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A CRISE MUNDIAL, A OFENSIVA CONSERVADORA E A RESISTÊNCIA POPULAR INTERNACIONAL. 

Resoluções de Conjuntura Internacional. 

 VII ENAPS – Encontro Nacional da APS-PSOL –

Ação Popular Socialista.

São Paulo – 5 a 7 de abril de 2019. A seguir

Nossa luta é internacional

  1. A conjuntura internacional continua sendo a da crise econômica estrutural e de suas repercussões em todos os níveis, gerando conflitos, polarizações e instabilidade política tanto em nível mundial como interna em muitos países, inclusive grandes potências.
  2. No período mais imediato, o Brexit, a vitória de Trump e a “Trade War” por ele provocada foram as principais repercussões políticas da crise mundial, dentro do campo histórico dos países imperialistas ocidentais. No âmbito internacional, aprofundaram-se as contradições e conflitos interimperialistas entre os EUA e a China, aliada à Rússia.
  3. Difusamente pelos continentes, regiões e países, de modo desigual e combinado, está presente um jogo de idas e vindas entre a ofensiva liberal e conservadora e o crescimento de partidos de extrema direita (que, em alguns casos nacionais, evoluiu para uma “onda” conservadora com base de massas). Por outro lado, a resistência popular, na luta direta e/ou eleitoral – mesmo não tendo o mesmo vigor alcançado entre 2011 e 2014, continua viva. Tudo isso tem a ver com a situação do Brasil.
  4. Tanto as medidas adotadas pelo governo Temer como as que Bolsonaro começou a aplicar estão inseridas no receituário neoliberal clássico, que é aplicado em diversos países do mundo. A divisão internacional do trabalho e a internacionalização da crise e da resistência são fenômenos que condicionam as contradições e que precisam ser estudados por todos os que se reivindicam revolucionários e, portanto, internacionalistas.
  5. Não há como entender, por exemplo, a profundidade da crise econômica, social e política no Brasil sem o estudo da situação mundial e das particularidades importantes como os impactos da crise na China e da queda no preço das commodities, que durante anos embalaram um certo crescimento da economia brasileira. Mais que nunca, a luta da classe trabalhadora e dos explorados tem contornos mundiais.
  6. Por outro lado, as arbitrariedades e ameaças à democracia liberal burguesa no Brasil, desde o golpe através do impeachment à eleição manipulada de um presidente que defende a ditadura militar burguesa de 1964 e é marcado por posições e práticas de tipo fascista, também não são um fenômeno isolado. Fazem parte de um mundo em que as regras liberal-democráticas burguesas têm se tornado mais autoritárias e nas quais a manipulação político-ideológica e a criminalização dos movimentos populares e de esquerda vão se tornando mais necessárias para a manutenção da ordem capitalista.
  7. O internacionalismo pressupõe a solidariedade internacional entre os trabalhadores e demais setores oprimidos, mas a simples solidariedade não significa ser internacionalista: precisamos, além de fazer a análise sob a ótica internacional, trabalhar para construir ações e articulações conjuntas.

 

A crise econômica estrutural e a situação internacional

  1. No V ENAPS nós dizíamos que “Vivemos um período de Crise Estrutural crônica do capital em nível mundial, que é um processo de crise múltipla: econômica, social, ambiental, energética e alimentar, com fortes componentes políticos e culturais. Hoje, ela se situa principalmente nos centros capitalistas, como os EUA e a Europa, mas atinge todo o planeta. Não há sinais de saída “virtuosa”. Observamos o enfraquecimento econômico relativo dos EUA como centro imperialista unipolar e a emergência da China”.
  2. “Neste período[1], o capital realizou muitas ações, usou de vários artifícios e teve várias “oportunidades” para acumular e tentar superar a crise: o rompimento do Acordo de Breton Woods; a ofensiva neoliberal; o keynesianismo industrial militar; a revolução tecnocientífica; a entrada do capital em novos setores econômicos e regiões geográficas do mundo; maior ataque à natureza com destruição ambiental; fim dos regimes burocráticos na URSS e no Leste Europeu; e a conversão capitalista da China. Mas o resultado foi o aprofundamento da crise”. A citação precedente, parte de nosso V ENAPS[2], fala do pano de fundo, da crise mais prolongada, mais ampla, que está na base da situação atual. Pois é uma “crise [que] tem características diferentes daquela de 29. Não é uma ‘simples’ crise cíclica. Há uma crise econômica estrutural, crônica e sem uma saída efetiva identificada. Uma crise que, desde o final da década de 60 e início dos 70, está vinculada à queda da taxa de lucros, cuja tendência histórica também já havia sido identificada por Marx”.
  3. Na resolução de nossa Conferência Nacional (março de 2013) reafirmamos que “nada disso evitou o agravamento da crise estrutural do capitalismo. Todas as medidas tomadas só adiaram qualquer resolução estável dos impasses e geraram o agravamento das tensões sociais que vão se expandindo por todos os continentes, inclusive com fortes possibilidades de novas guerras regionais”.
  4. “Continuam os ataques ao povo trabalhador de todo o mundo. A democracia representativa burguesa vem sendo substituída por um simulacro de democracia totalmente subordinado aos interesses do capital, especialmente de sua fração financeira. Greves, paralisações, desemprego, violência, suicídios vão se espalhando. Os trabalhadores perdem direitos e os cidadãos perdem liberdade”.
  5. “A resistência cresce, mas a fragmentação da esquerda e as diversas formas de contenção das organizações populares geram impasses para o desenvolvimento das lutas na Europa.”
  6. Nas resoluções do VI ENAPS (agosto de 2015) afirmamos que “Dentro desse quadro de crise, o mundo passa por uma reconfiguração imperialista – tendo como pano de fundo o atual estágio da crise estrutural do capital – que é consequência da quebra da unipolaridade imperialista baseada nos EUA. De um lado, vemos a ascensão da China numa aliança estratégica com a Rússia, e se articulando com outros estados. Por outro lado, os EUA vivem um processo de enfraquecimento econômico e vinham buscando consolidar um bloco com a Europa. Esta, por seu turno, também vive uma profunda crise e dificuldades para manter o grau de unidade existente”, como vimos no caso da crise na Grécia e especialmente com referendum do Brexit de junho de 2016.
  7. Hoje, os principais indicadores apontam para a continuidade de um PIB mundial abaixo de 3% e uma tendência da queda da taxa de lucros. A solução encontrada pela burguesia não chega a ser exatamente uma novidade: como sempre, descarrega sobre a classe trabalhadora o ônus da crise que o capital engendrou. Na prática, isso significa a redução de políticas públicas e mais privatizações, ataques aos direitos sociais conquistados a duras penas, incremento do banditismo do capital financeiro através do mecanismo das dívidas públicas, entre outras “medidas de austeridade”.
  8. Essas “soluções” estão sendo aplicadas na Europa, na África, na Ásia, na América do Norte, na América Latina e na Oceania. Ou seja, guardadas as inevitáveis diferenças de ritmo e intensidade, são as medidas neoliberais adotadas pelo capital em nível mundial, em todos os continentes. O ataque aos direitos sociais, até então limitado aos países periféricos, vem atingindo todos os países capitalistas, principalmente os mais desenvolvidos. Estamos falando de potências mundiais como Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Japão e o próprio bastião do imperialismo mundial, os EUA.
  9. Evidente que esses ataques implicam modificações na esfera da política. Em geral, temos visto um fenômeno em que sai de cena o setor mais liberal e democrático da burguesia e entra em cena o setor mais conservador, autoritário e reacionário. A eleição de Donald Trump nos EUA e o avanço da direita no continente europeu, alimentando e sendo retroalimentado pelo Brexit e pela crise dos refugiados, são exemplos disso.
  10. Outra característica do período é o aumento constante da concentração da riqueza mundial. O relatório de 2016 da ONG britânica Oxfam, baseado em informações coletadas junto ao banco Credit Suisse, aponta, pela primeira vez, que a riqueza acumulada pelo 1% mais rico da população mundial equivale à riqueza dos 99% restantes. O relatório afirma ainda que as 8 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo que toda a metade mais pobre da população global, ou seja 3,6 bilhões de seres humanos. Em 2017 a situação piorou. Os 1% mais ricos (cerca de 7 milhões de pessoas) ficaram com 82% de toda a riqueza mundial produzida naquele ano.
  11. Na outra ponta desse quadro está a resistência do povo e da classe trabalhadora mundial. O continente europeu foi sistematicamente sacudido por poderosas mobilizações e greves. França, Itália, Espanha e Portugal deram importantes exemplos na luta contra os pacotes de austeridade, tendo ocorrido um movimento buscando construir organizações e ações unificadas no continente (como as manifestações e mesmo greves de caráter continental). Essa ação é dificultada pelo processo de cooptação das organizações tradicionais, que quebrou seu caráter anticapitalista, fortaleceu o reformismo, o corporativismo e as direções burocratizadas que ainda controlam a maioria dos sindicatos e centrais sindicais. Essa resistência também enfrenta um processo ainda limitado de construção de novas vanguardas sociais e políticas. Em 2018, tivemos uma grande greve de metalúrgicos na Alemanha, as grandes mobilizações dos trabalhadores da Hungria contra a “lei da escravidão” do governo de extrema direita e a greve dos estivadores de Portugal. Na Inglaterra, muitas greves parciais e uma grande greve de professores de um mês contra a quebra de direitos previdenciários além de várias grandes manifestações contra o racismo, o fascismo e a visita de Donald Trump. Finalmente, as manifestações radicalizadas dos “coletes amarelos” na França, que obrigaram o direitista presidente Macron a recuar em parte de seus ataques contra os trabalhadores.
  12. Na China, onde o capitalismo foi restaurado à custa da superexploraração da classe trabalhadora, assistimos a um impressionante aumento das lutas. Em 2011 foram registradas 185 greves. Esse número passou de 1.300 em 2015, demonstrando que os 700 milhões de trabalhadoras e trabalhadores chineses não estão mais dispostos a suportar passivamente as jornadas extenuantes e os baixos salários. Fruto dessas lutas, que ainda têm um caráter eminentemente econômico, os trabalhadores têm conseguido conquistar melhores condições de trabalho e aumentar os salários reais.

