Weintraub excede em autoritarismo e está sendo processado pelo Ministério Público e acusado de improbidade, ao ameaçar docentes, servidores e pais de alunos. Artigo de Magda Furtado*. A seguir.
O Ministro da Educação perdeu as condições de continuar no cargo
Por Magda Furtado*
O Ministério Público Federal e diversos partidos políticos estão processando o Ministro Abraham Weintraub por desrespeito à liberdade de expressão, uma das garantias fundamentais do cidadão expressas no artigo 5º da Constituição Federal, em nota oficial do MEC.
O Ministro também é acusado de improbidade administrativa, ao ameaçar docentes de processo e usar sua autoridade de Ministro em tentativa de intimidação e assédio moral aos docentes, servidores técnico-administrativos e até mesmo a pais e responsáveis de estudantes da Rede Federal, estimulando gravações ilegais e denuncismo vazio de servidores que estão exercendo seus direitos de cidadãos críticos ao defenderem aquilo que o próprio Ministro deveria ter como objetivo central – a qualidade da educação pública. Simplesmente não podemos ter como Ministro alguém que, além de não apresentar qualquer projeto para resolver os principais problemas da educação no país, demonstra desconhecer a Constituição pela qual deveria ser o primeiro a zelar.
Excede em autoritarismo a nota do MEC que busca impedir a mera divulgação das manifestações contra os cortes no custeio das Universidades e Institutos Federais. Não pode ficar impune a ameaça direta de processo administrativo e demissão, feita no perfil do Ministro no Twitter, ao professor de Filosofia do IFAL, Wanderson Porto, chamado de “elemento” por simplesmente ter gravado um emocionado vídeo em que chamava para a manifestação a comunidade acadêmica em defesa da qualidade de ensino no IFAL, demais institutos e universidades federais.
Essas ameaças se seguem a ataques gratuitos a disciplinas como Filosofia e Sociologia, e às Universidades como a UNB, UFF e UFBA, acusadas de fazer “balbúrdia”, por isso teriam 30% de corte das verbas de custeio. Avisado de que essa discriminação geraria processo de improbidade, além de ser confrontado com os índices de excelência acadêmica das três instituições ameadas, generalizou os cortes para todas as instituições federais, comprovando a motivação ideológica da ação do MEC. Em visita a Natal, foi capaz de sugerir que estudantes passem a fazer a limpeza e conservação dos campi caso não se possa pagar aos serviços terceirizados devido aos cortes de verbas de custeio. Como se não bastasse ter estabelecido todo esse clima de perseguição e assédio moral, o Ministro ainda se dá ao direito de deboche público ao divulgar patéticos vídeos em que segura um guarda-chuva ao som de “Singing in the rain” , chamando de “fake news” as contestações às ações do MEC.
O que dizer de um Ministro da Educação que julga poder estabelecer regime de censura política não apenas no âmbito de seu Ministério, mas também a país e responsáveis pelos estudantes? É diante desse contrassenso, só antes vivido em tempos de ditadura escancarada, que professores, servidores técnico-administrativos e estudantes das Universidades e Institutos Federais se encontram.
Não faz nenhum sentido atribuir o protagonismo da juventude nas manifestações de rua a qualquer tipo de coação por parte de docentes. Isso seria menosprezar a capacidade crítica dos estudantes e seu legítimo fervor em defender a educação pública. Tudo o que alguns profissionais da educação e sindicatos têm feito é esclarecer, como é de seu dever, o que está em risco iminente diante dos cortes de verba no custeio da Rede Federal de Educação.
As ruas do país tem sido tomadas por protestos massivos em defesa da educação, contra os cortes feitos pelo MEC – o 15M e o 30M gigantescos mostram que o país não aceita esses ataques. Foram cortados, segundo a imprensa (há contradição com os números exibidos pelo MEC) 5,8 bilhões do orçamento total do Ministério da Educação e outros 2,1 bilhões da Ciência e Tecnologia. Os cortes no MEC atingem várias áreas, inclusive a execução do ENEM, os repasses para os estados e a construção de creches e reforma de escolas, já que o FNDE também foi atingido.
Mas o principal problema gerado pelos cortes foi no orçamento de custeio das universidades e institutos federais (entre eles o Colégio Pedro II, com 13 mil estudantes, a maioria na educação básica). A pequena reconstituição do orçamento, de 1,5 bi, não é nem de longe suficiente para garantir os recursos necessários para a finalização do ano letivo. Professores, técnicos e diretores responsáveis esclarecem que seu trabalho pode cair de qualidade e até mesmo ser interrompido com não só pela falta de material para aulas e provas, insumos de pesquisa, bolsas para estudantes de pós-graduação e iniciação científica, mas até mesmo a carência de limpeza e manutenção, além de serviços de internet, água e luz.
