O III ENE venceu barreiras em um grave cenário político do país. Mas reafirmou um projeto classista e democrático de educação e a luta contra o desmonte em curso da educação pública. Veja o artigo de Magda Furtado e a Carta final do Encontro.
Os desafios do projeto do Encontro Nacional de Educação (ENE)
Por Magda Furtado*
O III Encontro Nacional de Educação, que aconteceu em Brasília de 12 a 14 de abril, moveu-se pela urgência de duas tarefas: organizar a resistência aos ataques da extrema-direita encastelada no poder contra a educação pública, como ponta de lança da excludente proposta de estado mínimo; e a reafirmação de um projeto classista e democrático de educação que também demarca com o Plano Nacional de Educação de 2014, produto evidente da estratégia esgotada da conciliação de classes. Um momento importante de diálogo entre o movimento sindical combativo da educação e o movimento estudantil que reuniu 1200 ativistas durante três dias no campus da UNB. Um encontro pleno de potencialidades de construção do avanço da resistência. Exatamente por isso, enfrenta riscos e boicotes.
A terceira edição do ENE venceu barreiras para acontecer, em um cenário de agravamento da situação política no país. Sua carta, que reafirma um projeto classista e democrático de educação, precisa de nossa força de divulgação para que se constitua como uma alternativa tanto ao PNE do governo Dilma, que sequer está sendo aplicado, quanto ao projeto que está em curso, de aberto desmonte da educação pública. A aprovação da Emenda 95, que congela os investimentos do governo em educação e saúde, juntamente com seus instrumentos de aplicação, como a Reforma do Ensino Médio e a BNCC, representa uma degradação de novo tipo no cenário de rapinagem, com o qual não há qualquer possibilidade de negociação, acelerada no governo Temer e tendo segmento trôpego (porque o MEC esteve paralisado) no governo Bolsonaro. Os novos ataques, como a proposta de educação domiciliar e as tentativas anunciadas de controle do ENEM, por exemplo, alinham-se ao objetivo declarado de caracterizar a educação pública como o inimigo a ser exterminado. Só não estão sendo eficazes na destruição pela nossa resistência e também pelo descarrilhamento da própria estrutura do MEC, tomado pela fração mais obscurantista desse governo.
Foi instaurado no país um clima de perseguição aos professores a partir da formulação de um fantasioso “marxismo cultural”, que agita o projeto chamado de “Escola sem partido”, e que na prática se caracteriza por uma tentativa de censura inconstitucional à prática docente e ao livre debate de ideias que sempre caracterizou a educação crítica e emancipadora. Esse bizarro projeto não foi aprovado em nível federal, mas serve de álibi para perseguições absurdas país afora, sem que o STF paute enfim a consideração de sua gritante inconstitucionalidade. Chegou-se a anunciar um projeto de “Lava-jato na educação”, que ameaça mais perseguição aos educadores, às entidades de classe e às instituições de ensino. No cerne desse projeto mostra-se evidente o interesse de se desmerecer e asfixiar a educação pública, gratuita e laica, em todos os níveis, para facilitar sua entrega à sanha dos grupos privados de educação. Esse é o cenário em que aconteceu o III ENE. Se a luta dos estudantes e dos educadores se unifica, vamos longe.
Tendo resistido por quatro anos, nas edições de 2014 e 2016, à avassaladora cooptação da maior parte do movimento social ao projeto de conciliação de classes dos governos petistas, que conceberam o Plano Nacional de Educação sancionado por Dilma em 2014, o ENE se constituiu em um polo de resistência para a construção de um projeto alternativo de educação emancipadora, com independência de classe. Assim, sua principal oposição ao PNE de 2014 era a defesa imediata dos 10% do PIB para a educação exclusivamente pública. A crítica era dirigida à prevalência de interesses particulares no projeto de educação dos governos petistas, que enriqueceram grupos privados de educação beneficiários de verbas públicas carreadas por projetos como o FIES, o PROUNI, as isenções fiscais em troca de bolsas de estudo, as parcerias com o Sistema S (SESI, SESC, SENAI), as parcerias público-privadas em projetos de educação a distância e o PRONATEC (cursos profissionalizantes aligeirados, no interesse imediato das empresas por mão de obra barata e de baixa formação, usando a estrutura dos Institutos Federais), entre diversos outros ralos por onde escorria dinheiro público para a educação privada.
