineses estão sendo obrigados a voltar sua atenção para as explosivas desigualdades sociais de renda e riqueza, num país onde 1% das pessoas concentram 30% da riqueza, bem como eles aumentaram as referências ao marxismo.

Em fevereiro de 2021, o governo comemorou a vitória pela erradicação da pobreza absoluta na China. Mas as desigualdades e a pobreza permanecem alarmantes, como o primeiro-ministro chinês Li Keqiang reconheceu quando disse que 600 milhões de pessoas têm uma renda mensal de apenas ¥ 1.000 (US $141), que, segundo ele, é suficiente, com dificuldades, para apenas alugar um quarto em uma cidade de tamanho médio (China Daily, 2020).

“Expansão desordenada de capital” é o que vem acontecendo em alguns setores da China, nas palavras da reunião do Bureau Político do Comitê Central do PCCh em dezembro de 2020. Mas foi o próprio sistema Partido-Estado que impôs as reformas e políticas que levaram à “desordem”, ou seja, à realidade capitalista, com oligopólios, superlucros e irregularidades jurídicas e até a ascensão de bilionários nativos. Agora, o PCCh decidiu adotar medidas antitruste e prevenir os chamados distúrbios do capital de expansão. Assim, o governo implementou medidas regulatórias antitruste (contra a Ant, o braço financeiro do Alibaba, em 2020; outras grandes empresas de tecnologia como a Tencent; Didi Global, um serviço de transporte tipo Uber; e escolas de reforço, em 2021).

A liderança chinesa deve explicar se eles acreditam que há uma expansão ordenada, harmoniosa e equilibrada dentro da economia capitalista, com mercado, propriedade privada, lucros. Com as políticas antitruste, as autoridades estão aparentemente buscando objetivos diferentes: aumentar o escrutínio governamental sobre as empresas, regular a concorrência, limitar as aquisições e fusões, evitar a dependência financeira e seus riscos para as empresas chinesas em relação aos mercados financeiros dos Estados Unidos e bloquear potenciais vulnerabilidades de segurança cibernética. O conflito com os Estados Unidos levou a China, em busca de autonomia, a aumentar a regulamentação de suas áreas tecnológicas e financeiras.

O novo cenário político na China, com o presidente Xi no comando, indica que os líderes chineses estão sendo forçados a lidar com os limites, contradições e perigos que aparecem quando o grande capital está dominando o navio. Os efeitos do processo para formar uma classe extremamente poderosa de chineses capitalistas, que possuem corporações que centralizam grandes quantidades de capital, estão gradualmente transbordando da economia para a política, ideologia e cultura.

Referências:

China Daily. (2019, November 28). Over 84% of companies in China are private.

http://www.china.org.cn/business/2019-11/28/content_75457219.htm

China Daily. (2020, June 10). Challenge remains as nations tries to scrap

absolute poverty. https://www.chinadaily.com.cn/a/202006/10/

WS5ee02eafa310834817251f8b.htm

CHUNLIN, Zhang. How Much Do State-Owned Enterprises Contribute to China’s GDP and Employment? World Bank, Washington, DC. July 15, 2019. Disponível em: http://hdl.handle.net/10986/32306. Acesso em 20 dez. 2020.

LARDY, Nicholas. Private sector development. In: GARNAUT, Ross.; LIGANG, Song; CAI, Fang. (Eds.). China’s 40 years of reform and development. Canberra: Australian National University Press, p. 329-342, 2018.

______. The state stikes back. The end of economic reform in China? Washington, DC: Peterson Institute for International Economics, 2019.

MILANOVIC, Branko. Capitalismo, nada más: el futuro del sistema que domina el mundo. Barcelona: Taurus, 2020.

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* Renildo Souza é professor dos programas de pós-graduação em Relações Internacionais e Economia da UFBA. Autor de “Estado e Capital na China”, EDUFBA, 2018. Tem pós-doutorado como Visiting Scholar na SOAS (The School of Oriental and African Studies)-University of London.

* Jorge Almeida é professor associado de Ciência Política e dos programas de pós graduação em Ciências Sociais e Ciência Política da UFBA. Tem pós-doutorado como Visiting Scholar na SOAS (The School of Oriental and African Studies)-University of London.


[1] Pouco lembrado, Xi Zhongxun ocupou cargos importantes até a Revolução Cultural, quando foi afastado de funções dirigentes. Depois do início das reformas de mercado, voltou a posições dirigentes no partido e no estado, sendo um dos mais entusiastas da nova linha.

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Este artigo foi originalmente publicado no Blog Outras Palavras https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/revolucao-chinesa-72-o-papel-indispensavel-de-mao/

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Uma resposta

  1. Jorge, como era de se esperar do nobre professor, um artigo com detalhes desconhecidos da minha pessoa sobre o gigante mixto comunista/capitalista asiático. Parabéns nobre amigo e ex mestre.

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