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Na resistência à Reforma da Previdência, 70 mil ativistas tomaram as ruas em São Paulo, 15 mil no centro do Rio de Janeiro e milhares em diversas cidades do país no Dia Nacional de Lutas de 22 de março. Por Magda Furtado*

Em menos de quatro dias, duas imagens na cidade São Paulo impactaram o mundo do trabalho. Na sexta-feira, 22 de março, 70 mil ativistas tomaram a Avenida Paulista, no maior dos atos do Dia de Luta em Defesa da Previdência Pública, convocado pelas centrais sindicais com a adesão de movimentos populares. Na terça, 26 de março, 15 mil desempregados lotaram o Vale do Anhangabaú em imensa fila organizada, convocados pelo Sindicato dos Comerciários de São Paulo, filiado à UGT, em ação conjunta com os patrões, na esperança de preencher um dos prometidos 6 mil postos de trabalho no comércio e outras 1300 vagas em cursos de qualificação, em parceria com SENAI, SENAC e o Estado de São Paulo. Para alguns, essa segunda imagem deve ilustrar a nova atuação reservada aos sindicatos, colaborando com o capital. Para nós, a organização da luta rumo à greve geral é a tarefa irrenunciável e urgente que cabe às entidades dos trabalhadores.  A primeira imagem, apesar de mais espetacular, foi escondida na mídia, assim como as demais imagens da luta no 22M por todo o país; já a segunda foi transmitida com flashes ao vivo, como uma espécie de mutação pós-moderna de povo organizado.

Neste momento de crise e ataques, que ameaçam inclusive existência das organizações dos trabalhadores – vide a MP 873, que proíbe a consignação em folha das contribuições voluntárias dos filiados, editada no momento exato do início da tramitação da reforma da Previdência, numa tentativa de enfraquecer o movimento – os sindicatos colaborativos interessam muito ao governo e ao Capital. As filas espetaculares da gincana do “mutirão do trabalho” – cujos vencedores, depois de mais de 24 horas de espera em pé e ao relento, já saíam com autorização de desconto em folha da contribuição sindical – nada mais são do que um efeito nefasto da ortodoxia econômica, que intensifica o desemprego com as altas taxas de juros das políticas recessivas. Aos sindicatos de luta, que organizam a resistência dos trabalhadores contra a aceleração dos ataques aos direitos, a tarefa é tomar as ruas, fazer o debate nas bases e construir a greve geral. Caso contrário, muito em breve a precarização será tamanha que não haverá mais direitos a serem defendidos, nem aposentadoria pública pela qual lutar, e a maioria dos postos de trabalho será ocupada por terceirizados, com salários miseráveis, tendo que trabalhar até morrer.

Mas existe ainda outro papel sendo urdido nos bastidores para os sindicatos e centrais viciadas no imposto sindical: o papel de gestores de fundos de pensão para os filiados, como já existe nos EUA e Canadá, caso seja aprovado o sistema de capitalização para a previdência social. Projeto semelhante já circula entre dirigentes das grandes centrais, todas abaladas financeiramente com o fim do imposto sindical, que engordava o caixa das muitas entidades cartoriais. Talvez isso explique inclusive por que algumas entidades não estão jogando o peso devido na luta contra a reforma da Previdência, assim como não jogaram contra a reforma trabalhista, negociando nos bastidores, esperando amenizar alguns pontos e substituir o imposto sindical por outra taxa. O capital faminto pressiona e o governo responde com mais ataques, desta vez à própria existência das entidades. Se não construírem com peso a luta agora, vai restar a essas entidades o papel de organizadoras de filas de desempregados e vendedoras de planos de capitalização.

