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Bolsonaro tem razões para se revoltar com o carnaval por causa da vitória da Mangueira e o escárnio que foliões, de norte a sul, fizeram de seu partido e de seu governo, o escárnio nacional. Veja o artigo do vereador Fernando Carneiro, PSOL Belém*

MANGUEIRA NOTA 10, BOLSONARO NOTA ZERO

A grande campeã do carnaval foi a Mangueira, o grande perdedor Jair Bolsonaro. O Brasil é o país do carnaval. Em todos os estados há desfiles, principalmente de blocos de rua, que brincam ao embalo de marchinhas, muitas destas abordam temas da vida nacional e da política de forma bem-humorada e contestadora. Bolsonaro foi alvo predileto das críticas desse ano, seu governo, com menos de dois meses, coleciona escândalos diários. A maioria devido à corrupção e à imbecilidade sem fim de seus ministros e dele próprio. Nada mais natural que virasse alvo de chacota e da ira nacional. Apesar da recente vitória eleitoral o governo está mal das pernas e tem o pior índice de aprovação dos últimos governos, ficando atrás de Fernando Henrique, Lula e Dilma. Muitos de seus eleitores e adeptos já sinalizam arrependimento e desilusão.

Carnaval é arte e arte é contestação, ruptura e crítica. Vivemos tempos difíceis em que algumas pessoas estão deprimidas com a retirada de direitos, o discurso de ódio e de autoritarismo do governo. Mas eis que a arte se levanta, se nega a submeter-se ao obscurantismo e, de forma alegre mas ácida, transforma em música e espetáculo a indignação de milhões de brasileiros. Foi isso que aconteceu no carnaval, foi isso que aconteceu na Marquês de Sapucaí. E não foi só a Mangueira que trouxe a crítica para a avenida. Outra escola de samba carioca, a Paraíso do Tuiuti, que homenageou o “bode Ioiô”, personagem alegórico que foi “eleito” vereador em Fortaleza em 1922, trouxe no seu samba enredo a exaltação da resistência e a denúncia do conservadorismo. Ademais levou duas enormes bandeiras com um dos slogans da resistência: “ninguém solta a mão de ninguém”.

Mas foi a Mangueira que soube, de forma magistral e emocionante, dar uma aula de história revolucionária. Não foi apenas uma crítica ao governo, embora isso tenha sido feito de forma explícita. Segundo Leandro Vieira, um dos carnavalescos da escola da Estação Primeira, o samba enredo “é um recado político para o presidente Bolsonaro”.  A Mangueira contudo, fez muito mais ao trazer o enredo “História para ninar gente grande”, de autoria de Danilo Firmino, Deivid Domênico, Mamá, Márcio Bola, Ronie Oliveira e Tomaz Miranda. O samba empolgante não sacudiu apenas as arquibancadas da Sapucaí, sacudiu a historiografia brasileira adestrada para contar apenas a história na versão do vencedor.

Ainda segundo Vieira a proposta é “questionar os acontecimentos históricos cristalizados no imaginário coletivo e que, de alguma forma, nos definem enquanto razão. Essas ideias de ‘descobrimento’, ‘independência’ e ‘abolição’ postas em cheque ou questionadas para possibilitar o entendimento do desprezo pela cultura nacional e as razões de uma sociedade pacífica ou, porque não, passiva”. Limpa e cristalina definição de uma nova forma de fazer e escrever a nossa história.

Na bandeira brasileira, ao invés do slogan positivista de “ordem e progresso” os dizeres: “índios, negros e pobres”. O Brasil não foi descoberto, foi conquistado, dominado e saqueado. Não temos apenas 500 anos, estamos aqui há pelo menos 12 mil anos na figura de povos indígenas originários.

Nossos heróis não são Dom Pedro, Dom João, Cabral ou Deodoro. Nossos heróis são Dandara, Mahin, Zumbi, Cunhambebe, Sepé Tiaruju, Eduardo Angelim e tantos outros e outras invisibilizados pela história oficial. A menção a Marielle Franco, às vésperas de completar um ano de sua morte, foi um dos pontos altos do desfile, empolgando ainda mais a impecável apresentação da Verde e Rosa. Bom lembrar que ela e Anderson Gomes foram covardemente assassinados no dia 14 de março de 2018 e até agora ninguém foi preso ou responsabilizado por esse crime bárbaro.

A inquestionável vitória da Mangueira é um sinal claro de que a resistência está viva, de que há empatia popular nessa jornada, de que o povo brasileiro vai se levantar e enfrentar esse governo que flerta com o fascismo, mas se caracteriza pela inépcia e pela submissão vergonhosa ao imperialismo estadunidense.

Bolsonaro tem todas as razões para se revoltar com o carnaval pois de norte a sul os foliões fizeram de seu partido e de seu governo, o escárnio nacional. Os blocos “Partido Só Laranja”, as críticas à famigerada “reforma da previdência”, a ironia à “goiabeira da Damares” são apenas a manifestação lúdica da revolta surda que vai se materializar na resistência e na luta do nosso povo. Bolsonaro está preocupado, ele sabe que vamos à luta. De nossa parte mandamos o aviso que vem das ruas: se prepare isso é só o começo!

 

*Fernando Carneiro, historiador e vereador do PSOL em Belém/Pa.

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