Trata-se de uma conjuntura caracterizada pelo desamparo e pela dor da perda de mais de 9 mil vidas para o Covid-19, de uma explicitação do conflito “capital x vida”, de que tanto falamos nas lutas feministas. Nota do Setorial de Mulheres da APS/PSOL, a seguir.
A Quarentena na Vida das Mulheres e a necessidade do Fora Bolsonaro e Fora Mourão!
Em meio a indiferença de Bolsonaro as 9 mil famílias que perderam seus(suas) entes queridos(as), com o seu Ministro da Economia assediando o funcionalismo público em rede nacional e o seu Ministro da Educação atacando os cursos das Ciências Humanas e avançando na implementação da educação à distância, em meio a todo esse caos nós da Ação Popular Socialista/PSOL propomos analisar essa conjuntura caótica a partir do impacto desta na vida das mulheres.
E quando dizemos mulheres estamos falando das CIS, das Trans/Travestis, Lésbicas, negras, indígenas, com deficiência, migrantes e brancas, de todas que se reivindicam mulheres. Pensar a realidade das mulheres trabalhadoras passa por considerar o sobretrabalho feminino por conta do “cuidado”, e como essa economia do cuidado se estende do privado para o público.
Nesse sentido, o isolamento social e a quarentena estão significando a intensificação da sobrecarga de trabalho doméstico, da exposição à violência e da vulnerabilidade econômica evidenciando a desigualdade de gênero. Diante disso, falar de pandemia no mundo usando as lentes de gênero é uma tarefa para a esquerda na atual conjuntura. É uma tarefa, porque o cuidado e tudo relacionado a isto foi historicamente demandado ao feminino, já que para a sociedade capitalista heteronormativa o sujeito proativo, produtivo e indispensável é masculino, hegemonicamente branco e hétero. É essencial, porque nas últimas décadas o capital, cada vez com menos disposição de se responsabilizar pela reprodução da força de trabalho, tem imposto aos estados nacionais políticas de ajuste que, por um lado, desprotegem a população e ampliam a responsabilização sobre nós, mulheres e, por outro, transformam em mercadoria as áreas como saúde e educação, acessível somente a parcelas privilegiadas.
Tratar do impacto do Coronavírus na nossa vida como mulheres é identificar como a prioridade ao sistema financeiro garantiu agilidade na liberação de recursos para o setor bancário, mas a burocratização impediu que milhares de mães/chefes de família conseguissem acessar a primeira parcela do benefício da renda básica. Como ao ver os filhos sem acesso ao menos à merenda escolar, a ausência dessas políticas sociais devido a pandemia acaba adoecendo física e psicologicamente essas mães. Aquelas entre nós que ainda estão empregadas e precisam sair de casa acumulam suas jornadas, pois ainda nós mulheres somos as responsáveis pela maior parte do trabalho doméstico, das atividades relacionados ao cuidado com filhos(as) e idosos(as), e das atividades na linha de frente da saúde.
Lembremos que as tarefas relacionadas ao cuidado, que são não-remuneradas ainda estão nos ombros femininos. Esse trabalho não-remunerado, de acordo com os dados do IBGE, em 2019 as mulheres dedicaram em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens. Estamos falando de dados levantados num contexto de “normalidade”, o ano de 2020 marcado por uma pandemia deve elevar esses números.
Se em tempos “normais” quase 20 horas semanais das mulheres são marcadas por afazeres domésticos, compreendemos que #ficaremcasa não é algo tranquilo para as mulheres, pois com a suspensão das aulas para evitar o avanço da contaminação do Coronavírus, diversas escolas implementaram as teleaulas, ou seja, além das atividades do cuidado, também acompanharão as atividades escolares na modalidade virtual de seus(suas) filhos(as). É importante lembrar que muitas dessas trabalhadoras estão em regime de home office, logo, a quarentena tem exigido mais das mulheres e as sobrecarregando com milhares de tarefas. Tendo em vista o machismo como elemento estrutural, essas mulheres não contam com o compartilhamento do trabalho na maioria das vezes pelos seus companheiros e/ou de outros membros da família.
Conseguir visualizar a extensão da pandemia e seus impactos devastadores na vida das mulheres só é possível via as lentes de gênero, o feminismo classista vem nos alertando há décadas que não é possível se fazer lutas de classes no Brasil sem um projeto anticapitalista, antimachista, antirracista e antilgbtfóbico. A introdução das pautas feministas no mundo sindical e no mundo do trabalho, marcaram as mudanças nas relações de trabalho no Brasil e no mundo.
Se as pautas feministas forçaram conquistas históricas como a estabilidade no emprego para as gestantes e sua licença remunerada, estabilidade para as mulheres que assumem representação sindical, pautar no mundo do trabalho o combate a violência, a cultura do estupro com a criminalização do assédio sexual e moral, colocar a luta pelos direitos sexuais e reprodutivos como uma luta classista, a luta antirracista, antimachista e antilgbtfóbica como fundamentais na América Latina na luta por direitos foi uma conquista do movimento feminista, principalmente do feminismo negro, que colocou para a classe trabalhadora como estas são estruturantes e devem ser pautadas em uma perspectiva interseccional.
