CRISE, OFENSIVA CONSERVADORA E RESISTÊNCIA. NOSSA LUTA É INTERNACIONAL. Resolução de Conjuntura Internacional. Ação Popular Socialista – APS/PSOL.
Nossa luta é internacional.
- A conjuntura internacional continua sendo a da crise econômica e suas repercussões em todos os níveis, gerando conflitos, polarizações e instabilidade política tanto em nível mundial como interna em muitos países, inclusive grandes potências.
- No período mais imediato, o Brexit, a vitória de Trump e a “Trade War” por ele provocada, foram as principais repercussões políticas da crise mundial, dentro do campo histórico dos países imperialistas ocidentais. No âmbito internacional, aprofundaram-se as contradições e conflitos interimperialistas entre os EUA e a China aliada à Rússia. Difusamente pelos continentes, regiões e países, de modo desigual e combinado, está presente um jogo de idas e vindas entre a ofensiva liberal e conservadora (que, em alguns casos nacionais, evoluiu para uma “onda” conservadora com base de massas) e a resistência popular, na luta direta e/ou eleitoral – que não tem o mesmo vigor alcançado entre 2011 e 2014, mas continua viva. Tudo isso tem a ver com a situação do Brasil.
- Tanto as medidas adotadas pelo governo Temer como as que Bolsonaro pretende aplicar estão inseridas no receituário neoliberal clássico, que é aplicado em diversos países do mundo. A divisão internacional do trabalho e a internacionalização da crise e da resistência são fenômenos que condicionam as contradições e que precisam ser estudados por todos os que se reivindicam revolucionários e, portanto, internacionalistas. Não há como entender, por exemplo, a profundidade da crise econômica, social e política no Brasil sem o estudo da situação mundial e das particularidades importantes como os impactos da crise na China e da queda no preço das commodities, que durante anos embalaram um certo crescimento da economia brasileira. Mais que nunca, a luta da classe trabalhadora e dos explorados tem contornos mundiais.
- Por outro lado, as arbitrariedades e ameaças à democracia liberal burguesa no Brasil, desde o golpe através do impeachment à eleição manipulada de um presidente que defende a ditadura militar burguesa de 1964 e é marcado por posições e práticas de tipo fascista, também não são um fenômeno isolado. Fazem parte de um mundo em que as regras liberal-democráticas burguesas têm se tornado mais autoritárias e nas quais a manipulação político-ideológica e a criminalização dos movimentos populares e de esquerda vão se tornando mais necessárias para a manutenção da ordem capitalista.
- O internacionalismo pressupõe a solidariedade internacional entre os trabalhadores e demais setores oprimidos, mas a simples solidariedade não significa ser internacionalista: precisamos, além de fazer a análise sob a ótica internacional, trabalhar para construir ações e articulações conjuntas.
A situação internacional segue sob o signo da crise econômica estrutural
- “Vivemos um período de Crise Estrutural crônica do capital em nível mundial, que é um processo de crise múltipla: econômica, social, ambiental, energética e alimentar, com fortes componentes políticos e culturais. Hoje, ela se situa principalmente nos centros capitalistas, como os EUA e a Europa, mas atinge todo o planeta. Não há sinais de saída “virtuosa”. Observamos o enfraquecimento econômico relativo dos EUA como centro imperialista unipolar e a emergência da China”.
- “Neste período[1], o capital realizou muitas ações, usou de vários artifícios e teve várias “oportunidades” para acumular e tentar superar a crise: o rompimento do Acordo de Breton Woods; a ofensiva neoliberal; o keynesianismo industrial militar; a revolução tecnocientífica; a entrada do capital em novos setores econômicos e regiões geográficas do mundo; maior ataque à natureza com destruição ambiental; fim dos regimes burocráticos na URSS e no Leste Europeu; e a conversão capitalista da China. Mas o resultado foi o aprofundamento da crise”. A citação precedente, parte de nosso V ENAPS[2], fala do pano de fundo, da crise mais prolongada, mais ampla, que está na base da situação atual”.
- Na resolução de nossa Conferência Nacional (março de 2013) reafirmamos que “nada disso evitou o agravamento da crise estrutural do capitalismo. Todas as medidas tomadas só adiaram qualquer resolução estável dos impasses e geraram o agravamento das tensões sociais que vão se expandindo por todos os continentes, inclusive com fortes possibilidades de novas guerras regionais”.
- “Continuam os ataques ao povo trabalhador de todo o mundo. A democracia representativa burguesa vem sendo substituída por um simulacro de democracia totalmente subordinado aos interesses do capital, especialmente de sua fração financeira. Greves, paralisações, desemprego, violência, suicídios vão se espalhando. Os trabalhadores perdem direitos e os cidadãos perdem liberdade”.
- “A resistência cresce, mas a fragmentação da esquerda e as diversas formas de contenção das organizações populares geram impasses para o desenvolvimento das lutas na Europa.”
- Nas resoluções do VI ENAPS (agosto de 2015) afirmamos que “Dentro desse quadro de crise, o mundo passa por uma reconfiguração imperialista – tendo como pano de fundo o atual estágio da crise estrutural do capital – que é consequência da quebra da unipolaridade imperialista baseada nos EUA. De um lado, vemos a ascensão da China numa aliança estratégica com a Rússia, e se articulando com outros estados. Por outro lado, os EUA vivem um processo de enfraquecimento econômico e vinham buscando consolidar um bloco com a Europa. Esta, por seu turno, também vive uma profunda crise e dificuldades para manter o grau de unidade existente”, como vimos no caso da crise na Grécia e especialmente com referendum do Brexit de junho de 2010.
- Hoje, os principais indicadores apontam para a continuidade de um PIB mundial abaixo de 3% e uma tendência da queda da taxa de lucros. A solução encontrada pela burguesia não chega a ser exatamente uma novidade: como sempre, descarrega sobre a classe trabalhadora o ônus da crise que o capital engendrou. Na prática, isso significa a redução de políticas públicas e mais privatizações, ataques aos direitos sociais conquistados a duras penas, incremento do banditismo do capital financeiro através do mecanismo das dívidas públicas, entre outras “medidas de austeridade”.
- Essas “soluções” estão sendo aplicadas na Europa, na África, na Ásia, na América do Norte, na América Latina e na Oceania. Ou seja, guardadas as inevitáveis diferenças de ritmo e intensidade, são as medidas neoliberais adotadas pelo capital em nível mundial. O ataque aos direitos sociais, até então limitado aos países periféricos, atinge hoje todos os países capitalistas, principalmente os mais desenvolvidos. Estamos falando de potências mundiais como Alemanha, França, Itália, Inglaterra, Japão e o próprio bastião do imperialismo mundial, os EUA.
- Evidente que esses ataques implicam modificações na esfera da política. Em geral, temos visto um fenômeno em que sai de cena o setor mais liberal e democrático da burguesia e entra em cena o setor mais conservador e reacionário. A eleição de Donald Trump nos EUA e o avanço da direita no continente europeu, alimentado e retroalimentado pelo Brexit e pela crise dos refugiados, são exemplos disso.
- Outra característica do período é o aumento constante da concentração da riqueza mundial. O relatório de 2016 da ONG britânica Oxfam, baseado em informações coletadas junto ao banco Credit Suisse, aponta, pela primeira vez, que a riqueza acumulada pelo 1% mais rico da população mundial equivale à riqueza dos 99% restantes. O relatório afirma ainda que as 8 pessoas mais ricas do mundo têm o mesmo que toda a metade mais pobre da população global, ou seja 3,6 bilhões de seres humanos. Em 2017 a situação piorou. Os 1% mais ricos (cerca de 7 milhões de pessoas) ficaram com 82% de toda a riqueza mundial produzida naquele ano.