 

A Ofensiva da direita e do imperialismo na América Latina e a resistência

  1. Na América Latina a situação continua se agravando com a ofensiva das direitas nacionais e do imperialismo dos EUA e, agora, com o governo Bolsonaro agindo para reforçar essa agenda.
  2. As ondas de lutas na região, entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000 culminaram com a conquista de governos menos submissos aos ditames dos EUA e, ainda que com ambiguidades, até de governos de tendência anti-imperialista, cujo exemplo mais simbólico foi o de Chávez na Venezuela. Agora o que predomina é a crise econômica, social e política, em parte alimentada pela influência direta do governo dos EUA ou de frações do capital estadunidense e a sabotagem das burguesias internas.
  3. Entre o ano de 2002 e a explosão da crise mundial em 2008 o continente latino-americano experimentou um relativo crescimento econômico baseado num modelo neodesenvolvimentista que, com particularidades nacionais, esteve assentado no processo de reprimarização da economia em função da alta dos preços e das exportações de commodities, principalmente minérios, soja, gado e também petróleo.
  4. Alguns países, como o Brasil, ainda conseguiram retardar os efeitos da recessão mundial por algum tempo. Entretanto, a partir de 2013/2014 a crise se instala com força total com altas taxas de desemprego passando dos dois dígitos percentuais. Venezuela, Colômbia, Argentina e, em menor medida, Equador, seguiram o mesmo diapasão e viram suas economias em crise. As previsões de crescimento do PIB para a América Latina em 2019 estão em torno de 1%, bem abaixo da média mundial que, entretanto, também será baixa e não deve chegar a 3%.
  5. O componente político dessa crise foi o recrudescimento de uma direita que rompeu com a tendência anterior, de conquistas de governos relativamente menos autoritários. Há poucos anos tínhamos assistido conquistas eleitorais importantes como os casos de Venezuela, Bolívia e Equador, países que tiveram governos mais à esquerda que a média.
  6. Chávez chegou ao governo aclamado pelo povo em 1999 e desde então a Venezuela incentivou energias transformadoras na América Latina. Num momento da história marcado pela investida neoliberal, quando a globalização imperialista imprimia cada vez mais miséria e perversidade, impulsionando um novo ciclo de guerras e atrocidades, a luta do povo venezuelano – que tinha em Chávez sua principal liderança e referência pública – veio na contramão de tudo isso, denunciando o imperialismo norte-americano e o capitalismo, e contribuindo para a renovação das utopias.
  7. A Revolução Bolivariana da Venezuela surgiu como um exemplo de resgate da trajetória heroica da luta popular, em sintonia com as demandas populares concretas e em perspectiva histórica anti-imperialista, antilatifundiária, anti-oligopolística e democrática radical, e contribuiu objetiva e subjetivamente ao avanço das lutas populares em Nossa América.
  8. Mas a situação sofreu uma grande mudança. A direita venezuelana e seus aliados externos, como o imperialismo dos EUA e Bolsonaro, estão praticamente num processo permanente de tentativas de golpe, no que, até agora, têm sido derrotados.
  9. O farsante pseudo e autoproclamado presidente Juan Guaidó, que lidera publicamente as ações reacionárias, ao lado de outro líder da extrema direita do país, Leopoldo López (já condenado por tentativas de golpe), tem anunciado seguidas ações golpistas, inclusive com pretensa participação representativa das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, o que não tem sido comprovado, e grupos civis armados.
  10. A crise na Venezuela e as seguidas tentativas de golpe se inserem dentro de um conjunto de agressões na América Latina, onde a situação continua se agravando com a ofensiva das direitas nacionais e do imperialismo dos EUA, que buscam compensar seu relativo enfraquecimento econômico com ações geopolíticas e militares, visando o saque de nossas riquezas, como o petróleo, e a superexploração do trabalho em condições ainda duras para nosso povo. E, agora, conta com o governo Bolsonaro agindo para reforçar essa agenda.
  11. O objetivo político dos EUA de derrotar o projeto bolivariano, por qualquer meio, sempre esteve na pauta do imperialismo. Eles querem tanto saquear as riquezas como o petróleo, como provocar uma derrota política a um projeto que anunciou uma independência real. Contudo, a situação se complicou após a morte de Chávez, em março de 2013, mesmo com a difícil vitória de Nicolás Maduro nas eleições do mesmo ano. Fortaleceu-se uma tendência de desestabilização política da Revolução Bolivariana por parte do imperialismo norte-americano, dada a vitória dos golpes anteriores no Paraguai e Honduras, e o desenvolvimento das técnicas de desestabilização de regime opositores sem o ônus político de uma intervenção armada estrangeira, ou de um golpe militar tradicional: as chamadas “guerras híbridas”. O golpe no Brasil e as derrotas de projetos neodesenvolvimentista na Argentina e Equador aprofundaram o isolamento do governo venezuelano, animando as perspectivas golpistas dos EUA e da direita doméstica e internacional.
  12. Por outro lado, essas circunstâncias vieram complicar a situação, provocando um impasse na continuidade do projeto bolivariano – que já tinha suas limitações e ambiguidades. Isso tem aprofundado suas contradições internas, mostrando a incapacidade das forças governantes de gerarem uma verdadeira saída revolucionária para a crise e aguçando os interesses norte-americanos na região, visando desestabilizar e derrubar o governo.
  13. O bloqueio diplomático e econômico externo e o boicote econômico de uma parte da burguesia venezuelana, além da especulação e corrupção presentes entre a própria chamada “burguesia bolivariana”, confluíram para um aprofundamento da crise. Geraram seguidas crises de abastecimento, provocando consequências econômicas e sociais de muita dificuldade para a subsistência da maioria da população, como aumento da pobreza, do desemprego, da hiperinflação fora de controle. Isso resultou numa duríssima carestia e uma insatisfação política generalizada no meio do povo.
  14. No entanto, com o apoio de parte da população e das Forças Armadas, o governo tem conseguido sobreviver a várias tentativas de golpe e até ameaças de invasão estrangeira, particularmente dos EUA. O país irmão enfrenta ainda um bloqueio internacional da maioria dos países mais importantes da Europa e da maioria do próprio Parlamento Europeu, do Grupo de Lima (países americanos com governos de direita) e até da OEA (Organização dos Estados Americanos), que decidiram apoiar o deputado Juan Guaidó, que se autoproclamou pseudo “presidente” da Venezuela, sem legitimidade e sem base legal.
  15. Com apoio da Rússia e da China, que têm dado respaldo político e diplomático e mantido relações econômicas e militares (comércio bilateral, investimentos diretos e financiamentos), o governo tem conseguido aliviar parcialmente a carência de alimentos, medicamentos e outras mercadorias de consumo popular. Tem viabilizado a importação de armas e munições da Rússia e da China e de algum tipo de apoio técnico-militar pelo menos dos russos. Entretanto, isso tem significado menos uma atitude de solidariedade internacional e mais um ação que visa interesses econômicos e geopolíticos dessas duas potências em sua disputa global, de características interimperialistas, com os EUA. E, nesse quadro, a Venezuela, ao invés de avançar no rompimento da dependência, acaba aprofundando-a com a alienação de importantes reservas de riquezas naturais para as potências aliadas a Maduro.
  16. Mas, independentemente das críticas que temos ao governo Maduro, não se trata de defendê-lo, mas de defender incondicionalmente a soberania do povo venezuelano. Portanto, a prioridade do momento é de repudiar toda movimentação golpista da burguesia e da elite liberal conservadora venezuelana aliada dos EUA e outros governos latino-americanos submissos aos interesses daquele imperialismo, como os do Brasil e da Colômbia. Por isso Repudiamos toda tentativa golpista da direita venezuelana e dizemos: Fora o imperialismo da Venezuela! Que o povo venezuelano decida seu futuro!
  17. No caso da Bolívia e, principalmente, do Equador, ainda no governo Correa, importantes ambiguidades e vacilações geraram fortes tensões com suas bases sociais de sustentação. Isso tem ocorrido por conta da adoção de uma agenda “desenvolvimentista”, voltada para a exploração de recursos naturais, que é incapaz de romper com a dependência e o imperialismo, prejudicando amplos setores populares e colocando em questão o caráter e as perspectivas desses governos.
  18. No Equador, o novo presidente, Lenin Moreno, que sucedeu Correa com seu apoio, promoveu uma guinada à direita, rompendo com Correa e passando a compor o Grupo de Lima, chegando a tomar medidas reacionárias como a entrega de Assange, que estava “exilado” em sua embaixada de Londres, ao governo direitista do Reino Unido, que o condenou injustamente e pode entregá-lo para mais um injusto julgamento nos EUA.
  19. No Brasil, Argentina e Uruguai o processo foi de um “neodesenvolvimentismo” ainda mais rebaixado e sem sustentação econômica e política, gerando profunda crise e criando as condições para a queda dos governos dos dois mais importantes países sul-americanos.
  20. De qualquer maneira, é inegável que estamos, no atual período, diante de um processo de substituição desses governos por versões mais à direita. O golpe jurídico-parlamentar que conduziu Temer à presidência do Brasil e, em seguida, à vitória da candidatura de características neofascistas de Bolsonaro, é um exemplo dessa tendência. A vitória da direita no parlamento Venezuelano e de Macri na Argentina também são expressões desse projeto. A adoção de medidas privatizantes de empresas estatais e de ajustes na legislação trabalhista no Equador indicam que mesmo os governos remanescentes estão se ajustando às medidas impostas pelo grande capital.
  21. Na Bolívia, o MAS (Movimiento al Socialismo), partido de Evo Morales, decidiu apresentar o seu nome para as próximas eleições, disputando um quarto mandato, depois da aprovação dessa possibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral. Morales experimenta desgastes, mas, ainda assim, segue em situação menos pior que a de seus vizinhos latinos, pois a situação está relativamente estável, na medida em que o país tem conseguido manter altas taxas de crescimento econômico, sendo a maior do continente sul americano, com uma média de 5% nos últimos dez anos.
  22. A situação na Colômbia envolve o desmonte da guerrilha das FARC e sua transformação em organização partidária legalizada. O acordo inicial foi rejeitado pela população em outubro de 2016, mas, depois de algumas modificações, foi ratificado pelo congresso colombiano. Isso ocorreu depois de 52 anos de uma guerra desigual, em que a burguesia colombiana e o imperialismo contaram com a repressão sistemática do estado que, além disso, dava suporte aos grupos paramilitares ilegais, vitimando mais de 250 mil colombianas(os) e desalojando mais de 5 milhões de pessoas. Entretanto, apesar do acordo de paz intermediado pelos cubanos ter sido saudado como positivo pelos setores mais conscientes do povo e pela grande maioria das organizações de esquerda do pais, os crimes cometidos pelo estado continuam impunes. Ademais, os riscos de eliminação física de lideranças populares de esquerda pelos paramilitares da direita continuam presentes. As eleições de 2018 apresentaram uma novidade. Apesar do país continuar governado pela direita, na eleições de 2018 ocorreu a ida ao segundo turno de uma candidatura considerada de “centro-esquerda”.
  23. O México viveu um processo de poderosas mobilizações contra o “gasolinaço” (aumento do preço dos combustíveis) e contra o desmonte e a privatização da PEMEX, a petroleira estatal mexicana, e a submissão do governo de Peña Nieto ao novo governo estadunidense. O resultado das políticas neoliberais e antipopulares do direitista Peña Neto e das mobilizações foi a sua derrota diante da candidatura de centro-esquerda do MORENA, Lopes Obrador. Foi um voto contra as políticas neoliberais, a corrupção e o controle de parte do aparelho de estado pelo narcotráfico em relação promíscua com o aparato repressivo. Apesar de um programa desenvolvimentista moderado e de aplicação incerta, Obrador tem dito que pretende encerrar o período neoliberal e entreguista no México para aplicar uma política externa soberana. Tem feito a oposição ao Muro de fronteira que Trump pretende construir e tem tido uma posição correta a respeito da crise na Venezuela, se posicionando contra as aventuras golpistas e ameaças de invasão. Enfim, sua vitória mostrou que nem tudo na América Latina é aceitação do liberal conservadorismo e submissão às políticas de Trump.
  24. Desde o fim da URSS, Cuba vem abrindo a economia tanto para investimentos de grandes empresas capitalistas estrangeiras em alguns setores, como turismo, mineração e infraestrutura, assim como para um mercado interno pequeno burguês que, mesmo sob o controle do estado, tem progressivamente ampliado à propriedade privada burguesa no país. Mesmo assim, diferentemente do que ocorreu com o fim da URSS e a conversão capitalista da China, Cuba ainda tem conseguido preservar importantes conquistas sociais da revolução e o apoio da maioria do povo ao governo.
  25. Tudo isso aconteceu numa situação muito desfavorável e que ainda pode piorar, com a profunda crise que hoje atinge seu principal aliado atual (a Venezuela) e o golpe palaciano seguido da Vitória de Bolsonaro no Brasil – que, durante os governos do PT, mesmo sem ter construído uma política externa verdadeiramente independente e internacionalista, formou uma parceria econômica importante no período mais recente.
  26. Precisamos acompanhar esse processo, pois influenciará significativamente toda a América Latina. A postura do presidente dos EUA, Donald Trump tem sido de recrudescimento da violência e “exigências” ao governo cubano para que o processo de fim do embargo comercial prossiga. Por isso devemos intensificar a solidariedade ao seu povo exigindo o fim do embargo e o fechamento da base militar de Guantánamo.
  27. Finalmente, como parte do avanço da direita no Sul do continente americano, foi criado o PROSUL (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul), que foi idealizado pelo presidente do Chile Sebastián Piñera, com o objetivo de esvaziar a UNASUL e articular os governos mais à direita na América do SUL, colocando-os em posição de alinhamento com os EUA. Oito países já ratificaram sua participação: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Guiana, Equador, Paraguai e Peru.
  28. O atual quadro de dominação imperialista aberto com a implementação do programa neoliberal tem como um dos elementos instituídos a política proibicionista chamada de “guerra às drogas”. A partir dos anos 80, sob o governo Reagan nos Estados Unidos, as drogas passam a ser vistas como inimigo público número um do país, justificando a intervenção em diversos territórios, gerando altas taxas de violência, encarceramento e genocídio. Em duas décadas a população carcerária estadunidense quadruplicou, chegando a quase 2 milhões de presos no ano 2000; no Brasil esse contingente ultrapassa meio milhão de pessoas.
  29. Em toda a América Latina os dados referentes a problemas de saúde relacionados ao uso de drogas tornaram-se bem piores que antes desse processo recaindo principalmente nos setores mais vulneráveis, como pobres, negros e indígenas. O comércio de drogas, como qualquer atividade comercial no capitalismo, é altamente concentrador de riqueza. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o faturamento anual desse negócio chega a US$ 870 bilhões. A concentração no comércio de drogas ilegais corresponde a 1,5% do PIB mundial. Um negócio desse tamanho não pode existir sem a conivência e aliança de setores da burguesia. Urge construir uma nova política sobre drogas baseada no fim do proibicionismo, legalizando a produção, o comércio e o consumo de drogas, além do fim das intervenções políticas e militares nos diversos países afetados.
  30. Nesse cenário de movimentações do imperialismo na América Latina, visando impor seu projeto geopolítico e seus interesses econômicos, que inclui o saque às nossas riquezas naturais e a regressão dos avanços e conquistas populares, assim como barrar as possibilidades de aprofundamento das transformações sociais e dos acúmulos emancipatórios e anti-imperialistas, impõe-se a atualidade da solidariedade a todos os povos nas suas lutas históricas pela democracia, a independência nacional e o socialismo. E isso inclui um posicionamento claro contrário às agressões militares externas, aventuras golpistas e bloqueios econômicos.
  31. Nossa solidariedade anti-imperialista às lutas dos povos latino-americanos e do mundo, como é de nossa tradição, não significa, como nunca significou, alinhamento acrítico a nenhuma das experiências da esquerda ora em curso. Também não pretendemos a reedição das relações autoritárias que vinculavam os partidos comunistas com as experiências dos regimes burocráticos da URSS e Leste Europeu, nem o seguidismo de forças da esquerda brasileira em relação a projetos estratégicos da China, de Cuba ou da Albânia, que enfim, além disso, se mostraram inadequados para nossa realidade nacional. Temos consciência do enorme desafio que é construir a solidariedade internacional efetiva em meio à diversidade política, mas temos a convicção de que a alternativa socialista do século XXI, ou será revolucionária, democrática e plural, ou não será.

