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O IV Congresso da CSP-Conlutas foi uma vitória e uma derrota: pelo grande evento em tempos duros e pela oportunidade perdida de apontar a superação da fragmentação das lutas. Nota da Resistência e Luta, a seguir

Um breve balanço do IV Congresso da CSP-Conlutas

Resistência e Luta – corrente sindical e popular

 

O IV Congresso da CSP-Conlutas, que aconteceu em Vinhedo/SP de 3 a 6 de outubro, foi simultaneamente uma vitória, pela própria realização de um evento com cerca de dois mil participantes nestes tempos duros, e uma derrota, pela oportunidade perdida ao não apontar para a superação da fragmentação em que nos encontramos. Antes de tudo é preciso reconhecer que a realização de um congresso de trabalhadores com essa grandiosidade e duração de quatro dias, nas condições atuais de ataque aos sindicatos e aos direitos dos trabalhadores, é uma vitória de todas as organizações que construíram o evento. Tinha potencialidade para deslanchar um energizado movimento de reorganização nacional dos setores combativos da classe trabalhadora para enfrentar em melhores condições o governo de extrema-direita de Bolsonaro, que é parte da ofensiva burguesa em ritmo acelerado contra nossos direitos – mas perdeu essa oportunidade. Saímos do congresso sob o risco de rupturas e maior fragmentação como consequência de algumas resoluções aprovadas, que permitem vislumbrar sinais de mudança de caráter da central. Enquanto isso, o neoliberalismo, apesar da representação dividida, unifica-se no poder e no parlamento quando é hora de votar medidas exigidas pelo mercado financeiro, como a reforma da Previdência.

Nossa leitura de que houve derrota e de que não saímos armados(as) para a luta na atual conjuntura justifica-se pela aprovação de resoluções que desfiguram o caráter de uma central sindical e popular como instrumento de frente única, que deveria respeitar a diversidade de posições políticas das organizações que a compõem.  O caráter de independência de governos e partidos é muito caro a todos que fundaram a Conlutas lá em 2004, portanto a central jamais poderia se deixar parecer como uma colateral de partido, ecoando suas posições.  Não poderia abdicar da tarefa de construção interna de consensos necessários para apresentar resoluções de conjuntura com menos caracterizações, voltadas para unidade de ação em defesa dos direitos da classe. Neste momento crítico da luta de classes, quando se faz mais necessário ainda evitar a todo custo o isolamento, a tarefa posta é sempre buscar o maior grau possível de consenso ao menos entre os setores combativos. As resoluções de conjuntura só cumprem a tarefa de nos armar melhor para as lutas quando conseguem apontar caminhos da mais ampla adesão no interior da própria central, superando, na medida do possível, as diferenças de leitura, como vinha sendo construído nas últimas reuniões da reuniões da Coordenação Nacional. Se concentrasse forças no plano de lutas, e não em demarcar posições partidárias na conjuntura, prepararia melhor o conjunto da central para os enfrentamentos necessários, abrindo espaço para a atração de outros setores do movimento.

Entretanto, não houve qualquer esforço de composição: as resoluções foram sempre votadas umas contra as outras, com o previsível resultado de que as posições puras e duras do campo majoritário eram aprovadas em sequência com mais de 70% dos votos, sem qualquer mediação. Isso desestimulava qualquer iniciativa de debate ou busca de acordos; desestimulava inclusive a presença em um plenário que monotonamente ecoava as posições do bloco majoritário, dominado pelo PSTU. Digamos que não era um ambiente político atraente para entidades e militantes que buscam atuar em uma central desatrelada a partido, onde haja diversidade de posições dentro do arco classista. A determinação do setor majoritário em demarcar posições com imposição de maioria obviamente não é uma tática apropriada para ampliar a central nem mesmo no pequeno espaço dos setores combativos do movimento sindical.