- Na outra ponta desse quadro está a resistência do povo e da classe trabalhadora mundial. O continente europeu foi sistematicamente sacudido por poderosas mobilizações e greves. França, Itália, Espanha e Portugal deram importantes exemplos na luta contra os pacotes de austeridade, tendo ocorrido um movimento buscando construir organizações e ações unificadas no continente (como as manifestações e mesmo greves de caráter continental). Essa ação é dificultada pelo processo de cooptação das organizações tradicionais, que quebrou seu caráter anticapitalista, fortaleceu o reformismo, o corporativismo e as direções burocratizadas que ainda controlam a maioria dos sindicatos e centrais sindicais. Essa resistência também enfrenta um processo ainda limitado de construção de novas vanguardas sociais e políticas. Em 2018, tivemos uma grande greve de metalúrgicos na Alemanha, as grandes mobilizações dos trabalhadores da Hungria contra a “lei da escravidão” do governo de extrema direita e a greve dos estivadores de Portugal. Na Inglaterra, muitas greves parciais e uma grande greve de professores de um mês contra a quebra de direitos previdenciários além de várias grandes manifestações contra o racismo, o fascismo e a visita de Donald Trump. Finalmente, as manifestações radicalizadas dos “coletes amarelos” na França, que obrigou o direitista presidente Macron a recuar em parte de seus ataques contra os trabalhadores.
- Na China, onde o capitalismo foi restaurado à custa da superexploraração da classe trabalhadora, assistimos a um impressionante aumento das lutas. Em 2011 foram registradas 185 greves. Esse número passou de 1.300 em 2015, demonstrando que os 700 milhões de trabalhadoras e trabalhadores chineses não estão mais dispostos a suportar passivamente as jornadas extenuantes e os baixos salários. Fruto dessas lutas, que ainda tem um caráter eminentemente econômico, os trabalhadores têm conseguido conquistar melhores condições de trabalho e aumentar os salários reais.
- Após as ondas de lutas na América Latina, que culminaram com a conquista, ainda que com ambiguidades, de governos com viés anti-imperialista, cujo exemplo mais simbólico foi o de Chávez na Venezuela, o que predomina é a crise econômica e política, em parte alimentada pela influência direta do governo dos EUA (caso da Venezuela) ou de frações do capital estadunidense e a sabotagem da burguesia interna.
- Entre o ano de 2002 e a explosão da crise mundial em 2008 o continente latino-americano experimentou um relativo crescimento assentado no processo de reprimarização da economia em função da alta das commodities, principalmente minério, soja, gado e também petróleo. Alguns países, como o Brasil, ainda conseguiram retardar os efeitos da recessão mundial por algum tempo. Entretanto, a partir de 2013/2014 a crise se instala com força total com altas taxas de desemprego passando dos dois dígitos percentuais. Venezuela, Colômbia, Argentina e, em menor medida, Equador, seguem o mesmo diapasão e veem suas economias se afundarem. Em 2017, o PIB cresceu pouco mais de 1% e em 2018 a previsão é de pouco mais de 2%, bem abaixo da média mundial, que, entretanto, não deve chegar a 3%.
- O componente político dessa crise foi o recrudescimento de uma direita que rompeu com a tendência anterior, de conquistas de governos relativamente menos autoritários. Há poucos anos assistimos a conquistas eleitorais importantes como os casos de Venezuela, Bolívia e Equador. Nesses países, principalmente Venezuela, as mobilizações foram mais intensas e levaram a governos mais à esquerda.
- O atual quadro de dominação imperialista aberto com a implementação do programa neoliberal tem como um dos elementos instituídos a política proibicionista chamada de “guerra às drogas”. A partir dos anos 80 sob o governo Reagan nos Estados Unidos as drogas passam a ser vistas como inimigo público número um do país, justificando a intervenção em diversos territórios, gerando altas taxas de violência, encarceramento e genocídio. Em duas décadas a população carcerária estadunidense quadruplicou, chegando a quase 2 milhões de presos no ano 2000; no Brasil esse contingente ultrapassa meio milhão de pessoas. Em toda a América Latina os dados referentes a problemas de saúde relacionados ao uso de drogas tornaram-se bem piores que antes desse processo recaindo principalmente nos setores mais vulneráveis, como pobres, negros e indígenas. O comércio de drogas, como qualquer atividade comercial no capitalismo, é altamente concentrador de riqueza. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), o faturamento anual desse negócio chega a US$ 870 bilhões. A concentração no comércio de drogas ilegais corresponde a 1,5% do PIB mundial. Um negócio desse tamanho não pode existir sem a conivência e aliança de setores da burguesia. Urge construir uma nova política sobre drogas baseada no fim do proibicionismo, legalizando a produção, o comércio e o consumo de drogas, além do fim das intervenções políticas e militares nos diversos países afetados.
- Na América Latina, continuam pipocando as lutas de trabalhadores, juventude e povos indígenas. Por outro lado, na Venezuela, a morte de Hugo Chávez, com a subsequente entrada de Maduro na presidência, bloqueou a continuidade do projeto bolivariano, que tem aprofundado suas contradições internas, mostrando a incapacidade das forças governantes gerarem uma verdadeira saída revolucionária para a crise e aguçando os interesses norte-americanos na região, visando desestabilizar e derrubar o governo. No caso da Bolívia e, principalmente, do Equador, importantes ambiguidades e vacilações geram fortes tensões com suas bases sociais de sustentação. Isso ocorre por conta da adoção de uma agenda “desenvolvimentista”, voltada para a exploração de recursos naturais, que é incapaz de romper com a dependência e o imperialismo, prejudicando amplos setores populares e colocando em questão o caráter e as perspectivas desses governos.
- No Brasil, Argentina e Uruguai o processo foi de um “neodesenvolvimentismo” ainda mais rebaixado e sem sustentação econômica e política, gerando profunda crise e criando as condições para a queda dos governos dos dois mais importantes países sul-americanos.
- De qualquer maneira, é inegável que estamos, na atual quadratura, diante de um processo de substituição desses governos por versões mais à direita. O golpe jurídico-parlamentar que conduziu Temer à presidência do Brasil é um exemplo dessa tendência. A vitória da direita no parlamento Venezuelano e de Macri na Argentina também são expressões desse projeto. A adoção de medidas privatizantes de empresas estatais e de ajustes na legislação trabalhista no Equador indicam que mesmo os governos remanescentes estão se ajustando às medidas impostas pelo grande capital. Na Bolívia, depois de ser derrotado no referendo para um quarto mandado, o MAS, partido de Evo Morales, decidiu apresentar mesmo assim seu nome para as próximas eleições. Com aprovação popular em queda, mas ainda alta, o governo de Morales experimenta desgastes, com acusações de corrupção e de má gestão dos recursos hídricos. Ainda assim segue em situação menos pior que a de seus vizinhos latinos. De qualquer maneira, a mobilização e as lutas de resistência seguem sendo uma constante em todo o continente.
- A situação na Colômbia envolve o desmonte da guerrilha das FARC e sua transformação em organização partidária legalizada. O acordo inicial foi rejeitado pela população em outubro de 2016, mas, depois de algumas modificações, foi ratificado pelo congresso colombiano. Isso ocorreu depois de 52 anos de uma guerra desigual, em que a burguesia colombiana e o imperialismo contaram com a repressão sistemática do estado que, além disso, dava suporte aos grupos paramilitares ilegais, vitimando mais de 250 mil colombianas(os) e desalojando mais de 5 milhões de pessoas. Entretanto, apesar do acordo de paz intermediado pelos cubanos ter sido saudado como positivo pelos setores mais conscientes do povo e pela grande maioria das organizações de esquerda do pais, os crimes cometidos pelo estado continuam impunes. Ademais, os riscos de eliminação física de lideranças populares de esquerda pelos paramilitares da direita continuam presentes.
- O México viveu um processo de poderosas mobilizações contra o “gasolinaço” (aumento do preço dos combustíveis) e contra o desmonte e a privatização da PEMEX, a Petrobrás mexicana, e a submissão do governo de Peña Nieto ao novo governo estadunidense. O resultado das políticas neoliberais e antipopulares do direitista Peña Neto e das mobilizações foi a sua derrota diante da candidatura de centro-esquerda do MORENA, Lopes Obrador. Foi um voto contra as políticas neoliberais, a corrupção e o controle de parte do aparelho de estado pelo narcotráfico em relação promíscua com o aparato repressivo. Apesar de um programa moderado e de aplicação incerta, sua vitória mostrou que nem tudo na América Latina é aceitação do liberal conservadorismo.