 

Na Síria, a guerra continua e na Argélia nasce a revolta

  1. A guerra civil na Síria, que desde 2011 dilacera o país, é uma das piores tragédias do século XXI. Os números da catástrofe são dramáticos: mais de 300 mil mortos, cerca de cinco a seis milhões de pessoas (quase ¼ da população total do país) deixaram a Síria em direção a outros países (principalmente Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia) e 1 milhão destes migraram para a Europa, principalmente Alemanha, Suécia, Dinamarca e Sérvia. Mais de 10 milhões de sírios precisam de ajuda humanitária. Toda rede de infraestrutura (estradas, hospitais, habitações e etc.) está comprometida.
  2. Na origem da crise na Síria esteve uma legítima revolta contra um regime ditatorial. As forças em combate não se resumem à dicotômica e confortável disputa entre “bons” e “maus”, entre “imperialistas” e “anti-imperialistas”.
  3. Mas hoje, de um lado, o governo ditatorial de Bashar Al-Assad, e de outro diversas “facções rebeldes”, na sua grande maioria exércitos de terroristas fundamentalistas e supostos democratas burgueses e dissidentes do exército oficial. Bashar Al-Assad só se sustenta através da violenta repressão aos grupos opositores e graças ao apoio militar de Rússia, Irã e do Hezbollah libanês e, em menor medida, um apoio político e econômico da China. E os exércitos chamados de rebeldes só se mantêm com o apoio político, financeiro e militar, direto ou indireto, dos EUA, países da Europa, Reino da Arábia Saudita (KSA), Qatar e Turquia e burguesias e castas de outros países da região, aliadas dos EUA, além de grupos mercenários de vários países.
  4. No atual momento, a principal força terrorista, o Estado Islâmico, está praticamente derrotada, sem capacidade de ações de vulto. Mas os grupos sustentados pelos EUA, Turquia e outros países continuam em ação, mesmo que com suas forças também enfraquecidas.
  5. Se em algum momento o governo Sírio desempenhou um papel relativamente progressivo ao enfrentar o imperialismo estadunidense, isso se perdeu nas areias do deserto Sírio. Denunciar esse genocídio não significa nenhum tipo de alinhamento à política imperialista estadunidense.
  6. Mas, não há sinais de possibilidade de resolução dessa situação pela via puramente militar. E o principal anseio da imensa maioria do povo sírio hoje é a paz. Nossa posição é de toda solidariedade ao povo Sírio e pelo seu pleno direito de autodeterminação. Assim, devemos ter clareza que a melhor alternativa para a crise na Síria é através da diplomacia e do multilateralismo. A isso deve ser agregada a necessidade da construção de um processo pacífico de transição do atual regime para uma república civil, democrática e laica, na qual o povo sírio seja protagonista de seu destino e artífice da construção de uma paz negociada na região – que crie melhores condições para uma retomada da luta e organização popular, acumulando forças para a construção de uma perspectiva verdadeiramente revolucionária.
  7. Além disso, existe também a questão do Curdistão. Povo com população de cerca de 30 milhões de habitantes que, desde o Tratado de Versalhes (1919), foi repartido pelas potências imperialistas entre seis estados, especialmente Síria, Iraque, Turquia e Iran. Apoiamos a luta do povo curdo, que tem uma longa, legítima e histórica luta, política e militar, por sua independência e constituição de um estado soberano. E que, hoje, na correlação de forças presente, reivindica, como medida de curto prazo, uma autonomia regional.
  8. Mostrando que a instabilidade política no Oriente Médio e Norte da África está longe de se resolver, tivemos no início de 2019 novas revoltas de massa, agora no Sudão e Argélia. Elas geraram a queda dos governos desses países, porém com substituições dentro do próprio regime, que cortou na carne, destituindo antigos dirigentes, mas manteve sua essência.
  9. As bases para essas revoltas, em termos gerais, são as mesmas que geraram o que foi chamado de “Primavera Árabe”. Por um lado, crise social e revolta popular a partir da crise econômica e das respostas antipopulares e repressivas dos seus governos despóticos. Por outro lado, a falta de acúmulo de forças para a afirmação de uma vanguarda política capaz de dirigir a revolta numa verdadeira perspectiva revolucionária.
  10. No caso da Argélia, existe uma maior tradição de organização laica dos trabalhadores e da juventude e onde a sua independência da França ocorreu num legítimo e autêntico processo revolucionário de raiz popular, democrática e anti-imperialista. Ademais, lutas parciais eram frequentes no período conjuntural mais recente. Porém, o atual processo de rebelião mostrou uma perspectiva política abrangente e uma forte energia e capacidade de continuação com razoável independência e radicalidade política, e independente de grupos religiosos fundamentalistas.
  11. A cúpula do regime foi pega de surpresa, mas agiu relativamente rápido, e Abdelaziz Bouteflika, que governava o país há cerca de 20 anos, foi obrigado a renunciar, sendo substituído por um de seus aliados, Abdelkader Bensalah, que é o presidente do Conselho da Nação (espécie de senado) há 17 anos. Ele teve um prazo de 90 dias para convocar novas eleições, que foram marcadas para 4 de julho. Mas ele foi recebido por manifestantes, principalmente estudantes, aos gritos de “fora, Bensalah!”, o que mostra que a disposição de resistência popular continua.