A reforma trabalhista foi aprovada, o imposto sindical caiu e não temos a suposta recuperação do índice de emprego. As contas da previdência social, que omitem os grandes devedores e as receitas desvinculadas, pioram em muito nessa conjuntura, com menos trabalhadores contribuindo e mais gente vivendo de seguro-desemprego e benefício dos idosos do BPC. Enormes filas de desempregados geram imagens impactantes, mas, ao não criar vagas novas, apenas fazem aumentar a concorrência para cada posto já existente e trazer publicidade para as entidades promotoras do evento. A receita neoliberal, aplicada de forma radicalizada pelos “Chicago-boys” no poder, e que já vinha sendo intensificada nos últimos anos, não tem como recuperar a economia e absorver a mão de obra desse enorme contingente de desempregados que a crise do capital, agravada pela nossa desastrada política, produziu.

Somente em uma ditadura absolutamente fechada uma proposta extremamente dura de reforma da Previdência como essa do governo Bolsonaro poderia ser apresentada sem crise política. O projeto pretende retirar da Constituição a estrutura de previdência solidária, articulada com a seguridade social e a saúde, jogando para lei complementar a criação do cruel sistema de capitalização, abrindo caminho para a desoneração da contribuição patronal. Países que adotaram esse sistema, como o Chile, viram-se diante do grave problema social do suicídio de idosos aposentados, que não tinham como sobreviver com benefícios miseráveis, depois de uma vida inteira de trabalho.  Por isso, em nada surpreende o clima de atrito que está sustando o início da tramitação do projeto elaborado pela equipe de extremistas da economia liberal de Paulo Guedes.

Na vanguarda da resistência a esse projeto, 70 mil ativistas tomaram as ruas em São Paulo, 15 mil no centro do Rio de Janeiro; diversas cidades do país também tiveram massivos atos no 22M, Dia Nacional de Lutas contra a Reforma da Previdência. Foi o segundo passo na retomada das grandes manifestações pelo movimento sindical, em aliança com o movimento popular e estudantil – o primeiro foi dia 20 de fevereiro, na Assembleia da Classe Trabalhadora, em São Paulo, reunindo 5 mil ativistas no meio da semana. Paralisações, assembleias no local de trabalho e mobilização em diversos pontos marcaram o dia de lutas por todo o país, culminando com atos públicos com maior força nas capitais. Um importante passo à frente do caminho da construção de uma greve geral – nossa melhor chance de derrotar a mais acalentada reforma pelo mercado financeiro, barrando a destruição da previdência pública embutida no sistema de capitalização.

Ao mesmo tempo, graves sinais de desgaste, luta interna e crise do governo já começam aparecer, agravados por sua falta de base parlamentar. Ainda não são janelas, mas frestas de atuação diante do instinto de autopreservação do parlamento, que teme votar uma reforma rejeitada pela população, apesar de toda a propaganda oficial. Essa rejeição e a possibilidade do retorno das grandes mobilizações, que teve um bom ensaio nos atos do dia 22 de março, pressionam efetivamente o Congresso.

No mesmo dia em que uma parte significativa da classe trabalhadora atendeu ao chamado das centrais para se mobilizar, uma crise se instaurou no governo Bolsonaro a partir de uma luta interna entre frações da direita extremada, porém com diferentes prioridades. A fração da Lava-jato, com seu desprezo pelas garantias constitucionais e pela política em geral, segue criando atritos com o congresso. Os evangélicos no poder e os discípulos do guru Olavo de Carvalho são obcecados por empurrar a pauta ultraconservadora de costumes, independente dos prejuízos políticos, e paralisam áreas importantes do governo como o MEC. Os economistas liberais a serviço do mercado – a equipe de Paulo Guedes – compõem o terceiro grupo de extremistas sem habilidade nem sensibilidade política para disputar posições, perceber que há uma maioria que não vota por ideologia, mas sim por negócios, e constatar que sua ganância não pode ser satisfeita em tudo. A atuação desastrada dessas frações tem aberto flancos de desgaste do governo no Congresso que alarmam o mercado. O projeto de Bolsonaro enfrenta dificuldades no bate-cabeça com os partidos que supostamente comporiam sua base, dando um choque de realidade nos liberais entreguistas, que supunham que teriam “carta-branca” e não são afeitos ao jogo parlamentar de uma democracia burguesa.