- Desde o fim da URSS, Cuba vem abrindo a economia tanto para investimentos de grandes empresas capitalistas estrangeiras em alguns setores, como turismo, mineração e infraestrutura, assim como para um mercado interno pequeno burguês que, mesmo sob o controle do estado, tem progressivamente ampliado a propriedade privada burguesa no país. Mesmo assim, diferentemente do que ocorreu com o fim da URSS e a conversão capitalista da China, Cuba ainda tem conseguido preservar importantes conquistas sociais da revolução e o apoio da maioria do povo ao governo.
- Tudo isso aconteceu numa situação muito desfavorável e que ainda pode piorar, com a profunda crise que hoje atinge seu principal aliado atual (a Venezuela) e o golpe palaciano seguido da Vitória de Bolsonaro no Brasil – que, durante os governos do PT, mesmo sem ter construído uma política externa verdadeiramente independente e internacionalista, formou uma parceria econômica importante no período mais recente.
- Precisamos acompanhar esse processo, pois influenciará significativamente toda a América Latina. Tudo indica que a postura do novo presidente dos EUA, Donald Trump será de recrudescimento da violência e “exigências” ao governo cubano para que o processo de fim do embargo comercial prossiga. Por isso devemos intensificar a solidariedade ao seu povo exigindo o fim do embargo e o fechamento da base militar de Guantánamo.
- A guerra civil na Síria, que desde 2011 dilacera o país, é uma das piores tragédias do século XXI. Os números da catástrofe são dramáticos: mais de 300 mil mortos, cerca de 5 milhões de pessoas (quase ¼ da população total do país) deixaram a Síria em direção a outros países (principalmente Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia) e 1 milhão destes migraram para a Europa, principalmente Alemanha, Suécia, Dinamarca e Sérvia. Mais de 10 milhões de sírios precisam de ajuda humanitária. Toda rede de infraestrutura (estradas, hospitais, habitações e etc.) está comprometida.
- Na origem da crise na Síria está uma legítima revolta contra um regime ditatorial. As forças em combate não se resumem à dicotômica e confortável disputa entre “bons” e “maus”, entre “imperialistas” e “anti-imperialistas”.
- Mas hoje, de um lado, o governo ditatorial de Bashar Al-Assad, e de outro diversas “facções rebeldes”, na sua grande maioria exércitos de terroristas fundamentalistas, e supostos democratas burgueses e dissidentes do exército oficial. Bashar Al-Assad só se sustenta através da violenta repressão aos grupos opositores e graças ao apoio militar de Rússia, Irã e do Hezbollah libanês e, em menor medida, um apoio político e econômico da China. E os exércitos chamados de rebeldes só se mantêm com o apoio político, financeiro e militar, direto ou indireto, dos EUA, países da Europa, Reino da Arábia Saudita (KSA), Qatar e Turquia e burguesias e castas de outros países da região aliadas dos EUA, além de grupos mercenários de vários países.
- No atual momento, a principal força terrorista, o Estado Islâmico, está praticamente derrotada, sem capacidade de ações de vulto. Mas os grupos sustentados pelos EUA, Turquia e outros países continuam em ação, mesmo que com suas forças também enfraquecidas.
- Se em algum momento o governo Sírio desempenhou um papel relativamente progressivo ao enfrentar o imperialismo estadunidense, isso se perdeu nas areias do deserto Sírio. Denunciar esse genocídio não significa nenhum tipo de alinhamento à política imperialista estadunidense.
- Mas, não há sinais de possibilidade de resolução dessa situação pela via puramente militar. E o principal anseio da imensa maioria do povo sírio hoje é a paz. Nossa posição é de toda solidariedade ao povo Sírio e pelo seu pleno direito de autodeterminação. Assim, devemos ter clareza que a melhor alternativa para a crise na Síria é através da diplomacia e do multilateralismo. A isso deve ser agregada a necessidade da construção de um processo pacífico de transição do atual regime para uma república civil, democrática e laica, na qual o povo sírio seja protagonista de seu destino e artífice da construção de uma paz negociada na região – que crie melhores condições para uma retomada da luta e organização popular, acumulando forças para a construção de uma perspectiva verdadeiramente revolucionária.
- Além disso, existe também a questão do Curdistão. Povo com população de cerca de 30 milhões de habitantes que, desde o Tratado de Versalhes (1919), foi repartido pelas potências imperialistas entre seis estados, especialmente Síria, Iraque, Turquia e Iran. Apoiamos a luta do povo curdo, que tem uma longa, legítima e histórica luta, política e militar, por sua independência e constituição de um estado soberano. E que, hoje, na correlação de forças presente, reivindica, como medida de curto prazo, uma autonomia regional.
O BREXIT, a questão da imigração e os dilemas sacodem a Europa
- A postura diante da questão dos refugiados e da imigração em geral, onde prevalece uma posição xenófoba, divide a Europa. As eleições no continente têm sido profundamente influenciadas por esse componente. Evidente que não se trata apenas de uma questão conceitual sobre a justeza ou não de abrigar refugiados. A combinação da crise econômica, marcada pela crescente onda de retirada de direitos históricos da classe trabalhadora europeia e o desemprego (que recuou um pouco, mas ainda está na casa dos 10% ou 21 milhões de pessoas), confere a esse debate um caráter explosivo. Num momento de crise e de chegada incessante de refugiados, “fechemos as fronteiras e protejamos nossos empregos”. Essas são as razões objetivas para o crescimento desse sentimento xenófobo. Mas, dentro desse processo, países onde não está havendo uma crise econômica nem a presença dos imigrantes é mais significativa, acabam sendo também influenciados por essa situação.
- Outro evento importante tem abalado o velho continente: a vitória, através de plebiscito realizado em junho de 2016, do Brexit (abreviação das palavras em inglêsBritain-Grã-Bretanha e exit-saída). Na prática significa a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), composta por 28 países. Na história da UE nunca aconteceu de um país sair do bloco, mas, contrariando todas as previsões, prevaleceu o sentimento de retirada. O plebiscito tinha sido uma promessa de campanha do primeiro ministro James Cameron, que renunciou ao cargo logo após o resultado.
- As consequências dessa decisão, que será aplicada paulatinamente, ainda não estão totalmente desenhadas. O Brexit recebeu 51,9% dos votos, enquanto 48,1% votaram pela permanência no bloco. O interior da Inglaterra e o País de Gales apoiaram majoritariamente a saída, enquanto Londres, Escócia e Irlanda do Norte optaram majoritariamente pela permanência.
- A vitória do Brexit foi reflexo da crise econômica, principalmente de um processo de desindustrialização da Grã-Bretanha, de corte de benefícios sociais e direitos trabalhistas e do crescimento da xenofobia nesses setores mais prejudicados pela crise, como se os refugiados e imigrantes ilegais fossem os culpados pela perda dos empregos. Uma das propagandas pela saída da UE propunha: “Lets Make Britain Great Again”, ou “vamos fazer a Bretanha grande novamente”, numa clara alusão à crise vivida pela União Europeia, e que a Inglaterra, que teria condições de andar com suas próprias pernas, devia pensar primeiro em si.
- É inegável que o Brexit fragiliza o projeto de consolidação de um bloco continental e coloca em questão o processo da globalização imperialista e sua “quebra de fronteiras” a partir dos próprios países centrais, como Europa e EUA. E note-se que o PIB da UE (somatória de todos os países membros) é o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA.
- Os setores ultranacionalistas e de extrema direita vêm tratando de capitalizar o resultado do plebiscito. O discurso protecionista, xenófobo e ultranacionalista é similar ao de Marine Le Pen (que foi derrotada, por um candidato da direita liberal no segundo turno na França), dos grupos neonazistas na Alemanha, da Holanda, de Norbert Hofer na Áustria e do próprio Trump nos EUA.
