Por Jorge Almeida*.
Nas últimas semanas, houve uma relativa mudança de humores na conjuntura política brasileira e, mais uma vez, surge um oba-oba como se Bolsonaro já estivesse caindo, faltando apenas marcar a data. É isso mesmo?
A prisão de Fabrício Queiroz (18/05) simbolizou uma entrada de Bolsonaro na defensiva, invertendo sua ofensiva anterior. Mas um dos primeiros fatores que começaram a mudar a situação foram as manifestações ocorridas em 31 de maio com forte presença das torcidas de times de futebol, que não tinham uma tradição de participação política. Isso mostrou que há vontade de mobilização oposicionista para além dos tradicionalmente mais organizados.
Em seguida, as manifestações antifascistas e antirracistas foram convocadas de modo mais amplo e foram caracterizadas pela extrema direita como “terroristas”. E seu significado aumentou depois que o General vice-presidente Hamilton Mourão tentou tutelar a sociedade civil escrevendo um artigo no jornal “Estado de São Paulo” acusando as manifestações de “criminosas”.
As manifestações questionaram a tutela militar
A não realização das manifestações seria aceitar que as FFAA, que já vinham tutelando o governo, o Congresso e o judiciário, também passassem a tutelar a oposição nas ruas. O general ameaçou, mas nada impediu as manifestações.
Não há condições agora para manifestações massivas, de milhares de pessoas, mas elas serão necessárias para tirar Bolsonaro. Do ponto de vista legal existem plenas condições do impeachment por crime de responsabilidade ou a cassação da chapa no TSE. Mas isso só ocorrerá se ficar comprovado de forma cabal a sua participação em crimes extravagantes ficando insustentável o apoio das forças armadas. Com otimismo, uma delação de Queiroz. Ou então, com grandes mobilizações de massa. Caso contrário haverá uma transação por cima.
Bolsonaro tenta extrapolar e nunca vai abandonar o desejo de um golpe de estado com ele próprio na cabeça. Mas existem controles diversos porque ainda vivemos numa democracia burguesa liberal representativa, mesmo com todos os agravantes de autoritarismo e arbítrio que estão aí.
O renascimento das manifestações de oposição nas ruas, ainda pequenas, foi mais representativo do que os atos da extrema direita em geral. Estes, além de menores, ficaram menos agressivos e sem a presença do líder maior do neofascismo, Jair Bolsonaro. Perderam também engajamento nas redes sociais e aumentou a presença da oposição em geral.
No último domingo, ocorreu também um Ato Mundial “Stop Bolsonaro” nas redes sociais e nas ruas em algumas cidades do exterior e em Brasília. Houve também uma pequena manifestação em seu apoio em frente ao Quartel General e na Praça dos três Poderes da capital.
Some-se a isso, diversas derrotas da extrema-direita diante do aparelho jurídico-coercitivo e no Congresso Nacional.
A mais aclamada foi a prisão de Queiroz, acompanhada que foi de outros mandatos de prisão e de busca e apreensão. Com o agravante de ele estar num sítio do advogado do presidente Bolsonaro e de seu filho 01. E a ironia do sítio estar localizado em Atibaia para onde o miliciano foi levado depois de ter passado alguns dias no apartamento do mesmo advogado em Guarujá.
Bolsonaro sofreu derrotas institucionais
Bolsonaro sofreu derrotas parciais no STF, no Ministério Público, no Congresso, no TSE e até na PGR (Procuradoria Geral da República) que, mesmo com ambiguidades, deu andamento a investigações. E nas polícias do Rio e de São Paulo, que prenderam Queiroz, e do Governo do DF que reprimiu as ações ilegais do bolsonarismo. Além da decisão da OAB de fazer uma consulta às suas regionais para dar entrada em um pedido de impeachment.
Houve também a prisão de Sara Winter, que diz publicamente que pretende “ucranizar” o Brasil, e a sua posterior manutenção em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
A polícia do DF desmontou o aparelho de treinamento paramilitar em Brasília, assim como do acampamento mesmo grupo na Praça dos Três Poderes. E houve também a repressão, mesmo que a posteriori, de líderes do ataque com fogos ao STF e o bloqueio parcial do sistema de Fake News que usava, inclusive, verbas públicas.
São ações de sentido liberal, que representam frações do grande capital.
Houve ainda a queda de Weintraub e sua fuga suspeita de ilegalidade para os EUA. E o novo “ministro da educação” já chegou marcado por uma tentativa de fraudar um doutorado e um pós-doc e de ter feito uma dissertação de mestrado com trechos plagiados.
Bolsonaro também continua perdendo parte do apoio de sua base eleitoral original, segundo algumas pesquisas recentes. Ainda mantém cerca de 30% de apoio, mas apenas cerca 20% seriam parte de seus eleitores em 2018 e cerca 10% de quem não votou nele mas está recebendo o auxílio emergencial de 600 reais. Perde apoio ideológico em troca de apoio pragmático.
A situação é mais favorável do que antes para a oposição em geral e o campo popular em especial. Mas, se Bolsonaro entrou na defensiva, esta é uma manobra tática. Ninguém se engane a respeito. Ele vai continuar articulando por dentro do Estado, dos aparelhos políticos jurídico-coercitivos, inclusive das Forças Armadas e das polícias em geral e na sociedade civil, enquanto busca construir uma base mais estável no Congresso. Não necessariamente uma maioria absoluta, mas pelo menos uma minoria suficientemente grande (mais de 1/3) para impedir o impeachment. Esta é a função da cooptação do Centrão.
