Artigo de Jorge Almeida publicado na revista britânica Socialist Review sobre as eleições no Brasil. Edição de dezembro de 2018.
No link, edição digital em inglês. No corpo da postagem, em português.
HOW THE RIGHT WON IN BRAZIL
http://socialistreview.org.uk/441/how-right-won-brazil
COMO A DIREITA VENCEU NO BRASIL
Jorge Almeida*
A vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais foi um choque sentido em todo o mundo. Jorge Almeida discute as crises que levaram a este ponto.
O Brasil elegeu um presidente de extrema direita. Mas, três meses antes da eleição, a hipótese principal não era a eleição de Jair Bolsonaro. A extrema direita não tinha uma tradição política pública no Brasil e quase nenhum político assumia ser dessa corrente política.
Bolsonaro apareceu com 17 por cento das pesquisas no final de 2017. Mas esperava-se que a eleição presidencial deste ano, mais uma vez, colocaria o Partido dos Trabalhadores (PT) contra o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), um partido de direita liberal.
O candidato preferido dos capitalistas e da elite política da direita tradicional, era Geraldo Alckmin, governador de São Paulo e membro do PSDB, partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No final, Alckmin teve apenas 4% dos votos.
Bolsonaro é um capitão aposentado do exército, de 63 anos, punido por indisciplina por fazer campanha para aumentar os salários das tropas em 1986. Na verdade, essa foi a base de sua primeira eleição, em 1988, como vereador no Rio de Janeiro.
Desde 1990, ele é deputado federal, período no qual conseguiu aprovar apenas dois projetos. Ele foi membro de vários pequenos e médios partidos de direita, todos envolvidos em corrupção. Curiosamente, quase todos foram aliados, em algum momento, dos governos do PT entre 2002 e 2016.
Ele é suspeito de enriquecimento ilícito e uso privado de recursos financeiros da Câmara de Deputados Federais. Além disso, ele esteve envolvido em vários conflitos familiares, que não autorizam sua afirmação de ser defensor da família tradicional.
O candidato do PT na eleição foi Fernando Haddad, professor e ex-prefeito de São Paulo, a maior cidade do Brasil, indicado pelo ex-presidente Lula da Silva. Lula está atualmente preso por corrupção, mas sem claras evidências legais apresentadas, enquanto líderes corruptos de direita, incluindo o atual presidente Michel Temer e vários líderes do PSDB, continuam soltos. Antes da candidatura de Lula da Silva ser barrada, ele estava à frente nas pesquisas.
No primeiro turno, Bolsonaro obteve 46% dos votos válidos, enquanto Haddad, candidato do PT teve 29%.
No segundo turno, Bolsonaro ganhou com 55% dos votos válidos contra 45% de Haddad. Bolsonaro ganhou todos os votos da direita liberal e alguns dos que já haviam apoiado candidatos do PT. No segundo turno, Haddad contou com o apoio de toda a esquerda, centro-esquerda, os movimentos sociais e pequena parte dos liberais.
Ciro Gomes, do PDT (Partido Democrático Trabalhista), partido considerado de centro-esquerda, teve 12% e Alckmin 4%. Todos os outros nove candidatos tiveram menos de 2%.
Dos partidos de esquerda radical, o candidato com maior número de votos foi Guilherme Boulos, do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), que teve menos de 1%. Mas, para o parlamento, o PSOL conseguiu vencer a cláusula de barreira e eleger dez deputados federais, o dobro do que havia eleito em 2014.
Desmoralização política
O Brasil está enfrentando uma crise econômica, social e política séria e duradoura. Além disso, toda a elite política está desmoralizada, começando pelo PT e tudo que pareça ser esquerda.
Dilma Rousseff (PT), que foi reeleita como presidente em 2014, sofreu impeachment do cargo em 2016, depois que o Congresso do país a acusou de “crime de responsabilidade”, apesar de não apresentar evidências para provar a acusação. O então vice-presidente Temer, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), e o Congresso Nacional, cuja maioria de direita e corrupta era aliada do PT, participaram do golpe. O judiciário, os comandantes militares, os grandes empresários, os estados imperialistas e a mídia também o endossaram.
Mas isso só foi possível porque o governo do PT ficou muito fraco. Houve uma combinação de crise social e econômica com uma visibilidade da corrupção. Mesmo assim, Rousseff conseguiu, mesmo com grandes dificuldades, vencer a reeleição usando um marketing político manipulativo. Mas ela quebrou suas promessas depois da eleição e começou a promover políticas neoliberais duras, tirando os direitos dos trabalhadores e fazendo privatizações. Seu apoio popular caiu rapidamente de 70% no início de 2013 para 10%, e seu índice desfavorável subiu para 70% logo após das eleições de 2014.