Dessa forma, as entidades da educação que defendiam o PNE de 2014 não participaram do “Comitê Nacional da Campanha pelos 10% do PIB para Educação Pública, Já!”, que organizou os dois primeiros ENEs, que, na plenária final do II ENE (2016, em Brasília), converteu-se na Coordenação Nacional das Entidades em Defesa da Educação Pública (CONEDEP). A tarefa posta era construir um projeto a contrapelo do PNE apresentado pelos governos petistas, que empreendiam um forte processo de cooptação das entidades do movimento social em sua defesa. Portanto, o ENE nasceu no bojo da construção de um terceiro campo, em oposição tanto aos projetos privatistas da centro-direita, que tinha estado no poder com FHC, quanto ao campo da conciliação de classes, no poder entre 2003 e 2016.
Essa delimitação de espaço significava, portanto, não contar com grandes centrais como a CUT e a CTB, com os principais movimentos estudantis, como a direção majoritária da UNE e da UBES, com os movimentos de educação popular vinculados ao MST, com confederações como a CNTE, engajada na defesa do PNE, e os sindicatos da educação municipal e estadual dirigidos pelas centrais cooptadas pelo projeto de conciliação de classes. Apenas as oposições a esse campo fizeram parte desse projeto de resistência, com todas as dificuldades de participação das oposições e minorias sindicais – tendo que bancar os custos de alimentação e deslocamento. Concretamente, a construção do Encontro Nacional de Educação foi um esforço de grandes sindicatos nacionais da educação de direção majoritariamente independente, como o ANDES e o SINASEFE, a minoria da FASUBRA, movimentos estudantis como a Oposição de Esquerda da UNE e a ANEL, algumas entidades de classe e uma única central, a CSP-Conlutas, que também nasceu no mesmo movimento de oposição ao projeto de conciliação de classes. Mesmo que o PNE sancionado tenha adiado para 2024 os 10% do PIB para a educação, ainda que já carreando verbas públicas para a educação privada em projetos em execução, os principais movimentos sociais aplainaram suas críticas para não fazer oposição ao governo federal.
Construir um projeto alternativo e classista, que tinha como bandeira a luta por 10% do PIB já (e não apenas em 2024, como estava no PNE de Dilma) para a educação exclusivamente pública – portanto, contra a drenagem de recursos para projetos de interesse da iniciativa privada, como permitia o PNE – era o enorme desafio do I Encontro Nacional de Educação, ocorrido no Rio de Janeiro em 2014. Diante disso, a primeira edição do ENE enfrentou dificuldades de logística, com a negação de uso de diversos espaços públicos, e o boicote de entidades do movimento sindical e estudantil apassivadas pelo apoio ao projeto educacional do governo. Porém, os movimentos combativos, tanto o estudantil quanto o sindical, jogaram peso e o ENE teve sua estreia como o polo mais avançado de resistência da educação pública aos interesses do Capital. Naquele momento o FIES e o ProUni já propiciavam o vertiginoso crescimento de grandes grupos de educação superior privada, que se expandiam também via educação a distância. Alguns desses grupos se mantinham quase exclusivamente pelas bolsas do ProUni e financiamento do FIES, com mensalidades majoradas, oferecendo cursos de baixa qualidade, com pífio desempenho nas avaliações e nenhum investimento em pesquisa ou qualificação docente.
O II ENE, em junho de 2016, já aconteceu tensionado pelo processo de impeachment de Dilma, o que reforçou o boicote de diversas entidades estudantis e sindicais cujas direções mantinham o apoio ao governo. Apesar disso, foi o maior de todas as edições, com mais de dois mil ativistas, entre estudantes e educadores, e intensa participação da plenária em todo o processo, propiciando o avanço na construção de um projeto alternativo e classista de educação. Foi marcado pela resistência contra o sucateamento da educação pública já em curso naquele momento, dado o forte ajuste fiscal aplicado pelo governo Dilma como forma de enfrentar a enorme crise econômica e política que atingia o país.