 

A crise do BREXIT e as encruzilhadas da Europa

  1. A crise mundial e seus reflexos políticos, como os conflitos armados e suas consequências sociais, entre elas o aumento da superexploração, desigualdade e desemprego, tem colocado maior destaque à questão dos refugiados e da imigração. Em geral, tem prevalecido uma posição xenófoba, que divide a Europa. As eleições no continente têm sido profundamente influenciadas por esse componente. Evidente que não se trata apenas de uma questão conceitual sobre a justeza ou não de abrigar refugiados. A combinação da crise econômica, marcada pela crescente onda de retirada de direitos históricos da classe trabalhadora europeia e o desemprego (que recuou um pouco, mas ainda está na casa dos 10% ou 21 milhões de pessoas), confere a esse debate um caráter explosivo. Num momento de crise e de chegada incessante de refugiados, “fechemos as fronteiras e protejamos nossos empregos”. Essas são as razões objetivas para o crescimento desse sentimento xenófobo. Mas, dentro desse processo, países onde não está havendo uma crise econômica nem a presença dos imigrantes é mais significativa, acabam sendo também influenciados por essa situação.
  2. Outro evento importante tem abalado o velho continente: a vitória, através de plebiscito realizado em junho de 2016, do Brexit (abreviação das palavras em inglêsBritain-Grã-Bretanha e exit-saída). Na prática significa a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), composta por 28 países. Na história da UE nunca aconteceu de um país sair do bloco, mas, contrariando todas as previsões, prevaleceu o sentimento de retirada. O plebiscito tinha sido uma promessa de campanha do primeiro ministro James Cameron, que renunciou ao cargo logo após o resultado.
  3. As consequências dessa decisão, que deveria ter sido aplicada paulatinamente, ainda não estão totalmente desenhadas. O Brexit recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco. O interior da Inglaterra e o País de Gales apoiaram majoritariamente a saída, enquanto Londres, Escócia e Irlanda do Norte optaram majoritariamente pela permanência.
  4. A vitória do Brexit foi reflexo da crise econômica mundial no Reino Unido, que aprofundou o processo de desindustrialização, o corte de benefícios sociais e direitos trabalhistas e o crescimento da xenofobia nos setores mais prejudicados pela crise, como se os refugiados e imigrantes ilegais fossem os culpados pela perda dos empregos. Uma das propagandas pela saída da UE propunha: “Lets Make Britain Great Again”, ou “vamos fazer a Bretanha grande novamente”, numa clara alusão à crise vivida pela União Europeia, e que a Inglaterra, que teria condições de andar com suas próprias pernas, devia pensar primeiro em si.
  5. É inegável que o Brexit fragiliza o projeto de consolidação de um bloco continental e coloca em questão o processo da globalização imperialista e sua “quebra de fronteiras” a partir dos próprios países centrais, como Europa e EUA. E note-se que o PIB da UE (somatória de todos os países membros) é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA.
  6. Os setores ultranacionalistas e de extrema direita vêm tratando de capitalizar o resultado do plebiscito. O discurso protecionista, xenófobo e ultranacionalista é similar ao de Marine Le Pen (que foi derrotada, por um candidato da direita liberal no segundo turno na França), dos grupos neonazistas na Alemanha, da Holanda, de Norbert Hofer na Áustria e do próprio Trump nos EUA.
  7. Mas, esgotado o prazo para colocar em prática a saída (prevista para 29 de março de 2019), mais de dois anos e meio desde o plebiscito, o Reino Unido (RU) ainda não conseguiu resolver o imbróglio que criou e colocar em prática a saída do bloco europeu. Seu governo pediu um novo adiamento para 30 de junho. Por um lado, as contradições com os países da União Europeia (UE), que não estão dispostos a fazer concessões importantes ao RU e estão colocando condições duras para fazer o RU pagar caro por sua decisão.
  8. Por outro lado, dentro da própria classe dominante e da elite política conservadora, as contradições continuam presentes e eles não têm conseguido chegar a acordos claros que resolvam seus problemas e conflitos internos e atendam a uma negociação com a UE.
  9. Além disso, ainda há conflitos com a República da Irlanda, que não saiu da UE e tem históricas relações econômicas com o Reino Unido. O Brexit significa também uma alteração importante nestas relações bilaterais históricas. Para completar, pela dificuldade de viabilizar uma barreira alfandegária fechada entre a Irlanda do Norte (RU) e a República da Irlanda, a Europa está querendo que a alfândega seja colocada entre a Irlanda do Norte e a Inglaterra, o que significa, na prática, uma divisão comercial dentro do próprio RU.
  10. Finalmente, dentro do próprio Reino Unido aumenta a insatisfação popular com o Brexit e suas possíveis consequências para a vida do povo da Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. Desse modo, uma parte dos setores que foram contra o Brexit reivindica um novo plebiscito para aprovar os termos finais do acordo de saída da UE.
  11. O governo conservador de Teresa May fez vários acordos prévios com a UE, mas não está conseguindo obter maioria no Parlamento (onde perdeu várias votações) para a sua aprovação e nem mesmo o consenso do seu partido. E cresce a oposição popular. Há, portanto, a possibilidade de um acordo ruim para o RU ou o risco de um Brexit sem acordo com a UE, que pode ser ainda pior. Ou um novo referendum para revogar a decisão anterior de saída da UE.
  12. Fica claro, entretanto, que tanto ficar na Europa quanto sair são alternativas dentro do horizonte burguês. A continuidade na UE não elimina as políticas xenófobas e racistas que também estão na União. E uma ruptura do Reino Unido ou de qualquer outros país da Europa poderia ser positiva, se não ocorresse tendo como base e objetivo principal de colocar restrições racistas e xenófobas à imigração.
  13. Essa situação, como veremos adiante, tem gerado tanto um fortalecimento de movimentos sociais à esquerda, como do Partido Trabalhista, que também fez um giro reformista à esquerda.

 