Poderíamos citar alguns posicionamentos sobre os quais há muita polêmica na esquerda, e que vêm sendo questionados por organizações com posições diferentes, como a questão da Venezuela – o “Fora Maduro”, mesmo que venha secundado igualmente por “Fora Guaidó”, acaba fazendo coro com a ofensiva do imperialismo. Outro momento que contribui para a dispersão de forças foi o da aprovação da resolução “Lava Jato, Vaza Jato e a Luta Contra a Corrupção”, reforçada pela agressividade das falas em sua defesa. Tal resolução expressa uma contradição, pois se já denunciamos a seletividade da justiça burguesa e da Lava Jato, vamos esperar do judiciário brasileiro, cheio de vícios e abusos, um “julgamento regular” do ex-presidente Lula? Por outro lado, também não tivemos acordo com a proposta alternativa, que propunha a aprovação da consigna “Lula Livre” e na necessidade da defesa do ex-presidente como preso político. Embora nossa posição seja firme na defesa da anulação do julgamento de Lula pela falta de comprovação de sua culpa e pela gritante parcialidade da Lava-Jato, também não concordamos com a centralidade dessa consigna em um congresso dos trabalhadores, ainda mais colocada de  tal modo que acaba criando uma aura personalista de herói para alguém que comandou o processo de conciliação de classes, com todos os desvios daí gerados.  Assim, nos abstivemos, pois avaliamos que tanto a posição do bloco majoritário quanto a proposta de resolução alternativa sobre o tema estavam equivocadas. Ambas insistiam em trazer para um congresso de trabalhadores diferenças extremadas que não caberiam na concepção de Central como organismo de frente única, que abriga diferentes posições. Salta aos olhos que a imposição de maioria para aprovação de posições sabidamente polêmicas, que só seriam pertinentes em organizações políticas centralizadas, constitui-se em um alerta gritante de que pode na prática ter sido mudado o caráter da entidade.   Um sinal de que talvez não se queira mais ampliar para além do estreito nicho em que nos encontramos – uma percepção da nossa parte que esperamos estar equivocada.

Além desses equívocos políticos, houve outras resoluções bastante preocupantes, aprovadas sem muito debate, como a da “contribuição negocial” – aquela que é deliberada em assembleia da categoria para ser cobrada de todos os beneficiários de acordo salarial com ganho, inclusive os não sindicalizados.  É fato que muitos sindicatos e mesmo centrais foram bastante atingidos financeiramente pelo fim do imposto sindical e que há, nesse contexto de alto desemprego e redução da média salarial, dificuldades para a ampliação das contribuições espontâneas dos filiados, a fim de se bancar a estrutura sindical suficiente para sustentar as lutas. Mas a posição da CSP-Conlutas até aqui não era apenas contrária ao imposto sindical, mas sim a toda forma de tutela do Estado nas organizações sindicais – e a forma de cobrança dessa contribuição negocial acaba por reafirmar essa dependência.

É certo que esse congresso também teve importantes avanços, como a extensão da política de paridade de gênero nas Secretarias Executivas Estaduais, complementando a conquista, no congresso anterior, da paridade na Secretaria Executiva Nacional. Saudamos também como extremamente positivo que tenha sido dedicado mais tempo para as mesas de debate da luta contra as opressões, com destaque também para a incorporação da luta dos povos originários contra o genocídio intensificado nesse período. É auspicioso constatar que a central avança na ampliação de seu caráter popular nesses tempos de precarização do trabalho, com a participação destacadamente maior de movimentos populares do campo e da cidade. Contudo, registramos que essa ampliação nem sempre está ancorada em participação orgânica dessas entidades do campo nas regionais da central.

Em relação aos espaços de unidade de ação, uma política reconhecidamente necessária nesta conjuntura, foi aprovada uma resolução flagrantemente danosa do ponto de vista de quem deseja ampliar nossa pequena faixa de atuação. A proposta de fortalecimento do Fórum Sindical, Popular e da Juventude, impulsionado principalmente pelo ANDES e que já tinha sido aprovada em reunião da Coordenação Nacional da Central, foi rejeitada pela maioria cristalizada no congresso. Sendo o Fórum uma entidade que busca contribuir para superar a fragmentação no campo dos combativos que não se renderam à conciliação de classes, buscando cumprir o papel que desempenhava o Espaço de Unidade de Ação criado pela própria CSP-Conlutas,  não podemos compreender o que levou a direção majoritária da central a acirrar os ânimos de militantes de base contra essa iniciativa, como infelizmente percebemos nos grupos em que os debates foram feitos. Trata-se de um espaço que não pretende concorrer com as centrais, mas sim, aproximar entidades, movimentos e algumas das centrais de um campo próximo para dialogar e construir unidade para além do velho e burocratizado sindicalismo materializado no Fórum das Centrais. Avaliamos que essa iniciativa poderia ser tomada com entusiasmo pela própria CSP-Conlutas, como fez com o Espaço Unidade de Ação.