Sendo uma articulação aberta de um terceiro campo, independente tanto do projeto de conciliação de classes quanto do neoliberalismo mais duro – que no último período foi engolfado aqui pela extrema direita neofascista, em guerra aberta com a educação pública – o Encontro Nacional de Educação corre risco. Seu autofinanciamento depende principalmente dos grandes sindicatos da educação, todos eles sob ataque do governo Bolsonaro, que teve como mote de campanha “acabar com todo o ativismo” e a demonização das entidades sindicais. Essa perseguição se materializou na Medida Provisória 873, que ataca a autossustentação das entidades ao proibir a consignação em folha das mensalidades sindicais dos filiados. Ainda que seja derrubada essa MP (no momento, a consignação está mantida provisoriamente por meio de liminares), sabemos que virão outros ataques ao movimento sindical e à organização dos trabalhadores, visando ao enfraquecimento da resistência aos direitos duramente conquistados pelas lutas da classe trabalhadora. A educação pública, estando sempre na vanguarda da resistência, é o alvo de primeira hora, com ameaças constantes, sem garantia alguma de contenção pelo arcabouço judicial ainda de pé no país. Somos nós por nós mesmos.
Afora as ameaças que sofrem os sindicatos da educação, não podemos ignorar os riscos que a proposta do ENE corre a partir do boicote dentro das próprias entidades. Seu projeto se evidencia como independente tanto da concepção educacional rebaixada do neoliberalismo quanto da estratégia da conciliação de classes, ao apontar para a construção de um terceiro campo. Essa é a sua força, mas também seu ponto de ataque mais evidente, e de todos os lados – inclusive o chamado “fogo amigo” ou o famigerado “corpo mole”. São aqueles que não só não vão divulgar o projeto, como seguirão defendendo o desgastado caminho que pavimentou a beira do abismo.
Porém, para dizer com Drummond, havemos de amanhecer; acalentamos um projeto de educação para não construir somente na negativa do que está posto. Para que o futuro não repita o passado. Assim, o III ENE constituiu grupos de debate de nove eixos temáticos, que são nove linhas de pesquisa e elaboração de um projeto classista e democrático, com independência de classe. Conhecimento, currículo e avaliação;
- Formação de trabalhadores da educação;
- Trabalho na Educação e condições de estudo;
- Universalização da educação, acesso e permanência;
- Gestão / organização do trabalho escolar;
- Gênero, sexualidade, orientação sexual e questões étnico-raciais;
- Financiamento da educação;
- Democracia e autonomia no espaço educacional e liberdade de cátedra;
- Organização da classe trabalhadora.
Convidamos à leitura e divulgação do documento do III ENE, em anexo a seguir, bem como sua divulgação, reflexão, aprofundamento e incorporação às nossas lutas. E que venha o IV Encontro Nacional de Educação!
*Magda Furtado é professora, membro da Coordenação da Resistência e Luta, da Executiva Nacional da CSP-Conlutas e da Direção Nacional do SINASEFE, a qual representou na CONEDEP, na construção do III ENE.
CARTA DO III ENE (ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO)
O III Encontro Nacional da Educação reuniu mais de 1200 pessoas de todo o país para discutir os rumos da luta por uma educação pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Mais do que em qualquer outro momento, foi um encontro marcado pelo reconhecimento de uma dupla tarefa para lutadoras e lutadores que atuam em defesa da educação pública e gratuita: avançar no debate de um projeto classista e democrático de educação e, ao mesmo tempo, resistir contra o programa da extrema-direita a serviço do capital.
Educadoras e educadores, estudantes, técnico-administrativos, funcionários, lutadoras e lutadores de todo o país se reuniram para discutir os desafios da luta em uma conjuntura marcada pela nomeação de um Ministro da Educação que tem experiência atuando em favor de banqueiros e especuladores, mas não tem qualquer acúmulo ou experiência na educação, pelo fuzilamento de uma família de negras e negros por forças militares, pelo crescimento assustador no número de feminicídios, por diversos ataques contra grupos LGBTQ, povos indígenas e quilombolas e a classe trabalhadora em geral e, finalmente, pela tentativa do atual governo de aprovar a toque de caixa uma nefasta Reforma da Previdência.