Os EUA e o papel de Trump no agravamento da crise

  1. Outro importante reflexo da crise mundial foi a eleição de Donald Trump que representou uma vitória do conservadorismo nos EUA. Entretanto, se ele derrotou Hilary Clinton na corrida à Casa Branca, não teve a maioria dos votos dos estadunidenses.
  2. O sistema eleitoral dos EUA, em que o voto popular elege um colégio eleitoral, permite distorções significativas. Hilary teve cerca de dois milhões de votos a mais que Trump, que assegurou sua vitória através do colégio eleitoral. Isso significa que Trump foi eleito sem o apoio da maioria da população estadunidense, que não tem referendado suas políticas. As pesquisas feitas após sua posse confirmaram a rejeição da maioria a seu governo.
  3. Todas as análises identificam que a votação de Trump se baseou em amplos setores de eleitores brancos das regiões rurais, de pequenos proprietários, de trabalhadores urbanos afetados pelo endurecimento da crise em 2008 (que permanece) e de áreas como o “Rust Belt”, ou “cinturão da ferrugem”. Essa denominação é uma alusão irônica ao cinturão da indústria, o“Manufacturing Belt”, que compreende a mais antiga e extensa área de indústrias dos Estados Unidos, e que inclui Pensilvânia, Virgínia Ocidental, Ohio, Indiana e Michigan. Essa região concentrava, há alguns anos, indústrias do ramo siderúrgico, mecânico, metalúrgico (automobilístico), petroquímico, alimentício e têxtil.
  4. Ele conseguiu galvanizar a revolta dos segmentos que experimentaram algum grau de precarização e empobrecimento em razão da crise econômica. O discurso foi marcado pelo nacionalismo, com promessas de protecionismo e pelo racismo e pela xenofobia, na medida em que criminaliza imigrantes (principalmente latino-americanos e mulçumanos). Também é machista, na medida em que ridiculariza e menospreza o papel da mulher no protagonismo social e político, e lgbtfóbico, pois não reconhece vários direitos conquistados pela comunidade LGBT.
  5. Seu discurso incorporou ainda o estigma da “anti-política”. Definia-se como um não político, como um empresário que não precisa da política para viver e que, portanto, estaria “imune” à corrupção.
  6. A crítica à vitória de Trump não pode ser compreendida como uma defesa da candidatura de Hilary Clinton, que na prática sempre foi de direita e neoliberal. Bernie Sanders, que disputou as prévias do Partido Democrata com Hilary, conseguiu arregimentar setores à esquerda, descontentes com a crise e que poderiam oxigenar a política dos EUA.
  7. Trump não abandonou a xenofobia, o protecionismo e o preconceito com as minorias raciais e de gênero. A extinção do já precário seguro de saúde “Obamacare”, o ataque gratuito de misseis a um aeroporto da Síria, as ameaças de mobilizações militares em torno da Coreia do Norte, o estímulo à indústria bélica e à corrida armamentista são exemplos de suas primeiras ações. E ainda houve o escândalo de sua tentativa de bloquear as investigações do FBI às suas obscuras relações com o sistema de informações da Rússia para se favorecer durante a campanha eleitoral, com a demissão do chefe da polícia federal dos EUA, resultando em pedido de impeachment contra seu mandato, que ainda não foi formalmente protocolado na Câmara dos Deputados mas que está em curso, no qual Trump pode ser atingido por ter atuado promovendo obstrução de justiça nas investigações.
  8. Enfim, com a eleição de Donald Trump abriu-se uma nova tendência da conduta estadunidense na arena global. Trump voltou-se para uma agenda distinta, desfazendo acordos de blocos comerciais, se retirando do bloco dos países do Transpacífico, rompendo o acordo nuclear com o Iran e retirando os EUA do Acordo de Paris, que versa sobre as mudanças climáticas. Pretende retomar a industrialização estadunidense, desfazendo-se daquilo que considera entraves para esse objetivo. Finalmente declarou uma guerra comercial a outros países, inclusive potências imperialistas, e especialmente a China.
  9. Além disso, Trump endureceu a política dos EUA em relação à América Latina, apoiando tendências mais à direita em cada país e se favorecendo da guinada direitista, inclusive golpista, que ocorreu na maioria dos países, especialmente na América do Sul, como já vimos. Essa movimentação visa reforçar a posição geopolítica e, portanto, econômica e militar, dos EUA no continente, através da pilhagem de nossas riquezas. Isso num momento em que está relativamente enfraquecido economicamente em termos planetários e vinha perdendo espaços na região para a China, que se tornou o principal parceiro econômico e maior e maior exportador de capitais para a região, tradicionalmente considerada área de influência do EUA. Mas Trump sofreu uma derrota importante na tentativa de concluir a construção do muro com o México e na própria eleição de um opositor naquele país.
  10. Os ventos que sopram do Norte com Trump não foram nada auspiciosos, mas logo começou a gerar um processo de resistência popular iniciado com manifestações de mais de um milhão de mulheres, que tomaram as ruas das cidades mais importantes dos EUA e assumiram a frente da construção de uma oposição, com importantes marcas de esquerda, aos seus ataques aos direitos civis nos EUA.
  11. Na tentativa de relançar os EUA num processo de crescimento econômico, especialmente no setor industrial, e a sua capacidade de competir com mercadorias importadas de outros países, especialmente com a emergência da China no cenário econômico e político internacional, Trump logo mostrou a que veio: anunciou e tomou medidas legais para o endurecimento da política de imigração, reforçando o racismo; o aprofundamento do Muro que separa os EUA do México; saindo do tratado transpacífico, entre os EUA e os países asiáticos; bombardeando a Síria, sob alegação não comprovada de uso de gás, para tentar impedir o protagonismo russo naquele país e minimizar a derrota política e militar dos grupos militares terroristas ligados aos EUA.
  12. De imediato, recebeu resposta do povo estadunidense em grandes manifestações e no aumento de sua rejeição medida em pesquisas de avaliação do governo.
  13. Mas ele seguiu em sua tentativa de compensar a perda de competitividade da economia dos EUA e seu enfraquecimento político-diplomático, com um misto de ações militares agressivas reais, bravatas e medidas econômicas protecionistas sustentadas pelo estado dos EUA. Além de bombardear a Síria, reconheceu Jerusalém como capital de Israel, agravando os conflitos com o povo Palestino e provocando insatisfação no mundo Árabe. E, como vimos, aprofundou seus ataques na América Latina.
  14. Uma das prioridades na política internacional de Trump tem sido a questão da Península Coreana, onde entrou num jogo de ameaças, mas suas bravatas não impediram os testes nucleares e de mísseis de longo alcance continental feitos pela Coreia do Norte. O regime burocrático daquele país, diante das agressões militares sofridas por outros países tratados pelos EUA (desde antes de Trump) como “Eixo do Mal” e outras adjetivações em tom pejorativo e de ameaças (como o Iraque, a Síria, a Líbia e o Irã), optou por uma autodefesa através da construção de uma força de dissuasão baseada na bomba nuclear e em mísseis capazes de lança-las em longo alcance continental, podendo atingir o Japão e, eventualmente, até os EUA.
  15. Depois dos testes desses artefatos feitos por aquele país, aconteceram ataques verbais furiosos de Trump e movimentações militares dos EUA na região. Abriu-se um processo de negociações e acordos, por iniciativa do governo de Pyongyang (e respaldo da China e Rússia) diretamente com a Coreia do Sul, o que acabou sendo aceito por Trump no encontro entre os presidentes dos dois países realizado em Singapura, um país asiático. O resultado acabou sendo um conjunto de declarações de intensão sem materialidade claramente definida e uma vitória diplomática de Kim Jong-un e uma derrota de Trump e suas bravatas.
  16. O processo de negociação continua se realizando diretamente entre os governos das duas Coreias, para regozijo da China, que será a potência mais diretamente favorecida, na medida em que diminuam as tensões na sua vizinhança e possa ficar mais à vontade para investir seus capitais na parte Norte da península coreana. Pois um dos objetivos da Coreia do Norte no processo de negociação é acabar com o bloqueio econômico de modo a favorecer o comércio exterior e também a entrada de investimentos capitalistas estrangeiros. E a China é um dos maiores interessados nisso. Mas o segundo encontro entre Trump e Kim Jong-um, em fevereiro de 2019, acabou num impasse e sem avanços.
  17. No que ficou conhecido como “Trade War” (guerra comercial), Trump tomou medidas protecionistas, aumentando a taxação da importação de diversas mercadorias, o que atingiu não somente a China, mas também os países do G7 (principais potências imperialistas ocidentais), ou seja, a Europa e o Canadá. E rompeu com o tratado de controle nuclear do Iran, que tinha sido assinado durante o governo Obama e era e continua sendo apoiado pela Europa, China e Rússia. Isto também significou atritos e troca de declarações negativas com algumas lideranças europeias, que não pretendem praticar bloqueios econômicos ao Iran, mesmo porque suas empresas têm interesse em manter relações econômicas com aquele país.
  18. O PIB dos EUA teve um crescimento significativo na comparação com a média dos últimos anos (1,5% em 2016 e 2,3% em 2017), tendência que levou a um crescimento de cerca de 2,9% no final de 2018. Mas não significa que é uma tendência que se manterá, pois esse crescimento teve um impulso imediato da redução de impostos (1,5 trilhão de dólares de cortes) e das medidas protecionistas e da antecipação de exportações para a China, no sentido de evitar as medidas protecionistas chinesas em retaliação às tomadas pelos EUA. Para 2019 a estimativa é de crescimento do PIB em cerca de 2,5%, porém, no primeiro trimestre a produção industrial teve uma queda de 0,9%.
  19. Mas, apesar desse crescimento econômico (mesmo que de sustentação incerta e difícil) a política de Trump tem obtido muito mais derrotas políticas do que resultados positivos, pois suas ações não somente têm resultado em maior oposição interna nos EUA, como piorado a imagem daquele país imperialista no mundo, enquanto melhora a imagem da China, e aumentam seus conflitos com aliados históricos dos EUA. Por outro lado, têm criado dificuldades para a China, mas não têm conseguido impedir o avanço do imperialismo concorrente que vem do oriente.
  20. Ao contrário, o protecionismo e a agressividade econômica e verbal contra seus aliados do ocidente, têm fortalecido politicamente a China e sua principal liderança, o presidente Xi Jinping, como vanguarda da defesa do multilateralismo, da globalização e do livre mercado internacional. O que inclui a defesa das regras da OMC, que favorecem grandes potências econômicas em detrimento dos países dependentes.
  21. Foi isso que aconteceu, por exemplo, durante importante viagem de dez dias de Trump à Ásia, onde ele esteve na China, Japão, Coreia do Sul, Vietnam e Filipinas, que foi a mais longa viagem internacional de um presidente dos EUA desde George Bush em 1992. Mas os resultados políticos e econômicos favoráveis aos EUA podem ser considerados limitados. Na representação que a mídia ocidental fez da visita, Trump aparece sempre dizendo que quer ter boas relações com a China “desde que os interesses dos EUA sejam atendidos”. Um discurso agressivo, mas que reflete uma posição econômica claramente defensiva, priorizando interesses particulares.
  22. Enquanto isso, todas as manifestações dos chineses foram sempre amplas, falando do que seria bom para a economia mundial, sem colocar explicitamente os interesses chineses como condição. E puderam fazer isso porque consideram que estão ganhando a competição econômica.
  23. E esta tem sido a regra. Enquanto o discurso e a prática de Trump têm sido o de “primeiro a América (EUA)” e a criação de barreiras comerciais, o dos chineses tem sido o de que as boas relações entre China e EUA é o melhor para os EUA, a Europa, os países centrais, os “emergentes” e a periferia. Enfim, a economia capitalista global. É o discurso liberal do “ganha-ganha”, ou seja, que todos podem sair ganhando numa competição pacífica em que há complementariedade econômica.
  24. Ou seja, enquanto a ênfase de Trump é o nacionalismo econômico agressivo e reacionário de grande potência, o da China tem sido o do internacionalismo do livre mercado capitalista.
  25. Enfim: com Trump, os EUA sofreram uma derrota política e militar na Síria, derrota diplomática na Coreia, desgaste diplomático sem precedentes com a Europa e o Canadá, derrota política e eleitoral nas eleições presidenciais e congressuais no México e, até agora, nas tentativas de golpe na Venezuela e resistência na Palestina. Além disso, aumentaram as tensões com a Turquia (que é outro aliado histórico estratégico), sofreu perda de apoio e aumento da rejeição popular dentro dos EUA. E não vem conseguindo impedir o avanço do imperialismo concorrente chinês. Muito pelo contrário, pois este tem reforçado sua legitimidade e liderança não somente na periferia como no centro do capitalismo mundial.
  26. E, no final das contas, acabou sofrendo também uma derrota nas eleições do Congresso dos EUA onde, a apesar de manter a maioria no Senado, perdeu a maioria na Câmara dos deputados por uma significativa diferença de cadeiras parlamentares. Além disso, vem “batendo cabeça” com alguns de seus próprios assessores e se desgastando com parte da elite política do Partido Republicano, com parte do empresariado e da grande mídia, assim como do sistema burocrático do estado dos EUA. Além de enfrentar escândalos envolvendo sua vida sexual e a vida ética de importantes assessores. E tudo isso tem dificultado a aplicação de suas políticas.