- Mas, passados quase dois anos e meio desde o plebiscito, O Reino Unido (RU) ainda não conseguiu resolver o imbróglio que criou e colocar em prática a saída do bloco europeu. Por um lado, as contradições com os países da União Europeia (EU), que não estão dispostos a fazer concessões importantes ao RU e estão colocando condições duras para fazer o RU pagar caro por sua decisão.
- Por outro lado, dentro da própria classe dominante e da elite política conservadora, as contradições continuam presentes e eles não têm conseguido chegar a acordos claros que resolvam seus problemas e conflitos internos e atendam a uma negociação com a UE.
- Além disso, ainda há conflitos com a República da Irlanda, que não saiu da UE e tem históricas relações econômicas com o Reino Unido. E o Brexit significa também uma alteração importante nestas relações bilaterais históricas. Para completar, pela dificuldade de viabilizar uma barreira alfandegária fechada entre a Irlanda do Norte (RU) e a República da Irlanda, a Europa está querendo que a alfândega seja colocada entre a Irlanda do Norte e a Inglaterra, o que significa, na prática, uma divisão comercial dentro do próprio RU.
- Finalmente, dentro do próprio Reino Unido aumenta a insatisfação popular com o Brexit e suas possíveis consequências para a vida do povo da Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales. De modo que, parte dos setores que foram contra o Brexit reivindicam um novo plebiscito para aprovar os termos finais do acordo de saída da EU.
- O governo conservador de Teresa May fez um acordo prévio com a UE, mas não está conseguindo obter maioria no Parlamento para a sua aprovação e nem mesmo o consenso do seu partido. E cresce a oposição popular. Há, portanto, a possibilidade de um acordo ruim para o RU ou o risco de um Brexit sem acordo com a UE, que pode ser ainda pior. Ou um novo referendum para revogar a decisão anterior de saída da EU.
- Fica claro, entretanto, que tanto ficar na Europa quanto sair são alternativas dentro do horizonte burguês. A continuidade na UE não elimina as políticas xenófobas e racistas que também estão na União. E uma ruptura do Reino Unido ou de qualquer outros país da Europa poderia ser positiva, se não ocorresse tendo como base e objetivo principal de colocar restrições racistas e xenófobas à imigração.
Os EUA sob o signo da Era Trump
- A eleição de Donald Trump representou uma vitória do conservadorismo nos EUA. Entretanto, se ele derrotou Hilary Clinton na corrida à Casa Branca, não teve a maioria dos votos dos estadunidenses.
- O sistema eleitoral americano, em que o voto popular elege um colégio eleitoral, permite distorções significativas. Hilary teve cerca de dois milhões de votos a mais que Trump, que assegurou sua vitória através do colégio eleitoral. Isso significa que Trump foi eleito sem o apoio da maioria da população estadunidense, que não referenda suas políticas. As pesquisas feitas após suas primeiras decisões políticas confirmaram rejeição da maioria ao seu governo.
- Todas as análises identificam que a votação de Trump se baseou em amplos setores de eleitores brancos das regiões rurais, de pequenos proprietários, de trabalhadores urbanos afetados pelo endurecimento da crise em 2008 (que permanece) e de áreas como o “Rust Belt”, ou “cinturão da ferrugem”. Essa denominação é uma alusão irônica ao cinturão da indústria, o“Manufacturing Belt”, que compreende a mais antiga e extensa área de indústrias dos Estados Unidos, e que inclui Pensilvânia, Virgínia Ocidental, Ohio, Indiana e Michigan. Essa região concentrava, há alguns anos, indústrias do ramo siderúrgico, mecânico, metalúrgico (automobilístico), petroquímico, alimentício e têxtil.
- Ele conseguiu galvanizar a revolta dos segmentos que experimentaram algum grau de precarização e empobrecimento em razão da crise econômica, que permanece. O discurso foi marcado pelo nacionalismo, com promessas de protecionismo; pelo racismo e pela xenofobia, na medida em que criminaliza imigrantes (principalmente latino-americanos e mulçumanos); também é machista, na medida em que ridiculariza e menospreza o papel da mulher no protagonismo social e político, e lgbtfóbico, pois não reconhece vários direitos conquistados pela comunidade LGBT.
- Seu discurso incorporou ainda o estigma da “anti-política”. Definia-se como um não político, como um empresário que não precisa da política para viver e que, portanto, estará “imune” à corrupção.
- A crítica à vitória de Trump não pode ser compreendida como uma defesa da candidatura de Hilary Clinton, que na prática sempre foi de direita e neoliberal. Bernie Sanders, que disputou as prévias do Partido Democrata com Hilary, conseguiu arregimentar setores à esquerda, descontentes com a crise e que poderiam oxigenar a política norte-americana.
- Ele não abandonou a xenofobia, o protecionismo e o preconceito com as minorias raciais e de gênero. A extinção do já precário seguro de saúde “Obamacare”, o ataque gratuito de misseis a um aeroporto da Síria, as ameaças de mobilizações militares em torno da Coreia do Norte, o estímulo à indústria bélica e à corrida armamentista são exemplos de suas ações. E ainda houve o escândalo de sua tentativa de bloquear as investigações do FBI às suas obscuras relações com o sistema de informações da Rússia para se favorecer durante a campanha eleitoral, com a demissão do chefe da polícia federal dos EUA, resultando em pedido de impeachment contra seu mandato.
- Enfim, com a eleição de Donald Trump abriu-se uma nova tendência da conduta estadunidense na arena global. Trump voltou-se para uma agenda distinta, desfazendo acordos de blocos comerciais, se retirando do bloco dos países do Transpacífico, rompendo o acordo nuclear com o Iran e retirando os EUA do Acordo de Paris, que versa sobre as mudanças climáticas. Pretende retomar a industrialização estadunidense, desfazendo-se daquilo que considera entraves para esse objetivo. Finalmente declarou uma guerra comercial a outros países, especialmente a China.
- Os ventos que sopram do norte com Trump não foram nada auspiciosos, mas logo começou a gerar um processo de resistência popular iniciado com manifestações de mais de um milhão de mulheres, que tomaram as ruas das cidades mais importantes dos EUA e assumiram a frente da construção de uma oposição, com importantes marcas de esquerda, aos seus ataques aos direitos civis nos EUA.
- Na tentativa de relançar os EUA num processo de crescimento econômico, especialmente no setor industrial, e a sua capacidade de competir com mercadorias importadas de outros países, especialmente com a emergência da China no cenário econômico e político internacional, Trump logo mostrou a que veio: anunciou e tomou medidas legais para o endurecimento da política de imigração, reforçando o racismo; o aprofundamento do Muro que separa os EUA do México; saindo do tratado transpacífico, entre os EUA e os países asiáticos; bombardeando a Síria, sob alegação não comprovada de uso de gás, para tentar impedir o protagonismo russo naquele país e minimizar a derrota política e militar dos grupos militares terroristas ligados aos EUA.
- De imediato, recebeu resposta do povo estadunidense em grandes manifestações e no aumento de sua rejeição medida em pesquisas de avaliação do governo.
- Mas ele seguiu em sua tentativa de compensar a perda de competitividade da economia dos EUA e seu enfraquecimento político-diplomático, com um misto de ações militares agressivas reais, bravatas e medidas econômicas protecionistas sustentadas pelo estado dos EUA. Além de bombardear a Síria, reconheceu Jerusalém como capital de Israel, agravando os conflitos com o povo Palestino e provocando insatisfação no mundo Árabe, inclusive entre alguns aliados dos EUA como até a Arábia Saudita.
- Uma das prioridades na política internacional de Trump tem sido a questão da Península Coreana, onde entrou num jogo de ameaças, mas suas bravatas não impediram os testes nucleares e de mísseis de longo alcance continental feitos pela Coreia do Norte. O regime burocrático daquele país, diante das agressões militares sofridas por outros países tratados pelos EUA (desde antes de Trump) como “Eixo do Mal” e outras adjetivações em tom pejorativo e de ameaças (como o Iraque, a Síria, a Líbia e o Irã), optou por uma autodefesa através da construção de uma força de dissuasão baseada na bomba nuclear e em mísseis capazes de lança-las em longo alcance continental, podendo, eventualmente, atingir os EUA.