O que significa considerar especialmente as mulheres negras, e mulheres de comunidades tradicionais, como quilombolas, marisqueiras e indígenas, as que vivenciam os efeitos simultâneos de todas as formas de opressão, dominação e exploração. Mulheres que se encontram nas periferias, nas florestas, nas aldeias, nos quilombos em luta por isolamento das suas comunidades frente a COVID-19, respondendo pela proteção das suas comunidades, costurando máscaras, instalando pias coletivas, reivindicando acesso às cestas básicas, ao auxílio emergencial, pelo direito a saúde de qualidade, em defesa dos idosos considerados memória coletiva e ancestral dessas comunidades.
Considerar as mulheres das favelas e das periferias, sem acesso a itens de higiene básica ou até mesmo acesso à água e ao saneamento básico. São as mulheres negras periféricas sem a garantia do direito ao isolamento social, as maiores vítimas dessa pandemia. Se considerarmos as mulheres em situação de rua e as que vivem em ocupação/assentamento a política genocida do governo Bolsonaro está direcionada a elas, a morte que está sendo relativizada pelos bolsonaristas e por alguns empresários brasileiros são das pessoas consideradas por eles invisíveis, mas a invisibilidade tem cor, gênero e classe social.
Enquanto o governo da morte tenta invisibilizar as mulheres em situação de rua, as mulheres que lutam por moradia e por terra nas ocupações/assentamentos, as mulheres negras, as mulheres de comunidades tradicionais, como quilombolas, marisqueiras e indígenas, as mulheres encarceradas sofrem com o abandono e a solidão intensificada agora com a quarentena no contexto da pandemia. Muitas dessas mulheres, vítimas da política de segurança pública pautada no encarceramento em massa, acessavam materiais de higiene pessoal via as suas famílias, agora isoladas e sem afeto, também estão sem acesso a esses materiais e a alimentos, já que as famílias que puderam enviar só o farão pelos correios até o fim da quarentena.
Para as mulheres a pandemia não significa apenas as consequências do isolamento social em suas vidas com a sobrecarga do trabalho, o Coronavírus acentuou as opressões e a institucionalização do machismo, do racismo e da lgbtfobia. Se as relações de gênero são relações de poder, o racismo e a lgbtfobia se movimenta nessa engrenagem das desigualdades e a expressão disso no contexto do Coronavírus foi a primeira morte registrada no Estado do Rio de Janeiro. O racismo e o privilegio da branquitude justificaram que uma família classe média com suspeita do Covid-19 – dado suficiente para o isolamento total da mesma – não abrisse mão do trabalho da sua empregada doméstica. Fora das estatísticas oficiais, a trabalhadora foi contaminada e apenas após a sua morte foi considerada um dado. A invisibilidade e o abuso são um marco para muitas empregadas domésticas e diaristas. Estas últimas, em sua maioria foram simplesmente dispensadas, sem nenhum direito, sem fonte de renda e sem perspectiva de nova ocupação. Frente a isso perguntamos: quais as medias do Governo Federal para garantir a vida e sobrevivência dessas trabalhadoras? Essas trabalhadoras são mulheres, são da periferia, são mães e são negras e a maioria delas sequer teve acesso à renda básica.
Os elementos expostos nos mostram que a pandemia escancarou a face mais dura de uma sociedade pautada pelo lucro. No Brasil, algumas camadas comemoram o fato do contágio ter sido zerado na Classe A. Trata-se de uma conjuntura caracterizada pelo desamparo e pela dor da perda de mais de 9 mil vidas para o Covid-19, de uma explicitação do conflito “capital x vida”, de que tanto falamos nas lutas feministas. Neste momento, em que o mundo e o país passam por transformações devido a pandemia e suas consequências – suspensão do funcionamento das creches, das escolas, do acesso as políticas sociais – e a ausência de idosos(as) na divisão dos cuidados com os filhos/netos das mulheres trabalhadoras mais precarizadas, urge para que valores feministas e da luta pela igualdade de gênero marquem esse novo século e o mundo pós-pandemia, pois a luta por igualdade de condições de trabalho entre homens e mulheres, o direito a creche, a escola pública, restaurantes públicos, lavanderias públicas, fim dos ajustes fiscais, enfim, elementos que caminham no sentido da superação da crise dos cuidados, são pautas feministas.