Pois, para aprovar os grandes projetos de reformas antipopulares, de interesse do grande capital, ele não precisa ter uma maioria própria. O Congresso já está majoritariamente alinhado com a perspectiva neoliberal. Nisso aí, o Congresso, o STF, as Forças Armadas, Bolsonaro, o grande capital e a grande mídia estão todos unidos. Como, aliás, acabamos de ver na aprovação da privatização da água e saneamento no senado.
Então, a possibilidade do impeachment depende de enfrentar essa situação com forte mobilização de massas.
O elemento chave de sua sustentação são as forças armadas. O Brasil vive uma tutela militar civil burguesa, na qual os militares, o grande capital, o Congresso e o STF também atuam na tutela. Sendo que os militares tutelam o governo, mas também o Congresso e o STF.
Não é uma tutela que consiga determinar tudo que o capitão presidente faça, mas que consegue condicionar suas ações, ao menos como um poder de veto de suas extravagâncias que não tenham o consenso das frações dominantes do grande capital e das elites políticas, jurídicas e militares.
Mas isso gera uma situação de crise e instabilidade permanente que não tem como perdurar por mais dois anos e meio.
Há uma grande volatilidade política que gera mais volatilidade para um mercado já muito instável com a sinergia entre a crise econômica e a pandemia. Não é possível imaginar o governo ficar até 2022 nessa situação de crise e permanente instabilidade. Nem o grande capital aguenta isso. Ainda mais porque a crise econômica vai continuar, a pandemia está longe de acabar e o FMI prevê uma queda do PIB em cerca de 9% neste ano e apenas 3,5% de crescimento em 2021. Ou seja, é forte a possibilidade de haver um saldo zero de PIB ao final dos 4 anos de governo, se ele chegar até lá.
Quais as saídas possíveis?
Por onde virá o fim dessa instabilidade? Em tese, há três possibilidades. A primeira, com Bolsonaro aceitando a tutela, se acomodando à camisa de força e evitando conflitos para salvar a pele. Conhecendo o perfil político-ideológico e psicológico dele, isso não é fácil. A segunda, o fim do governo Bolsonaro e a terceira um golpe de estado com Bolsonaro na presidência, no momento mais enfraquecida. É esta a encruzilhada que está posta, pois o país não suporta mais dois anos e meio com uma nova crise por semana e uma instabilidade permanente.
O fim o governo Bolsonaro poderá se dar por uma negociação por cima, entre os sujeitos da tutela militar civil burguesa. Isso implica um acordo sobre a continuidade de reformas neoliberais radicais no interesse do capital e o papel do estado na pós pandemia e sobre qual espaço os militares continuarão ocupando, pois eles não aceitarão perder todo o papel político e os privilégios corporativos e pessoais que alcançaram.
Ou, para uma perspectiva popular, com base em forte mobilização, pela via do impeachment ou cassação do mandato.
A esquerda precisa lutar pelo mais avançado na conjuntura. O que é, além da defesa de um plano de emergência radicalmente popular, o Fora Bolsonaro e Mourão, impeachment ou cassação do mandato e as eleições Gerais.
Por isso, é preciso avançar, com os cuidados necessários no momento, mas fazendo o aquecimento para botar o bloco todo na rua logo que for possível.
Na defensiva, Bolsonaro está fazendo o quê? Evitando provocações ao STF, falando favoravelmente à “harmonia entre os poderes”, fugindo do desgaste na presença em atos públicos golpistas, tentando controlar os excessos de seus radicais e costurando acordos fisiológicos com o Centrão, para evitar o impeachment. Acordos que custarão mais caro neste momento de defensiva tática do presidente neofascista.
Mas seus acordos com o Centrão e sua moderação momentânea, também criam rachaduras em sua relação com suas bases mais identificadas com o neofascismo, que já o estão criticando publicamente, nas redes sociais, por seu novo comportamento. Eles são os agentes que aplicam as diretrizes oriundas do “Gabinete do ódio” bolsonarista, chefiado por Carluxo Bolsonaro, mas inspirados ideologicamente e provocados cotidianamente pelas lives do “astrólogo da Virgínia’, Olavo de Carvalho. E esta é uma contradição importante no sistema de marketing político de Bolsonaro.
Mas, os fatos recentes mostram que, para o próprio Bolsonaro, os atores decisivos no processo em curso são mesmo os militares do governo. Que cumprem várias funções fundamentais no momento[i].
O segundo semestre será decisivo para o futuro. Além do desenrolar da situação econômica e social entrelaçada com a pandemia, haverá uma indicação de Bolsonaro para o STF, onde o novo presidente será Luiz Fux; a campanha para a eleição de novos presidentes na Câmara e no Senado (onde o Centrão será decisivo), posições chave em processos de impeachment, que podem atenuar ou não o seu isolamento. E as mobilizações de massas pelo Fora Bolsonaro. E, por outro lado, a possibilidade de derrota de Trump na presidência dos EUA, que pode aumentar seu isolamento internacional.
* Jorge Almeida é professor do Departamento de Ciência Política e do PPG de Ciências Sociais da UFBA.
(Escrito em 29/06/2020)
[i] Ver “Bolsonaro e a tutela militar civil burguesa https://acaopopularsocialista.com/2020/05/13/bolsonaro-e-a-tutela-militar-civil-burguesa/ e “Quem governa o Brasil” https://acaopopularsocialista.com/2020/04/16/quem-governa-o-brasil/
Este artigo foi publicado também em “A Terra é Redonda” https://aterraeredonda.com.br/na-defensiva/
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