Nós da Resistência e Luta incorporamos a defesa do fortalecimento do Fórum, juntamente com o ANDES, apresentando também nossa tese de construção de um Encontro Nacional dos Trabalhadores como contribuição necessária para superar a fragmentação em que nos encontramos.  Pode ainda não ser o momento da convocação desse encontro, já que um evento dessa natureza, caso seja construído sem amadurecimento dos propósitos, acaba atuando contra seu próprio objetivo – mas precisamos dar o primeiro passo.  Certamente o Fórum poderia cumprir melhor o papel de levar ao amadurecimento da ideia de superar a fragmentação, pelo menos no nosso campo, se fosse impulsionado também pela CSP-Conlutas, e não apenas por alguns dos sindicatos e entidades que a compõem. Mas, incompreensivelmente, o Fórum parece ter sido visto pela maioria dos delegados de forma equivocada, como se fosse uma entidade concorrente da CSP-Conlutas. Tal equívoco permite vislumbrar, infelizmente, o perigoso caminho da autoproclamação, que traz em seu bojo o ofuscamento do senso do lugar e tamanho restrito que nossa central ocupa na direção da classe, deixando vislumbrar a errônea percepção de autossuficiência, como se fosse ela mesma a forma acabada de reorganização a ser apresentada para adesão. Sabemos que esse caminho não aponta para nenhuma construção para além do isolamento.

Assim, a CSP-Conlutas sai de seu IV congresso com contornos perigosamente parecidos com uma colateral de partido, demonstrando desconfiança das próprias organizações e correntes de pensamento em sua base e acirrando ânimos de ativistas contra as divergências. Isso pode desencadear rupturas, caso se confirme a mudança de caráter da central, de frente única para colateral mal disfarçada de partido – como já existem outras.  Esperamos que os dirigentes do bloco majoritário tomem consciência do desvio perigoso em que a central parece estar metida, e que essa tendência seja revertida. Sem dúvida, seria uma triste derrota para o campo dos combativos, mas também de todos aqueles que apostaram na criação de uma central independente de partidos e governos para se construir como alternativa à conciliação de classes que cooptava grande parte das direções das entidades dos trabalhadores a partir de 2003. Não podemos deixar apequenar-se o projeto que gerou a ruptura da CUT e a acertada fundação da Conlutas em 2004, num momento em que o movimento sindical passava pelo rolo compressor da cooptação pelo suposto governo dos trabalhadores.

Depois de longos treze anos de apassivamento das maiores centrais dos trabalhadores, durante os governos do PT, da atual fragmentação em nove centrais, quase todas elas dependentes do  imposto sindical que burocratizou a maior parte das direções, estamos, a partir do golpe de 2016, diante da aceleração vertiginosa da retirada de direitos da classe trabalhadora.  É notório que muitas das centrais perderam o rumo das lutas, dependentes que eram da torneira garantida das contribuições obrigatórias. Não esperamos muito dessas direções, mas temos esperanças nas rupturas das bases. Porém, nós mesmos, os que não se renderam, seguimos fragmentados e alimentando disputas entre nós, o que dificulta a organização da resistência ao governo protofascista que nos ameaça enquanto aprova medidas duríssimas que destroem o serviço público e devastam direitos do povo para favorecer o capital.

Nós da Resistência e Luta avaliamos que não é o momento de enfraquecer nenhuma organização dos trabalhadores, por isso não defendemos rupturas. Estamos em duas pequenas centrais combativas – CSP-Conlutas e Intersindical Central – com o objetivo de lutar de dentro pela sua unificação, juntamente com outros setores combativos que não estão em nenhuma central. Infelizmente, voltamos do IV Congresso da CSP-Conlutas com a sensação de que esse objetivo se distanciou mais. Esperamos que a memória do fracasso do Conclat, em 2010 (em que a Central se engajou com todas as suas forças) não se cristalize numa justificativa imobilista para que não se tente superar a fragmentação pelo menos no nosso campo. As veleidades de controle de aparelhos, em todos as organizações da esquerda, não podem obliterar o grande ataque que já se anuncia a pretexto de reforma trabalhista. Tudo isso é muito pequeno perto da responsabilidade que devemos ter diante das lutas a serem travadas pela nossa classe, e que carecem de direção. Que estejamos todos à altura do momento histórico.

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