Banqueiros e patrões atacam os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora para enriquecerem com a privatização da educação e o aprofundamento da exploração da classe trabalhadora. Contra tudo isso, a classe trabalhadora e a juventude mostraram diversas iniciativas de resistência. Exemplos disso foram: a importante Assembleia Nacional da Classe Trabalhadora em 20 de fevereiro; as manifestações massivas e paralisações em favor dos direitos das mulheres no dia 08 de março; as ações no dia 14 de março para lembrar o brutal assassinato de Marielle Franco por milicianos e para lutar contra a criminalização de movimentos, lutadoras e lutadores sociais; e o dia nacional de lutas contra a reforma da previdência em 22 de março. Estes são apenas alguns exemplos que mostram a disposição de resistência da classe trabalhadora e que, acima de tudo, revelam que só a atuação organizada e unitária da classe trabalhadora e da juventude por meio de seus fóruns, centrais, frentes, sindicatos, organizações e movimentos autônomos e democráticos pode derrotar e reverter os avanços da extrema-direita. Sem isso, a construção de uma greve geral para defender os direitos historicamente conquistados pela classe trabalhadora não será possível.
Ao longo de três dias aprofundamos as discussões sobre as bases necessárias para construir um projeto democrático e classista de educação. A necessidade deste
projeto parte do reconhecimento de que os avanços da extrema-direita foram pavimentados pelo fracasso da política de conciliação de classes. Esta, além de ter preparado as derrotas que abriram espaço para a extrema-direita, contribuiu para que os acúmulos históricos de organizações, movimentos e militantes da educação fossem pervertidos em um Plano Nacional de Educação (PNE) que fez inúmeras concessões ao setor privado e às bancadas conservadoras que hoje atuam em favor do movimento Escola sem Partido, da Educação Domiciliar e outros projetos do capital para a educação. Por sabermos que a formação e o enriquecimento da individualidade humana só podem ocorrer por meio da socialização do patrimônio histórico acumulado pela humanidade, lutaremos cotidianamente para afirmar a educação pública e gratuita como um direito fundamental da classe trabalhadora que deve ser defendido por todas e todos que buscam emancipação humana.
A desqualificação da atividade docente, as tentativas de cerceamento da liberdade de ensinar e aprender, a privatização e a precarização da educação são alguns exemplos das incursões do capital que contam com o apoio de fundamentalistas, obscurantistas e outros agentes da direita que querem restringir a formação humana aos interesses de empresários, patrões e seitas religiosas. O desmonte da educação pública e gratuita é parte de uma ofensiva contra os serviços públicos, os quais são estratégicos para assegurar melhores condições de vida para a classe trabalhadora e para a juventude. Por isso, nossas elaborações sobre um projeto classista e democrático de educação não podem se dar de forma separada das lutas unitárias com todas e todos que lutam contra o desmonte dos serviços públicos, contra a retirada de direitos e por igualdade social.
Os debates sobre a construção de um projeto classista e democrático de educação acumularam na formulação de princípios fundamentais e ocorreram em grupos com a finalidade de atualizar do Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira. A síntese dos grupos é apresentada a seguir.
Conhecimento, currículo e avaliação
Partindo da proposta de combater uma avaliação em larga escala, meritocrática e em favor do capital as discussões do grupo, com a finalidade de defender um conhecimento contra a domesticação para o trabalho e a alienação da capacidade de reflexão crítica e criativa, destacaram os elementos necessários para assegurar a autonomia das comunidades escolares na organização de seus projetos pedagógicos e suas formas de avaliação. Estas devem ser condizentes com as necessidades e os objetivos educativos de cada contexto, estabelecidos pelos próprios trabalhadores da
educação, professores, técnicos, funcionários, estudantes e comunidade. Assim, as discussões no grupo abordaram o combate à adequação do conhecimento, do currículo e da avaliação às necessidades do capital. Para tanto, foram destacados aspectos como a revogação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Reforma do Ensino Médio, defesa de um projeto classista e libertário de educação, defesa da autonomia escolar contra o gerencialismo nas escolas, atualização do Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, defesa do ensino, pesquisa e extensão na educação básica.
