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Por Rafael Bomfim Souza*

Em artigo publicado no Site da Ação Popular Socialista [1], Denise Carneiro, integrante do movimento pela auditoria cidadão da dívida pública aponta sobre o uso dos novos termos para se referir ao processo de precarização do trabalho de sempre. O Texto, intitulado “O novo normal é o novo nome da velha exploração”, discute como, em nome de um ajuste tecnológico que garanta adequação ao formato de trabalho exigido em tempos de pandemia, o alvo principal é o trabalhador, diretamente afetado em seus direitos, condições e relações de trabalho, enquanto os altos lucros dos patrões são garantidos, inclusive pelo governo, que como Denise aponta, “coloca nas mãos do trabalhador a escolha entre direitos ou emprego”.

Mas o objetivo aqui não é discutir, ao menos não diretamente, o mundo do trabalho, mas sim o debate que tem sido travado, mesmo que como uma guerra, em torno do dito “ensino remoto”, que é o atual eufemismo teórico-político para se implementar, de forma irrestrita, o Ensino à Distância nas instituições de ensino da rede pública de nível básico, superior e na educação profissional, técnica e tecnológica.

Impossível dividir esse texto em tópicos, pois as coisas se relacionam de forma que não é possível apontar uma separabilidade entre as questões que envolvem esse debate. Apesar disso, tentarei colocar as questões de forma que a compreensão seja o mais fácil possível.

A esquerda, ou ao menos ela e os setores que atuam no campo da base da classe trabalhadora, tem cumprido um papel fundamental que é assumir a responsabilidade no debate, dentro da institucionalidade e também nos movimentos sociais, sobre o EaD em meio à pandemia. Tal postura tem garantido uma maior reflexão sobre como a desigualdade social no Brasil é maior do que muita gente pensa, visto que só diante desse cenário do caos, os diversos setores têm visto que a ausência de políticas públicas básicas impede a implementação imediata dessas formas de ensino que estão sendo propostas pelos Governos, Reitorias e professores, em alguns casos.

Nada aqui é novidade para ninguém. O Brasil é um país extremamente desigual, onde essa igualdade é atravessada por questões de classe, de raça, gênero e de sexualidade. Ao menos tempo, vivemos um período de expansão do acesso à educação no Brasil que possibilitou uma maior inserção das pessoas, sobretudo as mais pobres, dentro do sistema da educação escolar. Ainda assim, essa inserção não veio conjuntamente com combate às desigualdades. Ainda que, infelizmente, uma enorme parcela da população esteja à margem dessas políticas públicas, e é necessário apontar isso para combater o discurso de que avançamos em tudo no Brasil durante os governos de base popular, muita gente teve acesso à escola e formação básica, coisa que era impensável para determinados setores da sociedade. Todavia, poder estar em uma sala de aula, ainda que para chegar lá demore horas de ônibus, barco ou a pé, não significou que esses mesmos setores tivessem acesso à água encanada, luz elétrica, sinal de celular, dentre outras questões básicas.

O acesso às políticas públicas, para além das básicas, sempre esteve na linha de frente da pauta dos setores políticos mais progressistas e avançados. Dentre as diversas medidas que sempre defendemos, a inclusão digital. O combate às desigualdades que pautamos é para exterminar esse sistema de exploração e opressões que reproduz um processo de falta de equidade nas oportunidades de acesso e condições para todo o nosso povo. Se alguém que se dizia comprometido com essas questões, não pensava na totalidade do impacto disso, estava pensando de maneira errada.

No contexto educacional que temos hoje, com um avançado processo de interiorização da educação básica e superior, essa realidade, que não pode ser ignorada pelos honestos, se agrava ainda mais. Acesso à educação num mix com a ausência de outras garantias. Quantos estudantes residentes de áreas rurais estão hoje dentro das nossas universidades públicas? Quantos moram em locais de difícil acesso, sem o básico de condições? Saneamento, energia elétrica, celular e internet (conexão e equipamentos, visto que celular não é o instrumento aconselhado para estudo, como avaliam diversos especialistas na área da educação).