O isolamento social evidenciou como os lares são também espaços perigosos para as mulheres, com o aumento de 9% da violência doméstica e do número de divórcios no contexto de quarentena, nos indica como o machismo é violento e desumano. A obrigação da convivência familiar acentua as contradições das relações, nesse momento o uso da força e da violência para calar as mulheres, e as suas justas cobranças na divisão das tarefas domésticas, com os filhos e das coisas do cotidiano, revelam como os homens pautados no discurso do ódio e feminicida bolsonarista estão sendo responsáveis pelo aumento dos feminicídios e da violência doméstica no período da quarentena. No caso de nossas irmãs com deficiência, em especial, esta situação assume contornos dramáticos. Em alguns Estados como São Paulo, por exemplo, chegam a 44% o percentual de aumento da violência contra as mulheres. Na cidade do Rio de Janeiro, o aumento chegou a 50%.
O período da quarentena dificulta serviços que são essenciais no combate a violência contra a mulher. Delegacias de mulheres fechadas e sem acesso ao serviço eletrônico, sem abrigos para as vítimas que precisam sair de suas casas para proteção de suas vidas. Os direitos sexuais e reprodutivos atuando de forma precária, em março o Hospital Pérola Byington, hospital referência no Brasil no procedimento ao aborto, suspendeu o serviço. Se em tempos “normais” já é difícil para as mulheres acessarem este direito, imagine-se em um contexto de isolamento social. A OMS inseriu o aborto como serviço essencial no período da pandemia, contudo o que está acontecendo é o inverso, os cuidados com a saúde reprodutiva das mulheres tornaram-se ainda mais precários. Por outro lado as mulheres que escolheram ser mães também estão sofrendo com a falta de atendimento e interrupção, em algumas cidades, do pré natal o que pode acarretar em várias complicações para a mulher e o feto. As crises são marcadas sempre com os direitos das mulheres sendo os primeiros a serem questionados e retirados, como nos falou Beauvoir, e a pandemia do coronavírus evidência mais uma vez como o sistema capitalista e patriarcal se estabelece na lógica da opressão as mulheres da classe trabalhadora em suas diferentes formas, retirando os direitos básicos conquistados.
É importante registrar também que as contrarreformas intensificadas nos Governo Temer e Bolsonaro tiraram direitos básicos da classe trabalhadora, que no contexto da pandemia estão percebendo como a flexibilização da seguridade social e a da CLT colocaram suas vidas e a de toda a sua família em risco. O enfrentamento as desigualdades de gênero e da violência doméstica em tempos de quarentena está evidenciando a necessidade do mundo do trabalho ser pensado a partir da perspectiva feminista e classista, logo na luta em defesa da vida das mulheres não há espaço para a conciliação com a burguesia e seus valores mesquinhos, particularistas, masculinos, heteronormativos e embranquecidos.
Essa pandemia está evidenciando como as enfermeiras e técnicas em enfermagem, categoria hegemonizada por mulheres, estão expostas a essa pandemia. Todas as mulheres da equipe de saúde e que estão na linha de frente vivem a solidão e a falta de afeto, pois não podem abraçar seus familiares, seus filhos(as) seus e suass companheiras(os), estão sobrecarregadas e sem poder dividir essa carga, essas trabalhadoras também estão em sofrimento.
Essas pautas e demandas que são colocadas pelas mulheres no último século no movimento sindical e no mundo do trabalho, com a pandemia, ganharão mais espaço, pois acreditamos que os homens que não foram formados para o cuidado e para as tarefas domésticas vão reivindicar – uma parcela deles – mesmo que não por solidariedade a pauta, mas por indisposição de dividir as tarefas, porque ele só se vê no espaço doméstico como alguém que está ali para “ajudar” e não cumprir com aquilo que é sua obrigação: dividir a economia do cuidado.
Diante disso, no momento que a vida deve ser priorizada e colocada acima dos lucros, no momento que devemos intensificar a luta na defesa da vida das mulheres, no momento que devemos barrar o ódio e a política genocida imposta pelo Governo Federal, devemos em plenos pulmões gritar Fora Bolsonaro e Fora Mourão! O impeachment de Bolsonaro e a garantia de Eleições Gerais são ações emergenciais na luta contra a pandemia no país.
PELA VIDA DAS MULHERES, FORA BOLSONARO E MOURÃO! ELEIÇÕES GERAIS JÁ!
Setorial de Mulheres da Ação popular Socialista – APS/PSOL
8 de maio de 2020
#PraCegaVer
Imagem tendo ao centro o texto “A quarentena na vida das mulheres e a necessidade do Fora Bolsonaro e Fora Mourão”, em caixa alta, com fonte Arial, em cor pêssego clara.
Na parte de cima consta a assinatura da organização responsável: Ação Ptopular Socialista, na cor branca (fonte não identificada), tendo ao lado o símbolo de um sol, que representa o Partido Socialismo e Liberdade.
O fundo do card é formado pela composição de três imagens de mulheres em atividades públicas, sendo uma de mulheres negras (em tons castanhos), uma de mulheres indígenas (em tons bordôs) e uma mista com mulheres negras, brancas e indígenas (em tons roxos).
Fim da descrição.