Formação de trabalhadores da educação
O grupo problematizou os processos formativos instados pelo Estado. Foram debatidos os impactos da agenda do capital na formação dos professores, a saber: precarização do ensino, cursos curtos e técnicos, proliferação do ensino a distância de diversos cursos, ampliação dos cursos de graduação em universidades privadas, falta de formação continuada e distanciamento das redes de ensino básico em relação à universidade. Também se debateu a necessidade de se repensar o processo de formação dos professores pautado em um projeto de educação classista e democrático alicerçado na defesa do ensino presencial, público, gratuito e de qualidade. Dessa forma, o programa de formação de professores deve ser crítico e criativo, atrelado às lutas da classe trabalhadora, retomando a proposta de formação continuada, articulada com a formação inicial, buscando o desenvolvimento profissional. Tal proposta deve: a) articular diferentes instituições, sistemas de ensino, escolas e universidades que são instituições com uma tradição na formação de trabalhadores da educação; b) considerar as necessidades dos trabalhadores da educação e da prática educativa; c) articular as dimensões políticas, teóricas e práticas; d) garantir diretrizes para formação dos professores e combater a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em todos os níveis; e) revisar as ementas dos cursos de licenciaturas.
Trabalho na Educação e Condições de Estudo
Contra a precarização do trabalho na educação e das condições de vida de estudantes, foram discutidas estratégias para forjar a unidade entre técnicos, estudantes e professores, além de propostas para garantir condições de trabalho e estudo, combater as incursões privatistas e expansão desordenada e a intensificação ou flexibilização da exploração. As discussões denunciaram realidades locais marcadas por uma série de características comuns: precarização dos contratos, extinção de concursos, atraso de salários, terceirização, militarização das redes de educação, ampliação irrestrita da EaD, ausência de garantias de acesso e permanência, adoecimento de professores e
estudantes, situações de assédio e patrulhamento ideológico. Algumas estratégias para garantir o acesso e a permanência de estudantes, assim como melhores condições de trabalho foram destacadas: apoiar cursinhos populares, gestão e eleição democrática de dirigentes, buscar unidade entre os três segmentos caracterizada por relações marcadas por solidariedade mútua, promover a identidade de classe de trabalhadoras e trabalhadores da educação, combater o privatismo e o liberalismo na educação, utilizar a extensão como espaço de formação política. Destaque especial foi dado para a centralidade da luta contra reforma da previdência e a construção da greve geral.
Universalização da Educação, Acesso e Permanência
O grupo de trabalho avaliou como tem se dado o processo de implantação de políticas de universalização, acesso e permanência dos estudantes das instituições de ensino públicas no Brasil, especialmente aquelas e aqueles que são mais atingidos pelos cortes: negras e negros, indígenas, quilombolas e outros grupos historicamente excluídos. Foi apontado como os cortes de verbas públicas para as instituições públicas de ensino e as precárias condições de permanência na educação básica têm ampliado a evasão no ensino básico e superior ao longo dos anos. Foi destacado como a ausência de creches universitárias para filhos e filhas de estudantes durante as aulas tem se apresentado como um desafio à permanência estudantil. Foi debatida a necessidade de políticas de garantia de permanência estudantil como políticas efetivas de universalização da educação em todos os níveis e modalidades, com a ampliação de recurso ao Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), a garantia de restaurantes universitários, alojamentos, creches, passe-livre, ampliação das bolsas de permanência. Apontou-se para a necessidade de acompanhamento social e psicológico aos estudantes como forma de evitar o agravamento de doenças mentais e situações extremas, como o suicídio. Também foi destacada a necessidade de se combater o capacitismo e de se defender uma educação inclusiva com políticas de acessibilidade aos estudantes com deficiência. Faz-se necessário buscar formas de ampliação das políticas afirmativas com garantias de permanência, como cotas sociais, raciais e para pessoas com deficiência. Foi apontada ainda a necessidade da luta contra o fechamento das escolas do campo e a necessidade de políticas de permanência dos estudantes nessas escolas.
Gestão/Organização do Trabalho Escolar
No grupo foram discutidas as principais dificuldades para a gestão e organização do trabalho escolar nas realidades locais: ausência de concursos, salários baixos e atrasados, escassez de material escolar, destruição e militarização das escolas,
ingerências e incursões de empresas privadas sobre o trabalho escolar no cotidiano, problemas de financiamento, aprofundamento da terceirização e da privatização por meio das Organizações Sociais (OS), implementação do ponto eletrônico/biométrico, aprovação do Escola sem Partido em alguns municípios, ausência de autonomia dos trabalhadores na organização do trabalho pedagógico, parcerias público-privadas, propostas de redução do ensino médio integrado e ausência de autonomia na gestão e organização. Em resposta a isso foram pensadas propostas como a construção de lutas contra: o controle do trabalho (como o ponto eletrônico/biométrico); a redução da autonomia da gestão e da organização do trabalho escolar; a BNCC e programas como a Residência Pedagógica; intervenções da Polícia Militar (PM) e do judiciário nas instituições educacionais. É importante incorporar formas de organização da Educação gestadas democraticamente e contando com a participação e o controle da comunidade escolar.
Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Questões Étnico-Raciais
As discussões nos grupos de Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Questões Étnico-Raciais caminharam destacando a especificidade e a transversalidade das discussões de gênero, diversidade sexual, orientação sexual, étnico-raciais e da pessoa com deficiência, o que significa defender a educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada como instrumento de luta contra as opressões e de conscientização. Destacou-se a necessidade de um enfrentamento direto às políticas que visam afastar as questões ligadas a gênero, sexualidade, orientação sexual, capacitismo e questões étnico-raciais das instituições educacionais. As propostas para combater opressões de gênero, LGBTfóbicas, racistas e capacitistas foram: o desenvolvimento de estratégias de articulação entre escola e comunidade; permanência de disciplinas que promovem conhecimento crítico (sociologia, filosofia, educação física, literatura, artes, história etc.); criação de espaços de formação contra opressões com a participação de homens brancos e cisgêneros; definir estratégias de enfrentamento e denúncia ao assédio sexual nas instituições educacionais; garantir políticas de permanência para estudantes LGBTQ expulsos de casa; dar visibilidade às diversas minorias; construção de instrumentos como comitês, frentes e comissões em defesa dos direitos das mulheres, população LGBTQ, negras e negros, indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, ciganos, pessoas com deficiência; dar centralidade à luta em defesa da criação de leis de cotas para os diversos segmentos já citados neste documento, assim como a manutenção das leis 11645/08 e 12990/14 por serem medidas importantes para a luta contra o
racismo; a defesa da educação especial e inclusiva; readequações estruturais dos espaços educacionais promovendo acessibilidade; estimular a produção de materiais que oportunizem o acesso ao conhecimento para pessoas com deficiência. Além disso, destacou-se que a construção da greve geral deve buscar articular a pauta econômica com a luta contra as opressões e deve se dar utilizando metodologias que dialoguem com as várias lutas contra as diversas opressões.
Financiamento da Educação
Os grupos sobre Financiamento da Educação abordaram a centralidade do tema para a construção de uma educação pública, gratuita e de qualidade. A partir da problematização da privatização da educação e do desvio de recursos públicos para os bolsos de banqueiros e patrões, os grupos destacaram as seguintes reivindicações: realização de uma auditoria da dívida pública com vistas à ruptura com o sistema da dívida pública; revogação da EC 95/2016 que estabelece o teto dos gastos sociais; defesa da imediata aplicação de 10% do PIB na educação pública, incluindo as três esferas governamentais; luta pela reforma tributária progressiva; divulgação de informações e dados que desconstroem a ideia de que há déficit na previdência e não há recursos públicos; lutas pelo financiamento público da ciência e tecnologia públicos; combate à renúncia e a sonegação fiscal; luta contra a cobrança de mensalidades ou taxas nos cursos de graduação e pós-graduação nas universidades públicas; desenvolvimento de estudos sobre o financiamento da educação pública e gratuita; reafirmação de que recursos públicos devem ser aplicados integralmente no ensino público; defesa de que verbas públicas previstas para a educação (como o orçamento que foi previsto para o FUNDEB) sejam de fato destinadas à educação pública e gratuita; consolidação do PNAES e expansão do programa; debate e combate ao decreto 9725/19 em âmbito nacional.
Democracia e autonomia no espaço educacional e liberdade de cátedra
O grupo debateu os processos históricos que culminaram na conquista da liberdade de cátedra, do direito de aprender e da democratização dos espaços da escola e da universidade. Também foi analisada a conjuntura atual de avanço ultraliberal e dos ideais conservadores que têm agravado a perseguição dos docentes e aumentado as ameaças à democracia nas instituições de ensino. Foi identificado que é fundamental a construção de redes de solidariedade e apoio aos professores perseguidos por apologistas do Escola sem Partido promovendo a defesa política e jurídica desses docentes, assim como, do fortalecimento da Frente pela Escola sem Mordaça. Também
foi debatido o avanço da militarização e o impacto na democracia interna das escolas. Outro aspecto que tem ferido a autonomia universitária e a gestão democrática das instituições de ensino diz respeito à eleição de reitores, com o não respeito ao resultado das consultas à comunidade e o respeito a nomeação dos primeiros colocados nas listas tríplices.