- Depois dos testes desses artefatos feitos por aquele país, aconteceram ataques verbais furiosos de Trump e movimentações militares dos EUA na região. Abriu-se um processo de negociações e acordos, por iniciativa do governo de Pyongyang (e respaldo da China e Rússia) diretamente com a Coreia do Sul, o que acabou sendo aceito por Trump no encontro entre os presidentes dos dois países realizado em Singapura, um país asiático. O resultado acabou sendo um conjunto de declarações de intensão sem materialidade claramente definida e uma vitória diplomática de Kim Jong-un e uma derrota de Trump e suas bravatas.
- O processo de negociação continua se realizando diretamente entre os governos das duas Coreias, com avanços significativos, para regozijo da China, que será a potência mais diretamente favorecida, na medida em que diminuam as tensões na sua vizinhança e possa ficar mais à vontade para investir seus capitais na parte Norte da península coreana. Pois um dos objetivos da Coreia do Norte no processo de negociação é acabar com o bloqueio econômico de modo a favorecer o comércio exterior e também a entrada de investimentos capitalistas estrangeiros. E a China é um dos maiores interessados nisso.
- Trump tomou medidas protecionistas, aumentando a taxação da importação de diversas mercadorias, o que atingiu não somente a China, mas também os países do G7 (principais potências imperialistas ocidentais), ou seja, a Europa e o Canadá. E rompeu com o tratado de controle nuclear do Iran, que tinha sido assinado durante o governo Obama e era e continua sendo apoiado pela Europa, China e Rússia. Isto também significou atritos e troca de declarações negativas com algumas lideranças europeias, que não pretendem praticar bloqueios econômicos ao Iran, mesmo porque suas empresas têm interesse em manter relações econômicas com aquele país.
- O PIB dos EUA está tendo um crescimento significativo na comparação com a média dos últimos anos, tendência que pode levar a um crescimento de cerca de 3% no final de 2018. Mas não significa que é uma tendência que se manterá, pois esse crescimento teve um impulso imediato da redução de impostos e das medidas protecionistas e da antecipação de exportações para a China, no sentido de evitar as medidas protecionistas chinesas em retaliação às tomadas pelos EUA.
- Mas, apesar desse crescimento econômico (mesmo que de sustentação incerta e difícil) a política de Trump tem obtido muito mais derrotas políticas do que resultados positivos, pois suas ações não somente têm resultado em maior oposição interna nos EUA, como piorado a imagem daquele país imperialista no mundo, enquanto melhora a imagem da China, e aumentam seus conflitos com aliados históricos dos EUA. Por outro lado, têm criado dificuldades para a China, mas não têm conseguido impedir o avanço do imperialismo concorrente que vem do oriente.
- Ao contrário, o protecionismo e a agressividade econômica e verbal contra seus aliados do ocidente, têm fortalecido politicamente a China e sua principal liderança, o presidente Xi Jinping, como vanguarda da defesa do multilateralismo, da globalização e do livre mercado internacional.
- Foi isso que aconteceu, por exemplo, durante importante viagem de dez dias de Trump à Ásia, onde ele esteve na China, Japão, Coreia do Sul, Vietnam e Filipinas, que foi a mais longa viagem internacional de um presidente dos EUA desde George Bush em 1992. Mas os resultados políticos e econômicos favoráveis aos EUA podem ser considerados limitados. Na representação que a mídia ocidental fez da visita, Trump aparece sempre dizendo que quer ter boas relações com a China “desde que os interesses dos EUA sejam atendidos”. Um discurso agressivo, mas que reflete uma posição econômica claramente defensiva, priorizando interesses particulares.
- Enquanto isso, todas as manifestações dos chineses foram sempre amplas, falando do que seria bom para a economia mundial, sem colocar os interesses chineses como condição. E puderam fazer isso porque consideram que estão ganhando a competição econômica.
- E esta tem sido a regra. Enquanto o discurso e a prática de Trump têm sido o de “primeiro a América (EUA)” e a criação de barreiras comerciais, o dos chineses tem sido o de que o de que as boas relações entre China e EUA é o melhor para os EUA, a Europa, os países centrais, os “emergentes” e a periferia. Enfim, a economia capitalista global.
- Ou seja, enquanto a ênfase de Trump é o nacionalismo econômico agressivo e reacionário de grande potência, o da China tem sido o do internacionalismo do livre mercado capitalista.
- Enfim: com Trump os EUA sofreu uma derrota política e militar na Síria, derrota diplomática na Coreia, desgaste diplomático sem precedentes com a Europa e o Canadá, derrota política e eleitoral nas eleições presidenciais e congressuais no México e na constituinte da Venezuela, resistência na Palestina, tensões com a Turquia (que é outro aliado histórico estratégico), perda de apoio e aumento da rejeição popular dentro dos EUA. E não vem conseguindo impedir o avanço do imperialismo concorrente chinês, muito pelo contrário, este tem reforçado sua legitimidade e liderança não somente na periferia como no centro do capitalismo mundial.
- E, no final das contas, acabou sofrendo também uma derrota nas eleições do Congresso dos EUA onde, a apesar de manter a maioria no Senado, perdeu a maioria na Câmara dos deputados por uma significativa diferença de cadeiras parlamentares. Além disso, vem “batendo cabeça” com alguns de seus próprios assessores e se desgastando com parte da elite política do Partido Republicano, com parte do empresariado e da grande mídia, assim como do sistema burocrático do estado dos EUA. Além de enfrentar escândalos envolvendo sua vida sexual e a vida ética de importantes assessores. E tudo isso tem dificultado a aplicação de suas políticas.
A China e a Rússia na disputa interimperialista
- Como já indicamos em outras oportunidades, a queda do aparato stalinista na URSS não significou um avanço no processo de construção do socialismo. Ao contrário, consolidou a restauração capitalista no Leste Europeu e contribuiu indiretamente com esse processo na China, que hoje tenta se consolidar como alternativa imperialista ao imperialismo estadunidense.
- A diminuição no incrível crescimento chinês (que, nos anos mais recentes, tem mantido taxas de mais de 6,5% ao ano) depois do pico da crise mundial de 2008, não significou que essa disputa tenha sido solucionada, pois ainda representa mais do dobro da média mundial e dos EUA e o triplo da média dos países da Europa.
- Os EUA seguem sendo a maior potência mundial em diversos indicadores, mas as taxas de crescimento da China e o protagonismo político-militar da Rússia não podem mais ser ignorados. Esses países são, respectivamente, o mais populoso e o mais extenso da Terra, e têm grandes interesses comuns. A China está tendencialmente se transformando na maior economia do mundo e a Rússia é uma grande potência energética e tem tecnologia bélica e espacial de ponta; ambos estão na aliança dos BRICS e têm direito de veto no Conselho de Segurança da ONU. São a 2ª e 6ª economias (PIB-PPP) e a 2ª e 3ª potências militares. A Rússia tem enorme arsenal nuclear estratégico e tático e a China possui a maior força militar terrestre convencional. Suas economias se complementam e a extensão de suas fronteiras comuns permite realizar trocas comerciais com baixo custo e em segurança. A China dispõe de gigantescas reservas em ouro e divisas e é um grande credor dos países ocidentais. Além disso, ambas realizaram nos últimos anos diversos acordos de vulto nos setores, econômico, tecnológico, político e militar. Entre eles, está a “nova Rota da Seda”, que gerará grandes facilidades para o comércio entre a Ásia, Europa e África, por via terrestre e marítima.
- A China, apesar de ser o país onde, provavelmente, nos dias atuais, existe o maior número de greves por melhores salários e condições de trabalho no mundo, mantém forte estabilidade política, o mesmo acontecendo com a Rússia, onde é forte a repressão a qualquer movimento reivindicatório e de oposição.