Impossível negar que essa realidade atravessa a mera vontade de implementar o falso “ensino remoto”. Isso é na verdade o obstáculo que bate de frente com a sanha aligeirada de avançar o calendário sob o argumento de semestre e disciplinas opcionais, garantia de formação para os concluintes para que possam adentrar no mercado de trabalho. Isso dentro de um país com muito mais que 10 milhões de desempregados, sem mencionar as dezenas de centenas que estão na informalidade. Ignorar tudo isso, em prol de uma “redução de danos” temporais e acadêmicos, é assumir uma postura de conivência com a desigualdade, deixando para trás aqueles que sempre foram excluídos dos avanços sociais. É fazer giros e mais giros para justificar essa postura, recorrendo a argumentos diversas vezes contraditórios, também desconsiderando o debate sobre saúde mental que outrora todos pautavam e a questão da sobrecarga de trabalhos acadêmicos, profissionais e domésticos que afeta em cheio às mulheres negras, base da pirâmide de sustentação desse país.

Preocupante é ver diversas pessoas que, tempos atrás, se colocavam como defensores da educação pública, mas que hoje assumem essa postura. Ignorar a realidade e pular do barco dos que defendiam e defendem um ensino público de qualidade e que estão nas diversas frentes de lutas contra as desigualdades não pode ser o “novo normal”. Ignorar o geral e focar no individual, sobretudo em situações extremas, é preocupante pois abre o espaço para que isso se repita em outros âmbitos e situações, sempre naturalizando a exclusão social e os processos de exploração de classes e opressões de raça, gênero e sexualidade.

É fundamental que nossa ação política seja no sentido de cobrar que prioritariamente se garanta o acesso [com qualidade], para que então se pense em implementação de determinados modelos de ensino, contanto que isso também não signifique um rebaixamento na qualidade do ensino público. Quando tratamos de acesso com qualidade, queremos abordar que, para além dos esforços apressados das universidades de garantir acesso à internet, outras questões devem ser analisadas. A pandemia e a reorganização das coisas nos mostraram uma nova instabilidade virtual. Quantas reuniões fizemos com total instabilidade das plataformas, em virtude da sobrecarga de uso? E a baixa na estabilidade de nossas redes de internet domésticas? Imagine onde isso é de um ainda maior difícil acesso? É preciso que se garanta um acesso com qualidade, caso contrário o aluno vai sofrer com as diversas quedas de conexão e correr o risco de perder parte do conteúdo, pois a falta de conexão de um não pode afetar os outros, não é mesmo? Ou vocês vão me dizer que esse não será o argumento utilizado pelos que hoje defendem essa “gambiarra” educacional?

A Reforma da Previdência mexeu diretamente na categoria das professoras e professores que vão ser obrigados a passar ainda mais anos em sala de aula. Isso impacta diretamente na vida das/os diversas docentes que, já chegando na terceira idade, vão passar ainda mais anos em sala de aula. Essa geração, que já tem suas dificuldades no uso de ferramentas tecnológicas, pode ter muita dificuldade de adaptação para esse formato de ensino. Ou nem mesmo só essa geração, pois são recorrentes os casos de docentes com menos idade que não conseguem utilizar com facilidade as ferramentas de “chamada” e os sistemas virtuais de notas e frequências das escolas e universidades.

De nossa parte, que atuamos e não deixamos de estar no campo dos que se comprometem a defender a educação pública de qualidade e combater esse sistema desigual, estaremos de forma incansável nas lutas para que as coisas sejam feitas da maneira correta, sem que isso simbolize o abandono dos que sempre foram abandonados em nossa sociedade. O momento é de lutar por políticas sociais, sanitárias e econômicas que garantam a vida e a saúde de nosso povo, bem como uma educação de qualidade, sem que isso deixe para trás os estudantes que menores condições de acesso e oportunidades.

[1] https://acaopopularsocialista.com/2020/06/25/o-novo-normal-e-o-novo-nome-da-velha-exploracao/

*Rafael Bomfim Souza é estudante de Direito na Universidade do Estado da Bahia-UNEB (campus Camaçari), Secretário do DCE da UNEB – Gestão A UNEB Vale a Luta, militante do Coletivo de Juventude Pajeú-Resistência em Movimento e da APS/PSOL.

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