Um projeto duro como esse, que pretende retirar garantias constitucionais de solidariedade entre as gerações, entregando barato a previdência pública para o mercado financeiro com a proposta de capitalização a ser implantada por mera lei complementar, só seria aprovado com a rapidez esperada em uma ditadura escancarada, com o congresso e o povo amordaçado. Em condições regulares pode não passar – e isso está sendo dito aos extremistas “liberais” pelos próprios partidos do chamado “centrão”, que estão longe de militar pelas causas populares. Como disse o próprio Maia, o congresso só tem 80 liberais de fato – para completar os 308 votos, é preciso “conversar”. Uma disputa interburguesa que tem como pano de fundo a queda da popularidade de Bolsonaro, ao tentar tocar a mais impopular das reformas, mas também o único motivo pelo qual o mercado o apoiou, muito a contragosto. E ele sabe que se não cumprir essa tarefa o próprio sistema que o elegeu pode buscar uma forma, legal ou forjada, de o substituir por alguém mais centrado dentro da própria e mal articulada coalizão governista.

Também já apresenta sinais de evidente frustração a banda radicalizada moralista, que quer empurrar sua pauta bizarra como prioritária, gerando atritos com os que querem concentrar esforços no ataque à previdência pública – afinal, o mercado financeiro tem fome. Hora de aproveitar o momento de crise escancarada do governo Bolsonaro, que já se reflete em queda de popularidade, para lotar as ruas e fazer tremer os alicerces que unificaram a direita mais toscamente liberal em economia e conservadora ao extremo nos costumes, direitos e liberdades civis.

É fato que a conjuntura é muito dura, mas devemos arrancar disposição, unificar com o otimismo da vontade e convocar novo dia de luta e paralisações para ampliar o movimento e fazer avançar a resistência contra o governo Bolsonaro. Deixar passar essa fresta e descolar do momento de crescimento dos últimos atos é um freio no movimento que pode sair caro.

O Primeiro de maio deve ser unificado, mas não basta. Foi indicado pelas Centrais um dia de luta, 26 de abril, a partir da proposta da CNTE – depois alterada para dia 24 de abril – chamando uma paralisação nacional dos trabalhadores da Educação. Pode ser longe demais, pois o governo está pressionando para votar na Comissão de Constituição e Justiça o projeto da reforma em 17 de abril. Demos um importante primeiro passo com os atos do dia 22 de março, mas a sequência precisava ser mais próxima, arrancando o movimento da conjuntura defensiva ressaltada nas análises de consenso. O projeto que já está tramitando no Congresso retira os direitos previdenciários da Constituição e impõe aos atuais trabalhadores um cenário distante de aposentadorias miseráveis, pois espaço para a capitalização, ou seja, a entrega do sistema público para a gestão e lucro dos bancos. Isso precisa ser exposto com clareza; essa luta não pode ter pausas nem vacilações.

Apesar de toda a crise nas frações do governo, o Capital já está jogando sua pressão no sentido da defesa dos seus interesses.  O governo eleito sabe que se não entregar o quanto antes essa reforma não tem muitas chances de sobrevivência para tentar implementar suas pautas extremistas de costumes, pelas quais construiu sua mitologia, cujo tempo de derretimento chegará – por si mesmas e pelo nosso trabalho de base. A maioria do povo está contra a reforma da  previdência e as ilusões do eleitorado de Bolsonaro estão diminuindo. Mas cerca de 1/3 da população ainda apoia seu governo. Nossa tarefa urgente é construir a greve geral desde a base, sem tergiversação.

Somente com os trabalhadores em movimento, arrancando disposição de luta ao presente, poderemos ter chance de derrotar esse projeto. Rumo à greve geral em defesa da previdência pública!

*Magda Furtado é professora, está na Coordenação Nacional da Resistência e Luta, na Direção Nacional do SINASEFE e na Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

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