- Mesmo não estando colocadas guerras interimperialistas no momento, os conflitos inter-burgueses não são coisa do passado, principalmente considerando a luta por recursos naturais. Não é por outro motivo que a aposta dos EUA para a construção de um ‘novo século americano’ neste sec. XXI passa pelo controle direto das áreas ricas em recursos naturais estratégicos, como o Oriente Médio e o norte da África, produtores de petróleo, e pela atualização de sua política de projeção de poder no centro da Eurásia – o que, entretanto, vem sendo bloqueado a partir da aliança formada entre Rússia e China.
- Como vimos acima, no período mais recente, aprofundaram-se as contradições e conflitos entre os EUA de um lado e a China em aliança com a Rússia de outro. Na Rússia, Putin e seu grupo reforçaram sua liderança autoritária, vencendo as eleições. Na China, o Congresso do PC no final de 2017, reafirmou formalmente sua linha de “Socialismo com as características chinesas”, o que significa de fato a reafirmação do processo de conversão ao capitalismo, e aprovou um Plano Quinquenal que visa ampliar e aprofundar o protagonismo imperialista Chinês. Do ponto de vista interno, o Plano quinquenal pretende “diminuir as desigualdades sociais” que a direção chinesa reconhece que é muito forte e tomar medidas para conter a destruição ambiental de grandes proporções que cresceu com o desenvolvimento de tipo capitalista nos últimos anos.
- Por outro lado, consolidou a política de partido único monolítico e a liderança pessoal de Xi Jinping dentro dele e do estado, concentrando em suas mãos os três cargos políticos mais importantes do país: Secretário Geral do Partido, Presidente da República e chefe da Comissão Militar. E o PCC passou a ter um CC e um Secretariado político mais unificado em torno das posições que defende, com o afastamento de opositores internos. Num prestígio que somente Mao Tsé-Tung havia tido, suas ideias passaram a ser consideradas oficialmente “Pensamento Xi Jinping”. Em termos internacionais, em virtude das ações protecionistas e agressivas de Trump, também aumenta seu prestígio como estadista.
- Entretanto, a China também tem sofrido as consequências da crise mundial, com queda progressiva do seu crescimento, aumento da dívida, e tendo eu tomar medidas para aumentar o mercado interno. Agora, tem feito um grande esforço econômico e diplomático para contrabalançar a guerra comercial provocada pelo protecionismo dos EUA. Sua ofensiva tem priorizado a Ásia, a África, a Europa e o Oriente Médio, tanto através de encontros, fóruns e acordos multilaterais, como bilaterais, realizando exportação de capitais na forma de investimentos e financiamentos, como dando demonstrações de boa vontade na abertura para ampliar relações comerciais.
- Ademais, China e Rússia têm aprofundado os laços na área de segurança e também feito manobras militares conjuntas, no sentido de dar demonstração de capacidade defensiva e retaliativa também nesta frente da disputa interimperialista.
- Uma preocupação mais recente dos chineses, foi a vitória de Bolsonaro no Brasil que, durante a campanha, anunciou que pretendia restringir as relações econômicas com a China, que segundo ele, tem sido “ideológica”. O que, entretanto, não será fácil de fazer. Os chineses são hoje o maior parceiro comercial do Brasil, maior importador e maior investidor externo, e já deram demonstração pública de que não estão dispostos a aceitar prejuízos sem retaliação. Além das relações econômicas dos chineses serem marcadas pelo pragmatismo e não terem nada de “preferência ideológica”, as principais bases econômicas produtivas internas de sustentação à campanha de Bolsonaro (setor primário exportador, especialmente o agronegócio), tanto depende grandemente de exportações para a China, quanto desejam investimentos, especialmente na infraestrutura para facilitar a produção e seu escoamento para exportação.
Os novos meios de manipulação política
- Dentro da recente ofensiva e bons resultados políticos do conservadorismo de extrema direita, internacionalmente, destacam-se os novos meios de manipulação política, originadas a partir da empresa britânica Cambridge Analytica e seus usos em processos eleitorais e de decisão política plebiscitária como o Brexit, a eleição de Trump nos EUA e Bolsonaro no Brasil e outras em países da África, Ásia e Leste Europeu.
- A partir de bancos de dados capturados através do Facebook e Google e usando o Facebook ou WhatsApp como plataformas de divulgação de mensagens, esta técnica de manipulação política consegue identificar não somente tendências políticas e ideológicas e elementos psicossociais que já eram identificados pelas técnicas de pesquisa sociológica, da ciência política e da psicologia, como ir mais adiante.
- Agora, é possível fazê-lo de modo a identificar as particularidades de grupos e subgrupos sociais e ideológicos ainda mais restritos e até indivíduos, permitindo o uso de uma comunicação direta que explora, de modo diferente e focado, as opiniões, sentimentos e emoções, no sentido de provocar reações dos indivíduos. Tanto reações de rejeição a determinadas lideranças políticas, como a partidos e concepções político-ideológicas, especialmente “identificadas” ou marcadas como sendo “de esquerda” ou supostamente de esquerda, para demonizá-las e, assim, criar um clima político favorável a determinadas plataformas políticas e candidaturas.
- Portanto, são técnicas que identificam uma situação psicossocial e, dentro dela, toda uma variedade de elementos que podem ser explorados manipulativamente para criar as condições favoráveis a determinados candidatos (de direita e extrema direita) ou questões em momento de decisão (como o caso do referendum do Brexit), para então descarregar mensagens, massivas e repetitivas, específicas para cada tipo de eleitor.
- Em alguns casos, a Cambridge Analytica foi ainda mais adiante, se utilizando de agentes (inclusive prostitutas) para incidir diretamente sobre os candidatos oponentes, obtendo informações sigilosas, promovendo desmoralização das imagens, fazendo chantagens etc.
- Um instrumento fundamental que faz parte desse tipo de técnica manipulativa tem sido as “Fake News”, notícias falsas, às vezes baseadas em algum fato real, inventadas para desmoralizar lideranças, figuras públicas, intelectuais, partidos, movimentos sociais, instituições do estado e da sociedade civil, assim como concepções políticas e ideológicas.
- Isso é um fato novo que agrega capital manipulativo ainda mais nefasto e destrutivo para a burguesia e a direita política, que já contava com os grandes meios de comunicação tradicionais como a TV e o rádio, que, de fato, nunca foram imparciais e nem expressões de notícias realmente verdadeiras.
- Cabe, portanto, sobre isso, tanto a investigação, o esclarecimento e a denúncia, como também defender a tomada de medidas legais contra seu uso, e ações que impeçam ou neutralizem o seu uso e/ou seus efeitos.
A situação da ofensiva conservadora e da resistência popular
- A crise mundial, desde 2008, tem gerado outras consequências, além do aguçamento dos conflitos interimperialistas, onde EUA e China ocupam as principais posições de polos opostos, porém dentro da mesma lógica geral do capitalismo no atual momento de sua fase imperialista.
- Há também uma maior polarização política em muitos países, como resultado da disputa aberta entre as classes e frações de classe para o seu enfrentamento. Como já vimos em resoluções anteriores, o resultado tem sido um enfraquecimento de posições liberais clássicas e das tendências mais à direita da social democracia. Abrindo espaço, por um lado, para um reaparecimento com força de uma direita radical, que tem vários matizes, desde partidos que disputam dentro da institucionalidade até uma extrema direita com perfil mais claramente fascista, que aparecem com suas características particulares em todos os continentes. Por outro lado, abriu-se um processo de reconstrução de uma resistência popular mais à esquerda combinado ou não com um reaparecimento de uma social democracia de esquerda e maior combatividade econômica do sindicalismo clássico burocratizado.
- A resposta a uma caracterização para a situação atual da luta de classes, entretanto, não pode ser resolvida com um discurso simplista, que tem sido praticado por setores da esquerda brasileira e mundial, tanto de que estaríamos vivendo uma profunda defensiva diante de uma grande onda conservadora, fascista ou neofascista mundial generalizada, ou como se estivéssemos numa situação revolucionária ou a caminho dela.