Em muitas instituições, assembleias de servidores docentes e técnicos e de estudantes estão deliberando paralisação, para que todos – que assim entenderem – possam protestar e tentar reverter os cortes, já que a situação atual pode levar à perda de condições mínimas de funcionamento. Esclarecer os motivos de uma paralisação e da convocação de atos públicos, que tem como objetivo a própria luta pela continuidade do serviço prestado, é o mínimo que se espera de profissionais da educação responsáveis diante da função que desempenham.
O ato do dia 15 de maio já estava convocado anteriormente pelos sindicatos, tendo como foco a defesa da Previdência Pública, e teve sua pauta ampliada para a defesa da educação depois dos cortes do MEC e também das ameaças do Ministro às Ciências Humanas e a algumas instituições. Foi uma verdadeira tsunami da juventude e classe trabalhadora nas ruas, com manifestações massivas em cerca de 220 cidades, mais de 2 milhões de pessoas nas ruas, um mar de gente em capitais como Rio, São Paulo e Belo Horizonte.
O ato do dia 30 de maio, que teve construção em menor tempo, foi majoritariamente convocado pelas próprias entidades representativas dos estudantes, a UNE e a FENET e reuniu mais de 1 milhão de pessoas em todo o país, dando seguimento às lutas e enchendo de ânimo e esperança a classe trabalhadora para uma vitoriosa greve geral em 14 de junho. Foram as maiores manifestações de rua em muito tempo no país, superando inclusive os grandes atos de junho de 2013, e sem dúvida abriram uma nova conjuntura de avanço da resistência no país.
Salta aos olhos que o Ministro Abraham Weintraub tem em muito baixa conta a capacidade crítica da juventude, vista como mera massa de manobra para encher manifestações – os “idiotas úteis” a que se referiu Bolsonaro. Assim, se as ruas do país todo estão tomadas por uma tsunami de estudantes que bradam contra a política do MEC de asfixia financeira das instituições federais de ensino, o Ministro julga que os legítimos protestos são fruto de uma poderosa capacidade de “coação” (foi esse o termo usado) por parte dos docentes. É notório que o Weintraub desconhece a juventude, talvez por ter estado principalmente voltado, antes de ser nomeado Ministro, para o mercado financeiro. Os estudantes são autônomos, têm suas entidades representativas e não iriam, como não vão, a manifestações que julgam desconectadas de seus interesses diretos – e nessa defesa os estudantes não só aprendem, mas dão lições aos próprios trabalhadores. As aulas de cidadania mais candentes estão sendo nas ruas, nos atos públicos.
Na tentativa de frear os protestos, o Ministro escolheu a tática do confronto direto, na vã esperança de intimidar os profissionais da educação, estudantes e até mesmo seus pais e responsáveis, no caso dos alunos menores de idade dos Institutos Federais. Será que o Ministro desconhece o artigo 5° da Constituição Federal, que trata da liberdade de expressão e opinião? Conhece o artigo 209, inciso II, que trata da liberdade de ensinar e aprender – a liberdade de cátedra? Não sabe que uma autoridade, também servidor público, ameaçar outros servidores, no exercício de suas garantias constitucionais, configura assédio moral e improbidade administrativa? É patético e só mereceria o deboche, se não fosse o próprio Ministro da Educação, que em tese também deveria estar defendendo a educação pública. Mais do que isso: deveria estar fazendo projetos e buscando caminhos para resolver ou minorar os graves problemas educacionais do país – é isso que se espera do MEC.
Já está bastante claro que o objetivo do atual Ministro e seu grupo no governo não tem nenhuma relação com os imensos desafios que a educação do país de fato precisa superar. Seu projeto se mostra inteiramente ideológico, de desmonte do que avalia como hegemonia do “marxismo cultural”, daquilo que não tem controle, pois a autonomia universitária e a supremacia do saber não se curvam à ignorância, ao ódio e ao revanchismo. Não há o esperar ou negociar com esse ministro, que realmente perdeu as condições mais elementares de continuar à frente do Ministério da Educação.
*Magda Furtado é professora, membro da Coordenação Nacional da Resistência e Luta, da Direção Nacional do SINASEFE e da Executiva Nacional da CSP-Conlutas.
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