 

A aliança entre China e Rússia e os conflitos interimperialistas

  1. Como já indicamos em outras oportunidades, a queda do aparato stalinista na URSS não significou um avanço no processo de construção do socialismo. Ao contrário, consolidou a restauração capitalista no Leste Europeu e contribuiu indiretamente com esse processo na China, que hoje tenta se consolidar como alternativa imperialista ao imperialismo estadunidense.
  2. A diminuição no incrível crescimento chinês (que, nos anos mais recentes, tem mantido taxas de mais de 6,5% ao ano) depois do pico da crise mundial de 2008, não significou que essa disputa tenha sido solucionada, pois ainda representa mais do dobro da média mundial e dos EUA e o triplo da média dos países da Europa.
  3. Os EUA seguem sendo a maior potência mundial em diversos indicadores, mas as taxas de crescimento da China e o protagonismo político-militar da Rússia não podem mais ser ignorados. Esses países são, respectivamente, o mais populoso e o mais extenso da Terra, e têm grandes interesses comuns. A China está tendencialmente se transformando na maior economia do mundo e a Rússia é uma grande potência energética e tem tecnologia bélica e espacial de ponta; ambos estão na aliança dos BRICS e têm direito de veto no Conselho de Segurança da ONU. São a 2ª e 6ª economias (PIB-PPP) e a 2ª e 3ª potências militares. A Rússia tem enorme arsenal nuclear estratégico e tático e a China possui a maior força militar terrestre convencional. Suas economias se complementam e a extensão de suas fronteiras comuns permite realizar trocas comerciais com baixo custo e em segurança. A China dispõe de gigantescas reservas em ouro e divisas e é um grande credor dos países ocidentais. Além disso, ambas realizaram nos últimos anos diversos acordos de vulto nos setores, econômico, tecnológico, político e militar. Entre eles, está a “nova Rota da Seda”, que gerará grandes facilidades para o comércio entre Ásia, Europa e África, por via terrestre e marítima.
  4. A China é país onde, provavelmente, nos dias atuais, existe o maior número de greves por melhores salários e condições de trabalho no mundo. Desde o governo de Deng Xiaoping, em 1982, as greves foram proibidas para facilitar as reformas pró-capitalistas. Mas, apesar da repressão, de 2015 a 2019 ocorreram 8.862 greves e cerca de 100 mil atos de desobediência civil por ano. Apesar de serem consideradas ilegais, são parcialmente admitidas enquanto se mantêm em limites economicistas e sem politização. Grupos de estudos marxistas, organizados por estudantes nas universidades, também têm sido proibidos e suas lideranças reprimidas e presas. Mas o regime mantém forte estabilidade política. O mesmo acontecendo com a Rússia, onde é forte a repressão a qualquer movimento reivindicatório e de oposição.
  5. Mesmo não estando colocadas guerras interimperialistas no momento, os conflitos inter-burgueses não são coisa do passado, principalmente considerando a luta por recursos naturais. Não é por outro motivo que a aposta dos EUA para a construção de um ‘novo século americano’ neste sec. XXI passa pelo controle direto das áreas ricas em recursos naturais estratégicos, como o Oriente Médio e o norte da África, produtores de petróleo, e pela atualização de sua política de projeção de poder no centro da Eurásia – o que, entretanto, vem sendo bloqueado a partir da aliança formada entre Rússia e China.
  6. Como vimos acima, no período mais recente, aprofundaram-se as contradições e conflitos entre os EUA de um lado e a China em aliança com a Rússia de outro. Na Rússia, Putin e seu grupo reforçaram sua liderança autoritária, vencendo as eleições. Na China, o Congresso do PCC (Partido Comunista da China), realizado no final de 2017, reafirmou formalmente sua linha de “Socialismo com as características chinesas”, o que significa de fato a reafirmação do processo de conversão ao capitalismo, e aprovou um Plano Quinquenal que visa ampliar e aprofundar o protagonismo imperialista Chinês. Do ponto de vista interno, o Plano Quinquenal pretende “diminuir as desigualdades sociais” que a direção chinesa reconhece que é muito forte e tomar medidas para conter a destruição ambiental de grandes proporções que cresceu com o desenvolvimento de tipo capitalista nos últimos anos.
  7. Para enfrentar a cada vez mais difícil competição com as empresas chinesas dentro da lógica do “livre mercado”, os EUA têm, além das medidas de protecionismo econômico, apelado para ações tipicamente políticas. É o caso da empresa de telecomunicações Huawei, que já é a segunda maior produtora de celulares do mundo, tendo ultrapassado a Apple e ficando atrás da Sansung. Mas a principal ameaça econômica e tecnológica da Huawei não são os celulares, mas as redes 5G, ou quinta geração de redes de Internet sem fio, no que a Huawei tem o vanguardismo, ganhando concorrências para sua implantação em vários países, inclusive nas maiores economias do mundo. Sem condições de concorrer econômica e tecnologicamente com essa empresa, os EUA vêm criando obstáculos políticos. Sem comprovações tecnicamente confiáveis, acusa a empresa de servir de braço do estado chinês para espionagem internacional e, com isso, conseguiu que vários países sob sua influência, bloqueassem contratos já em andamento para a implantação de redes produzidas pela Huawei. Nesse esforço, chegou a conseguir que o Canadá prendesse a executiva e filha do fundador e principal dono da empresa, Meng Wanzhou, que é diretora financeira da empresa.
  8. Por outro lado, consolidou a política de partido único monolítico e a liderança pessoal de Xi Jinping dentro dele e do estado, concentrando em suas mãos os três cargos políticos mais importantes do país: Secretário Geral do Partido, Presidente da República e chefe da Comissão Militar. E o PCC passou a ter um CC e um Secretariado político mais unificado em torno das posições que defende, com o afastamento de opositores internos. Num prestígio que somente Mao Tsé-Tung havia tido, suas ideias passaram a ser consideradas oficialmente “Pensamento Xi Jinping”. Em termos internacionais, em virtude das ações protecionistas e agressivas de Trump, também aumenta seu prestígio como estadista.
  9. Entretanto, a China também tem sofrido as consequências da crise mundial, com queda progressiva do seu crescimento, aumento da dívida, e tendo que tomar medidas para aumentar o mercado interno. Agora, tem feito um grande esforço econômico e diplomático para contrabalançar a guerra comercial provocada pelo protecionismo dos EUA. Sua ofensiva tem priorizado a Ásia, a África, a Europa e o Oriente Médio, tanto através de encontros, fóruns e acordos multilaterais, como bilaterais, realizando exportação de capitais na forma de investimentos e financiamentos, como dando demonstrações de boa vontade na abertura para ampliar relações comerciais. E sem reduzir sua presença na América Latina, que tem avançado nos últimos anos.
  10. No seu esforço expansionista, a China tem como um de seus principais sustentáculos o projeto da Nova Rota da Seda, que é um conjunto de ações de infraestrutura com vistas a facilitar o comércio entre China e o resto do mundo, especialmente a Ásia em geral com a Europa e a África. Esse projeto consta de eixos principais. Um por via, terrestre, fundamentalmente ferroviário, que sai da China, atravessa o Casaquistão e a Rússia para atingir toda a Europa. O outro por via marítima, passando pelo Mar do Sul da China, Oceano Índico, Mar Vermelho e Mediterrâneo. Assim, o projeto recebeu o nome oficial de “Iniciativa de uma Estrada e um Cinturão” (em inglês, Belt and Road Iniciative – BR). Ambas as vias da BRI incluem um sem número de outras vias de acesso.
  11. Tudo isso envolve um conjunto complexo de negociações de parcerias com outros governos, órgãos internacionais, empresas e outras instituições de todo o mundo. Nesse sentido, em 2019, a China realizou o Fórum da Nova Rota da seda, que teve representantes de cerca de 100 países, sendo 40 chefes de estado.
  12. Ademais, China e Rússia têm aprofundado os laços na área de segurança e também feito manobras militares conjuntas, no sentido de dar demonstração de capacidade defensiva e retaliativa também nessa frente da disputa interimperialista. A China também tem acelerado seu investimento militar e sua produção bélica, ampliando, mesmo que moderadamente, sua presença militar mundial. Construiu bases militares em atóis no Mar da China – que eram e continuam sendo reivindicados por outros países como Vietnam, Filipinas e Malásia – e também construiu sua primeira base militar em outro país, no Djibuti, região estratégica que fica no Chifre a Ásia e entrada no Mar Vermelho e ponto chave para o rota marítima do BRI. Ao mesmo tempo, tem ampliado sua presença em missões de paz, como no caso do Sudão.
  13. Uma preocupação mais recente dos chineses, foi a vitória de Bolsonaro no Brasil que, durante a campanha, anunciou que pretendia restringir as relações econômicas com a China que, segundo ele, têm sido “ideológicas”. O que, entretanto, não será fácil de fazer. Os chineses são hoje o maior parceiro comercial do Brasil, maior importador e maior investidor externo, e já deram demonstração pública de que não estão dispostos a aceitar prejuízos sem retaliação. Além das relações econômicas dos chineses serem marcadas pelo pragmatismo e não terem nada de “preferência ideológica”, as principais bases econômicas produtivas internas de sustentação à campanha de Bolsonaro (setor primário exportador, especialmente o agronegócio e mineração), tanto dependem grandemente de exportações para a China, quanto desejam investimentos e financiamentos, especialmente na infraestrutura, para facilitar a produção e seu escoamento para exportação. Os grandes capitalistas brasileiros não estão dispostos a abrir mão dos seus interesses econômicos em troca de aventuras ideológicas do presidente que apoiaram. E isso tem feito Bolsonaro recuar em suas pretensões ideológicas.

 

A manipulação política via novas plataformas

  1. Dentro da recente ofensiva e bons resultados políticos do conservadorismo de extrema direita, internacionalmente destacam-se os novos meios de manipulação política, originados a partir da empresa britânica Cambridge Analytica e seus usos em processos eleitorais e de decisão política plebiscitária como o Brexit, a eleição de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil e outras em países da África, Ásia e Leste Europeu.
  2. A partir de bancos de dados capturados através do Facebook e Google e usando o Facebook ou WhatsApp como plataformas de divulgação de mensagens, essa técnica de manipulação política consegue identificar não somente tendências políticas e ideológicas e elementos psicossociais que já eram identificados pelas técnicas de pesquisa sociológica, da ciência política e da psicologia, como ir mais adiante.
  3. Agora, é possível fazê-lo de modo a identificar as particularidades de grupos e subgrupos sociais e ideológicos ainda mais restritos e até indivíduos, permitindo o uso de uma comunicação direta que explora, de modo diferenciado e focado, as opiniões, sentimentos e emoções, no sentido de provocar reações dos indivíduos de acordo com suas pretensões político-ideológicas. Tanto reações de rejeição a determinadas lideranças políticas, como a partidos e concepções político-ideológicas, especialmente “identificadas” ou marcadas como sendo “de esquerda” ou supostamente de esquerda, para demonizá-las e, assim, criar um clima político favorável a determinadas plataformas políticas, partidos e candidaturas.
  4. Portanto, são técnicas que identificam uma situação psicossocial e, dentro dela, toda uma variedade de elementos que podem ser explorados manipulativamente para criar as condições favoráveis a determinados candidatos (de direita e extrema direita) ou questões em momento de decisão (como o caso do referendum do Brexit), para então descarregar mensagens, massivas e repetitivas, específicas para cada tipo de eleitor.
  5. Em alguns casos, a Cambridge Analytica foi ainda mais adiante, se utilizando de agentes (inclusive prostitutas) para incidir diretamente sobre os candidatos oponentes, obtendo informações sigilosas, promovendo desmoralização das imagens, fazendo chantagens etc.
  6. Um instrumento fundamental que faz parte desse tipo de técnica manipulativa têm sido as “Fake News”, notícias falsas, às vezes baseadas em algum fato real, inventadas para desmoralizar lideranças, figuras públicas, intelectuais, partidos, movimentos sociais, instituições do estado e da sociedade civil, e até mesmo grandes empresas de mídia liberais, assim como concepções políticas e ideológicas.
  7. Isso é um fato novo que agrega capital manipulativo ainda mais nefasto e destrutivo para a burguesia e a direita política, que já contava com os grandes meios de comunicação tradicionais como a TV e o rádio, que, de fato, nunca foram imparciais e nem expressões de notícias realmente verdadeiras.
  8. Cabe, portanto, sobre isso, tanto a investigação, o esclarecimento e a denúncia, como também defender a tomada de medidas legais contra seu uso, e ações que impeçam ou neutralizem o seu uso e/ou seus efeitos.