- Como temos dito, estamos vivendo um longo período de ofensiva do grande capital sobre os trabalhadores e os povos oprimidos e de resistência diante destes ataques.
- E, neste período histórico, tanto o desenvolvimento da resistência na luta de classes (direta ou por via eleitoral), como o da direita institucional ou extra-institucional, golpista ou baseada em grupos milicianos ou paramilitares, tem variado. A análise do período mais longo, portanto, não pode ser feita com base em situações imediatas, sem ver o conjunto do desenvolvimento do movimento. Este tipo de erro, tem feito com que tanto forças organizadas como lideranças populares e intelectuais de esquerda transformem momentos e situações particulares em situações de fundo, tirando daí análises gerais equivocadas. Foi o caso de alguns setores que viram nos movimentos da chamada “Primavera Árabe”, no movimento dos “Indignados” da Espanha e até mesmo na “Jornadas de Junho” do Brasil uma crise ou situação revolucionária. Por outro lado, na situação atual, vários setores só enxergam os fatos mais negativos da conjuntura, não fazem uma análise dialética do período, e concluem que a conjuntura estaria marcada por uma grande onda conservadora ou fascista mundial e uma situação de profunda defensiva dos trabalhadores e dos povos oprimidos.
- Nossa posição é de que existe sim uma ofensiva do capital e da direita em geral, mas que isso não caracteriza uma “onda conservadora” ou fascista generalizada em todos os países. A resistência popular também tem tido idas e vindas. Não é um processo linear. Tem variado na intensidade, formas de luta e organização e na expressão eleitoral. Houve momentos mais fortes em termos internacionais entre 2011 e 2015, quando tivemos os movimentos citados acima, além de uma profunda crise de hegemonia na Grécia e os setores mais à direita ainda não tinham obtido resultados eleitorais ou fraudes e golpes, como os que aconteceram na Argentina, Brasil, EUA, Reino Unido (Brexit), a capitulação do Syriza na Grécia e a situação de capitalização à direita não tinha se consolidado nos países árabes e Norte da África.
- O resultado das eleições que acabaram de acontecer no México, um dos três países mais importantes da AL, mostra isso. É claro que está em questão até que ponto o novo governo do MORENA vai levar adiante de fato um programa e uma estratégia realmente de esquerda ou não, mas é uma demonstração de que, certamente, “onda conservadora” não é
- As várias greves gerais e a vitória política da legalização do aborto na Argentina, que teve uma brilhante campanha de massas e chegou a ser aprovada pela Câmara dos Deputados, mas foi derrotada no senado, além do profundo desgaste do governo Macri, também mostram que os governos conservadores estão enfrentando resistência a suas políticas neoliberais mais radicais.
- A vitória da polêmica “Constituinte” na Venezuela, dentro de um enorme cerco do grande capital, especialmente dos EUA, apesar da atual direção governamental venezuelana não ter, de fato, o objetivo de levar adiante um processo de revolução bolivariana, também é um sinal importante. Da mesma forma, a vitória plebiscitária da independência da Catalunha e a posterior queda do governo da direita na Espanha. Assim como as mobilizações dos trabalhadores e contra o racismo e o Brexit no Reino Unido, que abrem a possibilidade de vitória de Jeremy Corbyn, que representa uma virada à esquerda do Partido Trabalhista, saindo de uma linha claramente liberal para um programa mais próximo do trabalhismo reformista social democrata clássico. Neste quadro, também está a derrota eleitoral da direita, depois de muitos anos, em Portugal e a vitória da legalização do aborto na República da Irlanda.
- Na luta da mulheres, tivemos na França, Itália, Portugal e Espanha, importantes mobilizações, especialmente nessa última, com a primeira greve geral de mulheres da história do país. Foram mais de cinco milhões de mulheres que deixaram de ir trabalhar em 200 cidades. Na Espanha, as mulheres ganham em torno de 21% a menos que homens em um trabalho de igual valor, isso quando lhes permitem chegar a cargos de tal responsabilidade, visto que, ainda perdura a divisão sexual do trabalho. O movimento teve como inspiração o chamado “dia livre das mulheres” de 1975 na Islândia, quando 90% das mulheres deixaram de trabalhar e saíram às ruas para se manifestarem pela igualdade. Cinco anos depois, o país elegeu a primeira mulher presidente.
- As organizações feministas espanholas realizaram atividades preparatórias com meses de antecedência e que culminaram em 24 horas de paralisação no 8 de março de 2018, Dia Internacional da Mulher. O mote era “Sem nós, o mundo pára”, com objetivo de mostrar o papel central que as mulheres exercem tanto no aspecto econômico e trabalhista quanto no doméstico e social, visto a falta de corresponsabilidade dos homens na divisão de tarefas. E, principalmente, o não reconhecimento do direito de decidir sobre seu próprio corpo. A luta feminista mais uma vez tomou protagonismo na luta pela transformação da sociedade.
- Na América Latina, nos últimos anos, também tivemos crescentes mobilizações de mulheres denunciando o feminicídio e a violência a que as mulheres estão sujeitas. A iniciativa “Ni Una a Menos” surgiu em 2015 como manifestação espontânea, inicialmente em três países latino-americanos e denunciou o assassinato brutal e estupro de cinco jovens mulheres, transformando a indignação em luta nas ruas. Mais que isso, pautou o caráter internacional do tema.
- Na Argentina essa ação tornou-se um movimento mais orgânico com o mesmo nome, ”Ni Una a Menos”, que se declara anticapitalista, antipatriarcal, anticolonialista e antirracista. A luta pelo direito ao aborto legal que é uma bandeira histórica do movimento feminista no mundo, teve um momento forte evidenciado no processo de votação em dois turnos realizado pelo congresso argentino, sob o governo neoliberal de Mauricio Macri. Por conta da mobilização das mulheres e suas entidades, que contou com passeatas e manifestações do “lenço verde”, instalou-se o processo de debate. Em 14 de junho de 2018 foi aprovado o projeto na Câmara dos Deputados, mas em 08 de agosto o voto conservador no Senado se impôs, impedindo a continuidade do processo legislativo.
- Mas as lutas das mulheres não param e em outubro de 2018, foi realizado no sul da Argentina o 33º Encontro Nacional de Mulheres que reuniu mais de 55 mil participantes, que continuam seu processo de mobilização por direitos gerais e pelo direito ao aborto em particular.
- Essas mobilizações em que as mulheres têm se notabilizado como o sujeito político protagonista, repercutiram no Brasil e em muitos países com a mobilização no período eleitoral de 2018 com o Movimento #EleNão, onde a pauta feminista foi evidenciada, na denúncia contra o feminicídio, contra a reforma da previdência, que precariza o trabalho das mulheres que têm tripla jornada laboral, e pela luta pelos direitos civis e pelo direito democrático e elementar de decidir por sobre suas vidas e seus corpos. “Esse processo mostrou que as mulheres têm sido um dos sujeitos com importante protagonismo na resistência popular na atual conjuntura internacional e nacional.
- Também a campanha e o apoio popular obtido por Bernie Sanders durante a disputa interna da candidatura presidencial do partido democrata, seguida das mobilizações em resistência às políticas de Trump nos EUA, estão dentro deste contexto. E agora, a derrota de Trump nas eleições para a Câmara dos deputados dos EUA, inclusive com a vitória de alguns parlamentares mais à esquerda. Destacamos a eleição de um recorde nacional de 92 deputadas, 21% da Câmara. Uma delas é Alexandria Ocasio-Cortez (Nova York), que tem 29 anos, tem militância de esquerda e é a mais jovem deputada já eleita na história dos EUA. Outras, foram as primeiras mulçumanas eleitas para o Congresso dos EUA: Ilhan Omar (imigrante da Somália) e Rashida Tlaib (de origem palestina).
- Não são exemplos de um avanço revolucionário, mas representam derrotas do conservadorismo e contraposição à sua ofensiva.