Organização da classe trabalhadora
Os grupos sobre reorganização da classe trabalhadora refletiram sobre as lutas e a organização necessária para enfrentar os reiterados ataques da agenda neoliberal contra a educação; o processo de uberização da educação; a reforma da previdência; a Escola sem Partido e outros ataques contra a classe trabalhadora. Tudo isso demanda a construção de uma ampla greve geral para barrar a reforma da previdência. Parte fundamental deste processo é o fortalecimento da unidade das centrais e fóruns já existentes ou, aonde for necessário, construir tais espaços para enfrentar os ataques do governo. Essas iniciativas devem se dar em todos os níveis, desde os mais gerais aos mais locais e devem buscar o desenvolvimento de estratégias para informar a população sobre a reforma da previdência, o rombo da dívida pública e ataques do governo. Discutiu-se, também, sobre ações para integrar os diferentes setores da classe trabalhadora na educação e propostas de organização de trabalhadores informais, terceirizados e temporários. Finalmente, destacou-se que no processo de reorganzação da classe trabalhadora, medidas como o estreitamento da parceria com a Auditoria Cidadã da Dívida Pública e a criação de mídias alternativas são passos fundamentais.
Plano de lutas
Além dos acúmulos para o projeto classista de educação, o III ENE avançou nas articulações necessárias para organizar a luta contra os ataques neoliberais da extrema-direita. Neste sentido, as nossas resoluções foram:
Intensificar esforços para a construção de um calendário nacional de lutas e ações nos locais de trabalho, estudo e moradia para barrar a contrarreforma da previdência.
Rumo à construção da greve geral para derrotar os ataques da extrema-direita.
Construção de semana nacional de paralisação da educação em defesa da educação pública e gratuita, dos serviços públicos e contra a reforma da previdência.
Defender o direito irrestrito de organização de lutas e movimentos sociais, manifestações e greves e lutar contra a criminalização de lutadoras e lutadores sociais.
Manter a luta pela revogação da contrarreforma trabalhista, Emenda Constitucional 95/2016 e outros ataques que retiraram direitos da classe trabalhadora e resultaram na precarização dos serviços públicos.
Aprofundar os esforços de luta contra o Projeto Escola sem Partido e em defesa da liberdade de cátedra e ensino, assim como continuar construindo a Frente Nacional Escola Sem Mordaça como experiência unitária para defender um projeto classista e democrático de educação.
Combater e denunciar a educação domiciliar reafirmando o projeto de educação como direito social básico que deve ser de responsabilidade pública.
Combater o processo de militarização da educação.
Defender eleições democráticas para escolha de dirigentes e combater todas as tentativas de eliminar a gestão democrática e a autonomia das instituições públicas de educação.
Defender as escolas e a educação no campo, assim como o projeto de educação construído nos movimentos populares.
Sabendo que essa pauta não será realizada no nível atual de organização e consciência da classe trabalhadora e da juventude, afirmamos a importância do trabalho de base e a centralidade da unidade para que entidades e movimentos sociais avancem na luta contra a extrema-direita, em favor da educação pública e gratuita e por uma outra sociedade para além do individualismo imediatista, contra as opressões e para além do capital.
Calendário
– Semana de paralisação da Educação de 22 a 29 de abril de 2019, com ênfase no dia 24/04 como dia de greve da educação contra a reforma da previdência.
– 01 de maio unitário das centrais contra os ataques da extrema-direita.
– Por uma greve geral em maio (indicativo para 15 de maio).
– Construir o dia 28/06 como dia nacional de lutas contra LGBTfobia.
– Construir o dia 21/09 como dia nacional de lutas em defesa dos direitos da pessoa com deficiência e de combate ao capacitismo.
_____________________________________________________________
Os artigos publicados não representam necessariamente a opinião do site
nós trabalhadores devemos embarcar nessa luta.