 

A ofensiva conservadora e a resistência dos trabalhadores e dos povos

  1. A crise mundial, desde 2008, tem gerado outras consequências, além do aguçamento dos conflitos interimperialistas, onde EUA e China ocupam as principais posições de polos opostos, porém dentro da mesma lógica geral do capitalismo no atual momento de sua fase imperialista.
  2. Há também uma maior polarização política em muitos países, como resultado da disputa aberta entre as classes e frações de classe para o seu enfrentamento. Como já vimos em resoluções anteriores, o resultado tem sido um enfraquecimento de posições liberais clássicas e das tendências mais à direita da social democracia. Esse processo abre espaço, por um lado, para um reaparecimento com força de uma direita radical, que tem vários matizes, desde partidos que disputam dentro da institucionalidade até uma extrema direita com perfil mais claramente fascista ou neofascista, que aparece, com suas características particulares, em todos os continentes. Por outro lado, abriu-se um processo de reconstrução de uma resistência popular mais à esquerda, combinado ou não com um reaparecimento de uma social democracia que resgata uma política mais à esquerda e uma maior combatividade econômica do sindicalismo clássico burocratizado.
  3. A resposta a uma caracterização para a situação atual da luta de classes, entretanto, não pode ser resolvida com um discurso simplista, que tem sido praticado por setores da esquerda brasileira e mundial, tanto de que estaríamos vivendo uma profunda defensiva diante de uma grande onda conservadora, fascista ou neofascista mundial generalizada. Tampouco há evidências de que o avanço da resistência ocorrido entre 2011 e 2014 tenha continuado com o mesmo vigor e, muito menos, que estivéssemos numa situação revolucionária ou a caminho dela.
  4. Como temos dito, estamos vivendo um longo período de ofensiva do grande capital sobre os trabalhadores e os povos oprimidos e de resistência diante desses ataques.
  5. E, neste período histórico, tanto o desenvolvimento da resistência na luta de classes (direta ou por via eleitoral), como a ofensiva da direita institucional ou extrainstitucional, golpista ou baseada em grupos milicianos ou paramilitares, com maior ou menor presença de grupos que possam ser chamados de fascistas ou neofascistas, tem variado. A análise do período mais longo, portanto, não pode ser feita com base em situações imediatas, sem ver o conjunto do desenvolvimento do movimento. Esse tipo de erro tem feito com que tanto forças organizadas como lideranças populares e intelectuais de esquerda transformem momentos e situações particulares em situações de fundo, tirando daí análises gerais equivocadas.
  6. Foi o caso de alguns setores que viram nos movimentos da chamada “Primavera Árabe”, no movimento dos “Indignados” da Espanha e até mesmo na “Jornadas de Junho” do Brasil uma crise ou situação revolucionária. Por outro lado, na situação atual, vários setores só enxergam os fatos mais negativos da conjuntura, sem fazer uma análise dialética do período, e concluem que a conjuntura estaria marcada por uma grande onda conservadora ou fascista mundial e uma situação de profunda defensiva dos trabalhadores e dos povos oprimidos.
  7. Nossa posição é de que existe, sim, uma ofensiva do capital e da direita em geral, mas que isso não caracteriza uma “onda conservadora” ou fascista generalizada em todos os países. A resistência popular também tem tido idas e vindas. Não é um processo linear. Tem variado na intensidade, formas de luta e organização e na expressão eleitoral. Houve momentos mais fortes em termos internacionais entre 2011 e 2014, quando tivemos os movimentos citados acima, além de uma profunda crise de hegemonia na Grécia e os setores mais à direita ainda não tinham obtido resultados eleitorais ou fraudes e golpes, como os que aconteceram na Argentina, Brasil, EUA, Reino Unido (Brexit), a capitulação do Syriza na Grécia e a situação de capitalização à direita não tinha se consolidado nos países árabes e Norte da África e na maioria da América Latina.
  8. O resultado das eleições que acabaram de acontecer no México, um dos três países mais importantes da AL, mostra isso. É claro que está em questão até que ponto o novo governo do partido MORENA vai levar adiante de fato um programa e uma estratégia realmente de esquerda ou não, mas é uma demonstração de que, certamente, “onda conservadora” não é
  9. As várias greves gerais e a vitória política da legalização do aborto na Argentina, que teve uma brilhante campanha de massas e chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas foi derrotada no senado, além do profundo desgaste do governo Macri, também mostram que os governos conservadores estão enfrentando resistência a suas políticas neoliberais mais radicais.
  10. A vitória da polêmica “Constituinte” na Venezuela e a permanente resistência a várias tentativas de golpe, dentro de um enorme cerco do grande capital, especialmente dos EUA, apesar da atual direção governamental venezuelana não ter, de fato, o objetivo de levar adiante um processo de revolução bolivariana, também é um sinal importante. Da mesma forma, as grandes mobilizações de massa e vitória plebiscitária da independência da Catalunha e a posterior queda do governo da direita na Espanha.
  11. Outro exemplo são as mobilizações dos trabalhadores, o movimento contra o racismo e o Brexit no Reino Unido abrem a possibilidade de vitória de Jeremy Corbyn, que representa uma virada à esquerda do Partido Trabalhista. Este saiu de uma linha claramente liberal para um programa mais próximo do trabalhismo reformista social democrata clássico. Nesse quadro, também está a derrota eleitoral da direita, depois de muitos anos, em Portugal, a vitória da legalização do aborto na República da Irlanda e a greve geral no Uruguai em 2017 e diversas e radicalizadas lutas na França: entre elas as mobilizações do Coletes Amarelos, as lutas estudantis, as greves contra a reforma trabalhista em 2017 e as greves em série do ferroviários em 2018.
  12. Outro destaque importante foi a Greve Geral na Índia, ocorrida em 8 e 9 de janeiro de 2019, quando cerca de 200 milhões de trabalhadoras e trabalhadores que, convocados unitariamente por 10 Centrais Sindicais, lutaram contra os ataques do governo aos direitos dos trabalhadores e a restrição à liberdade de organização sindical, alterando uma lei de 1926. Foi considerada a maior Greve Geral da história do capitalismo e envolveu os setores público e privado, incluindo a indústria, comércio, setor de serviços, agricultura, ferrovias, transporte rodoviário, transporte público, eletricitários, mineiros, bancos, escritórios, hospitais, escolas (professores e estudantes), comunicações e trabalhadores rurais e teve uma decisiva participação das
  13. Também a campanha e o apoio popular obtido por Bernie Sanders durante a disputa interna da candidatura presidencial do partido democrata, seguida das mobilizações em resistência às políticas de Trump nos EUA, estão dentro deste contexto. E em 2018 teve a derrota de Trump nas eleições para a Câmara dos deputados dos EUA, inclusive com a vitória de alguns parlamentares mais à esquerda. Destacamos a eleição de um recorde nacional de 92 deputadas, 21% da Câmara. Uma delas é Alexandria Ocasio-Cortez (Nova York), que tem 29 anos, tem militância de esquerda e é a mais jovem deputada já eleita na história dos EUA. Outras foram as primeiras mulçumanas eleitas para o Congresso dos EUA: Ilhan Omar (imigrante da Somália) e Rashida Tlaib (de origem palestina).
  14. Não são exemplos de um avanço revolucionário, mas representam derrotas do conservadorismo e do neoliberalismo e uma contraposição à sua ofensiva.
  15. Outro exemplo foi a eleição na Costa Rica, onde venceu o candidato de centro-esquerda Carlos Alvarado Quesada que derrotou o evangélico Fabricio Alvarado Muñoz, candidato pelo partido conservador Restauração Nacional (RN), surgido a partir do crescimento das igrejas neopentecostais no país. Foi uma eleição fortemente polarizada por temas de costumes, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, direito humanos e temas religiosos, em que o candidato vencedor defendia o estado laico e o casamento de pessoas do mesmo sexo. Mas, se o resultado eleitoral mostrou uma vontade popular anticonservadora e antineoliberal, o novo governo logo se alinhou como imperialismo, como no posicionamento sobre a Venezuela.
  16. Também é importante registrar o resultado eleitoral na Colômbia onde, depois do acordo para o desmonte da guerrilha das FARC, e sua transformação num partido legalizado, as forças de centro-esquerda, esquerda e populares, mesmo não vencendo as eleições presidenciais em 2018, conseguiram retomar um certo protagonismo e ir ao segundo turno das eleições, em que o candidato de centro-esquerda Gustavo Petra obteve 42% dos votos, rompendo a polarização entre duas candidaturas de direita no período anterior. Mesmo que, por outro lado, apesar dos acordos de paz e desarmamento das FARCs, continuam os assassinatos de lideranças populares promovidas por grupos paramilitares e o assassinato de políticos em geral: só nesse processo eleição mais de 140 foram mortos.