- Outro exemplo, foi a eleição na Costa Rica, onde venceu o candidato de centro-esquerda Carlos Alvarado Quesada que derrotou o evangélico Fabricio Alvarado Muñoz candidato pelo partido conservador Restauração Nacional (RN), surgido a partir do crescimento das igrejas neopentecostais no país. Foi uma eleição fortemente polarizada por temas de costumes, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, direito humanos e temas religiosos, onde o candidato vencedor defendia o estado laico e o casamento de pessoas do mesmo sexo.
- Também é importante registrar o resultado eleitoral na Colômbia onde, depois do acordo para o desmonte da guerrilha da FARC, e sua transformação num partido legalizado, as forças de esquerda e populares agora em 2018, mesmo não vencendo as eleições presidenciais, conseguiram retomar um protagonismo e ir ao segundo turno das eleições, rompendo a polarização entre duas candidaturas de direita no período anterior. Mesmo que, por outro lado, apesar dos acordos de paz e desarmamento das FARCs, continuam os assassinatos de lideranças populares promovidas por grupos paramilitares e o assassinato de políticos em geral: só neste processo eleição mais de 140 foram mortos.
- Estes fatos não autorizam uma avaliação de que o momento de maior radicalização e amplitude da luta de massas, ocorrido entre 2011 e 2014, continua avançando. Esta ofensiva redundou em avanço da direita nos espaços institucionais em vários estados e avanços eleitorais da extrema direita com características fascistas em outros, mesmo que não tenham obtido condições de chegar ao governo, como em algumas regiões da Alemanha,
- A correlação de forças continua amplamente favorável ao grande capital. O período é de resistência popular contra a ofensiva do capital para atacar direitos dos trabalhadores, do povo e aprofundar a dependência. Por outro lado, os fatos mostram que o que estamos vivendo, apesar da ofensiva da direita, não pode ser caracterizado como uma “onda conservadora” generalizada com adesão ampla das massas no mundo e sim como um momento de idas e vindas no processo de lutas. Em alguns países há uma “onda conservadora” em outros uma contra ofensiva popular e democrática.
- O “fim da história” e a supremacia do império do capital, preconizados pelos arautos do capitalismo, não resistiram ao agravamento da crise estrutural do capitalismo a partir de 2008. O vaticínio de “Socialismo ou Barbárie” está mais atual que nunca: ou a classe trabalhadora avança e constrói, de forma consciente e determinada, o novo, a sociedade livre da exploração e da opressão do capital, ou a humanidade caminhará a passos largos para a destruição irreversível dos recursos naturais, transformados em simples mercadorias, e dos recursos humanos, cada vez mais vulneráveis às intempéries e “humores” de uma classe que se revela cada vez mais mesquinha e incapaz de pensar para além de seus interesses de classe. Num mundo em que a cada quatro segundos morre uma pessoa de fome, apesar de termos condições de alimentar com folga toda a população mundial, fica evidente que o problema é político e social, não de escassez.
- O marco geral da situação mundial parece ser justamente o aprofundamento dessa polarização: de um lado os ataques da burguesia aos direitos históricos conquistados pela classe trabalhadora, e de outro as lutas e a resistência dos povos e trabalhadores em nível internacional. Essas lutas mexeram com o status quo das direções tradicionais dos movimentos sociais, o que abre possibilidades à direita e à esquerda. Em algumas situações a direita e a extrema direita estão aparecendo como alternativa.
- Cabe aos ativistas sociais de esquerda e socialistas aproveitarem as possibilidades abertas com essa situação. Devemos disputar todos os espaços, inclusive os institucionais e eleitorais, mas restringir ou priorizar a disputa aos parâmetros estabelecidos pela classe inimiga é um erro imperdoável. A luta real se desenvolve na vida concreta, na luta por moradia, por emprego e por comida, saúde, educação e segurança.
- É aí que temos que estar, militando incansavelmente e buscando conscientizar e organizar a vanguarda social lutadora em seus organismos sindicais, estudantis, populares e identitários, mas fundamentalmente construindo a ferramenta revolucionária mais importante: o partido revolucionário, o que deve ser feito dentro das condições concretas de cada país.
Ousando lutar, venceremos!
- O Brexit e a vitória de Trump mostram os impasses da globalização imperialista neste momento da crise estrutural do capitalismo. Evidenciam também as contradições entre a tendência universal do capital de se expandir e romper fronteiras e os interesses de parcela das burguesias nacionais e burocracias estatais, que buscam reforçar bases políticas, estatais e territoriais, próprias – e isso está gerando instabilidade e fraturas nos blocos econômicos ocidentais. Mas, por outro lado, nas regiões onde a China tem maior presença econômica, política e diplomática (como a Ásia, Ásia-Pacífico, Eurásia e África) e/ou tem relação com seu projeto da Nova Rota da Seda (One Belt One Road Initiative – Iniciativa do Cinturão e da Rota), esses blocos têm mantido ou aumentado sua importância.
- O pano de fundo, além da crise mundial e da decadência econômica relativa dos EUA, é a emergência da China, o que divide o grande capital estadunidense (e mundial), assim como suas elites políticas e militares sobre os caminhos a seguir para enfrentar essa nova situação. A China, por outro lado, vem procurando, em aliança com a Rússia, além de manter sua ofensiva econômica e avanços tecnológicos, reforçar sua capacidade militar de dissuasão, especialmente aeroespacial, marítima e de tecnologias de informação.
- O mundo está cada vez mais dividido. De um lado a burguesia, que não é um bloco monolítico (ao contrário, experimenta processos autofágicos para se manter no poder), demonstra toda sua capacidade de inovação e de perversidade. O inédito grau de concentração de renda revela uma classe sedenta e sem pudores: fará o que for necessário para manter o sistema capitalista, mesmo que isso signifique colocar toda a humanidade em risco. Do outro lado, a classe trabalhadora demonstra que, apesar das novas configurações do mundo do trabalho, não está disposta a se acomodar. Deixar de lutar não é uma opção. Isso se manifesta através de novos movimentos e correntes políticas presentes nos movimentos sociais, assim como as tradicionais estruturas sindicais, que, além de mobilizações e greves, também têm começado a ocupar um novo espaço eleitoral, mesmo que ainda sem uma linha programática e estratégica efetivamente socialista e revolucionária. A resistência aos ataques da burguesia é uma medida de autodefesa de sua integridade como classe. Cabe aos revolucionários interpretar e intervir nesse processo para que avance a consciência de classe dos trabalhadores e trabalhadoras.
- Essa talvez seja a grande tarefa do período: ganhar a consciência da classe trabalhadora mundial. As muitas lutas que estão sendo travadas pelo povo e pelos trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo ainda não são compreendidas como uma totalidade. Enquanto perdurar essa alienação, essa fragmentação e falta de visão totalizante, não avançaremos de forma consequente. Portanto, as lutas pelo direito à vida, à saúde, educação, salário, moradia e trabalho, assim como o enfrentamento de todas as opressões e em defesa do meio ambiente – seja na luta de massas ou nos espaços institucionais – são indispensáveis, mas são insuficientes para a revolução. É preciso demonstrar que enquanto perdurar esse sistema capitalista nunca poderemos viver em paz e com dignidade. Sempre haveremos de estar lutando para sobreviver.
- Permanece mais atual que nunca a tarefa de transformar a classe trabalhadora de classe em si para classe para si. E isso só será possível se, ao mesmo tempo que travarmos cada luta contra a exploração econômica, as opressões culturais, a dominação política, a opressão e dependência nacional, e a destruição ambiental, também travarmos uma batalha pela conscientização política dos trabalhadores e de todo o povo oprimido. Nessa jornada, cabe aos revolucionários construir as ferramentas sociais, culturais e político-partidárias necessárias à revolução socialista em cada país e, em nível internacional, articulações e fóruns que permitam interação e intercâmbio político e teórico.
Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!
Ousando Lutar, Venceremos!
Ação Popular Socialista – APS/PSOL
CNAPS, 16 a 18 de novembro de 2018
[1] Desde o início da década de 1970.
[2] V ENAPS – Encontro Nacional da Ação Popular Socialista, maio de 2012.