 

O protagonismo das mulheres na Resistência Popular

  1. Na luta da mulheres, tivemos na França, Itália, Portugal e Espanha, importantes mobilizações, especialmente nessa última, com a primeira greve geral de mulheres da história do país. Foram mais de cinco milhões de mulheres que deixaram de ir trabalhar em 200 cidades. Na Espanha, as mulheres ganham em torno de 21% a menos que homens em um trabalho de igual valor, isso quando lhes permitem chegar a cargos de tal responsabilidade, visto que, ainda perdura a divisão sexual do trabalho. O movimento teve como inspiração o chamado “dia livre das mulheres” de 1975 na Islândia, quando 90% das mulheres deixaram de trabalhar e saíram às ruas para se manifestarem pela igualdade. Cinco anos depois, o país elegeu a primeira mulher presidente.
  2. As organizações feministas espanholas realizaram atividades preparatórias com meses de antecedência e que culminaram em 24 horas de paralisação no 8 de março de 2018, Dia Internacional da Mulher. O mote era “Sem nós, o mundo para”, com objetivo de mostrar o papel central que as mulheres exercem tanto no aspecto econômico e trabalhista quanto no doméstico e social, dada a falta de corresponsabilidade dos homens na divisão de tarefas e, principalmente, o não reconhecimento do direito de decidir sobre seu próprio corpo. A luta feminista mais uma vez tomou protagonismo na luta pela transformação da sociedade.
  3. Na América Latina, nos últimos anos, também tivemos crescentes mobilizações de mulheres denunciando o feminicídio e a violência a que as mulheres estão sujeitas. A iniciativa “Ni Una a Menos” surgiu em 2015 como manifestação espontânea, inicialmente em três países latino-americanos, e denunciou o assassinato brutal e estupro de cinco jovens mulheres, transformando a indignação em luta nas ruas. Mais que isso, pautou o caráter internacional do tema.
  4. A luta pelo direito ao aborto legal, que é uma bandeira histórica do movimento feminista no mundo, teve um momento forte evidenciado no processo de votação em dois turnos realizado pelo congresso argentino, sob o governo neoliberal de Mauricio Macri. Por conta da mobilização das mulheres e suas entidades, que contou com passeatas e manifestações do “lenço verde”, instalou-se o processo de debate. Em 14 de junho de 2018 foi aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, mas em 08 de agosto o voto conservador no Senado se impôs, impedindo sua aprovação.
  5. Mas as lutas das mulheres não param e em outubro de 2018 foi realizado no sul da Argentina o 33º Encontro Nacional de Mulheres, reunindo mais de 55 mil participantes, que continuam seu processo de mobilização por direitos gerais e pelo direito ao aborto em particular.
  6. Essas mobilizações, em que as mulheres têm se notabilizado como o sujeito político protagonista, repercutiram no Brasil e em muitos países com a mobilização no período eleitoral de 2018 com o Movimento #EleNão. Nesses atos a pauta feminista foi evidenciada, na denúncia contra o feminicídio, contra a reforma da previdência, que precariza o trabalho das mulheres, que têm tripla jornada laboral, e pela luta pelos direitos civis, como o direito democrático e elementar de decidir sobre suas vidas e seus corpos. Esse processo de mobilização obteve saldo organizativo, ainda que com fragilidades, como exemplificam o “Ni Una a Menos” na Argentina e na Itália e o Paro Internacional de Mujeres América Latina. Mostrou também que as mulheres têm sido um dos sujeitos com importante protagonismo na resistência popular na atual conjuntura internacional e nacional.
  7. A decisiva presença das mulheres na Greve Geral na Índia, a eleição de uma bancada de mulheres de esquerda para a Câmara dos deputados dos EUA e o papel fundamental das mulheres na luta contra Bolsonaro e o conservadorismo no Brasil, são mais alguns exemplos do destaque que as mulheres têm tido na atual conjuntura da luta dos povos, onde Marielle foi uma mártir que continua viva nas lutas das mulheres e dos povos do mundo contra todo tipo de exploração e opressão.

 

Ousando lutar, venceremos!

  1. Os fatos da conjuntura não autorizam uma avaliação de que o momento de maior radicalização e amplitude da luta de massas, ocorrido entre 2011 e 2014, continua avançando. Essa ofensiva redundou em avanço da direita nos espaços institucionais em vários estados nacionais e avanços eleitorais da extrema direita com características fascistas em outros, mesmo que não tenham obtido condições de chegar ao governo, como em algumas regiões da Alemanha.
  2. A correlação de forças continua amplamente favorável ao grande capital. O período continua sendo de resistência popular contra a ofensiva do capital, que tem atacado os direitos dos trabalhadores e do povo, aprofundando a dependência. Por outro lado, os fatos mostram que o que estamos vivendo, apesar da ofensiva da direita, não pode ser caracterizado como uma “onda conservadora” generalizada com adesão ampla das massas no mundo e sim como um momento de idas e vindas no processo de lutas. Em alguns países há uma “onda conservadora” em outros uma contra-ofensiva popular e democrática.
  3. O “fim da história” e a supremacia do império do capital, preconizados pelos arautos do capitalismo, não resistiram ao agravamento da crise estrutural do capitalismo a partir de 2008. O vaticínio de “Socialismo ou Barbárie” está mais atual que nunca: ou a classe trabalhadora avança e constrói, de forma consciente e determinada, o novo, a sociedade livre da exploração e da opressão do capital, ou a humanidade caminhará a passos largos para a destruição irreversível dos recursos naturais, transformados em simples mercadorias, e dos recursos humanos, cada vez mais vulneráveis às intempéries e “humores” de uma classe que se revela cada vez mais mesquinha e incapaz de pensar para além de seus interesses de classe. Num mundo em que a cada quatro segundos morre uma pessoa de fome, apesar de termos condições de alimentar com folga toda a população mundial, fica evidente que o problema é político e social, não de escassez.
  4. A situação mundial parece marcada pelo aprofundamento da polarização provocada pelos ataques da burguesia aos direitos históricos conquistados pela classe trabalhadora e povos oprimidos, que buscam construir a resistência em nível internacional. Essas lutas mexeram com o status quo das direções tradicionais dos movimentos sociais, o que abre possibilidades à direita e à esquerda. Em algumas situações a direita e a extrema direita estão aparecendo como alternativa.
  5. Cabe aos ativistas sociais de esquerda e socialistas aproveitarem as possibilidades abertas com essa situação. Devemos disputar todos os espaços, inclusive os institucionais e eleitorais, mas restringir ou priorizar a disputa aos parâmetros estabelecidos pela classe inimiga é um erro imperdoável. A luta real se desenvolve na vida concreta, na luta por moradia, por emprego e por comida, saúde, educação e segurança. E na luta geral contra as opressões, o neoliberalismo, o imperialismo e pela garantia de liberdades democráticas.
  6. É aí que temos que estar, militando incansavelmente e buscando conscientizar e organizar a vanguarda social lutadora em seus organismos sindicais, estudantis, populares e de luta contra as opressões, mas fundamentalmente construindo a ferramenta revolucionária mais importante: o partido revolucionário, o que deve ser feito dentro das condições concretas de cada país.
  7. O Brexit e a vitória de Trump mostram os impasses da globalização imperialista neste momento da crise estrutural do capitalismo. Evidenciam também as contradições entre a tendência universal do capital de se expandir e romper fronteiras e os interesses de parcela das burguesias nacionais e burocracias estatais, que buscam reforçar bases políticas, estatais e territoriais, próprias – e isso está gerando instabilidade e fraturas nos blocos econômicos ocidentais. Mas, por outro lado, nas regiões onde a China tem maior presença econômica, política e diplomática (como a Ásia, Ásia-Pacífico, Eurásia e África) e/ou tem relação com seu projeto da Nova Rota da Seda (One Belt One Road Initiative (BRI) – Iniciativa do Cinturão e da Rota), esses blocos têm mantido ou aumentado sua importância.
  8. Além da crise mundial e da decadência econômica relativa dos EUA, é a emergência da China, o que divide o grande capital estadunidense (e mundial), assim como suas elites políticas e militares sobre os caminhos a seguir para enfrentar essa nova situação. A China, por outro lado, vem procurando, em aliança com a Rússia, além de manter sua ofensiva econômica e avanços tecnológicos, reforçar sua capacidade militar de dissuasão, especialmente aeroespacial, marítima e de tecnologias de informação. Essa ofensiva, entretanto, não representa uma alternativa socialista e popular, mas uma perspectiva nacionalista das frações de classe e elites políticas dominantes de seus países.
  9. O mundo está cada vez mais dividido. De um lado a burguesia, que não é um bloco monolítico (ao contrário, experimenta processos autofágicos para se manter no poder), demonstra toda sua capacidade de inovação e de perversidade. O inédito grau de concentração de renda revela uma classe sedenta e sem pudores: fará o que for necessário para manter o sistema capitalista, mesmo que isso signifique colocar toda a humanidade em risco. Do outro lado, a classe trabalhadora demonstra que, apesar das novas configurações do mundo do trabalho, não está disposta a se acomodar. Deixar de lutar não é uma opção. Isso se manifesta através de novos movimentos e correntes políticas presentes nos movimentos sociais, assim como as tradicionais estruturas sindicais, que, além de mobilizações e greves, também têm começado a ocupar um novo espaço eleitoral, mesmo que ainda sem uma linha programática e estratégica efetivamente socialista e revolucionária. A resistência aos ataques da burguesia é uma medida de autodefesa de sua integridade como classe. Cabe aos revolucionários interpretar e intervir nesse processo para que avance a consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras.
  10. Essa talvez seja a grande tarefa do período: ganhar a consciência da classe trabalhadora mundial. As muitas lutas que estão sendo travadas pelo povo e pelos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo ainda não são compreendidas como uma totalidade. Enquanto perdurar essa alienação, essa fragmentação e falta de visão totalizante, não avançaremos de forma consequente.
  11. Portanto, as lutas pelo direito à vida, à saúde, educação, salário, moradia e trabalho, assim como o enfrentamento de todas as opressões e em defesa do meio ambiente – seja na luta de massas ou nos espaços institucionais – são indispensáveis, mas são insuficientes para a revolução. É preciso demonstrar que enquanto perdurar esse sistema capitalista nunca poderemos viver em paz, com dignidade e verdadeira liberdade. Sempre haveremos de estar lutando para sobreviver.
  12. Permanece mais atual que nunca a tarefa de transformar a classe trabalhadora de classe em si para classe para si. E isso só será possível se, ao mesmo tempo que travarmos cada luta contra a exploração econômica, as opressões culturais, a dominação política, a opressão e dependência nacional, e a destruição ambiental, também travarmos uma batalha pela conscientização política das trabalhadoras, trabalhadores e de todo o povo oprimido. Nessa jornada, cabe aos revolucionários construir as ferramentas sociais, culturais e político-partidárias necessárias à revolução socialista em cada país e, em nível internacional, articulações e fóruns que permitam interação e intercâmbio político e teórico.

 

Trabalhadoras e Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!

Ousando Lutar, Venceremos!

VII ENAPS – ENCONTRO NACIONAL DA APS/PSOL

[1] Desde o início da década de 1970.

[2] V ENAPS – Encontro Nacional da Ação Popular Socialista, maio de 2012.

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