Nesse contexto, as grandes corporações que vinham apoiando o governo do PT aproveitaram-se de sua perda de popularidade e resolveram acelerar o esforço de privatização e reformas antipopulares, que o próprio governo do PT havia iniciado. E o melhor caminho que encontraram foi o impeachment.
O STF, cuja maioria dos membros também foi indicada pelos presidentes do PT, apoiou o golpe e os comandantes militares também o endossaram. O golpe também foi apoiado por uma campanha da mídia para minar o governo e defender a legalidade do impeachment. A direita aproveitou a situação para dar o golpe final.
O governo pós-golpe de Temer chegou para radicalizar as privatizações e as reformas antipopulares, aprofundando ainda mais a crise e aumentando a corrupção. A maioria dos líderes tradicionais de direita e parlamentares são suspeitos de corrupção. A impopularidade do governo ficou enorme, com 80% das pessoas querendo sua saída e apenas 3% apoiando-o. Isso abriu o caminho para a extrema direita.
Os discursos e práticas de Bolsonaro expressam uma forma de fascismo. Mas é um fascismo singular. Ele é autoritário, defende a ditadura militar que governou o país entre 1964 e 1985 e o uso da tortura, e a resolução dos problemas sociais baseada na violência e incluindo dura repressão do crime organizado e liberação do uso de armas. Ele é anti-comunista, anti-socialista e contra tudo o que parece ser de esquerda. Ele apela às massas com sua defesa da família tradicional e faz discursos racistas, sexistas, misóginos, homofóbicos e fundamentalistas cristãos, principalmente evangélicos pentecostais. Sua política cultural é conservadora e ele defende políticas sociais reacionárias que atacam os direitos duramente conquistados de trabalhadores, mulheres, negros, indígenas, LGBTs e imigrantes pobres. Além disso, sua política ambiental é de devastação.
Entretanto, seu nacionalismo não é verdadeiro, mas retórico. É o que chamamos de “entreguista” no Brasil. Na verdade, ele defende uma política econômica liberal radical, com mais privatizações e desnacionalização de toda a economia, maior acesso à riqueza da nação para o capital estrangeiro e uma política externa alinhada com os EUA e Israel. Isso significa que o Brasil terá conflitos com a China (atualmente o principal parceiro comercial do Brasil) e trará desrespeito aos povos da América Latina e da África. Em suma, o governo de Bolsonaro será marcado pela regressão política, social, econômica e cultural do país.
Mas isso não significa que a maioria do povo brasileiro seja de extrema-direita ou apoie todas essas políticas. Portanto, seu governo provocará conflitos sociais e políticos.
Seu apoio inicial se baseou numa classe média insatisfeita que, nos últimos anos, migrou de um apoio passivo aos governos petistas para um ódio ao PT e tudo o que parece ser esquerda. Mas o principal apoio de Bolsonaro está no grande capital monopolista, especialmente nos setores financeiro e do agronegócio.
Na sociedade brasileira como um todo, Bolsonaro é apoiado por igrejas evangélicas pentecostais, alguns grupos de extrema direita, incluindo pequenos grupos nazistas explícitos e, por último, mas não menos importante, policiais, militares e outros funcionários dos aparatos legais e coercitivos.
No parlamento, partidos de direita e grupos de direita corruptos em geral, que antes apoiavam os governos do PT, agora apoiam o novo presidente.
O sistema eleitoral brasileiro é considerado um “presidencialismo de coalizão”. A eleição presidencial é feita em duas rodadas, para um mandato de quatro anos, e o presidente pode ser reeleito apenas uma vez. O PSL (Partido Social Liberal) de Bolsonaro tem 52 deputados, cerca de 10% da Câmara Federal, mas a maioria dela é de partidos de direita. As questões mais importantes precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional, mas o presidente tem uma grande margem de ação dentro da lei, e se ele tem uma base de apoio social, ele tem um grande poder para influenciar esse corpo político. Mas ele precisará fazer alguns acordos, claros e sujos, para poder decidir.
A Campanha
Sua campanha foi realizada principalmente através de redes sociais, especialmente o WhatsApp. Ele teve pouco tempo eleitoral gratuito na TV e recebeu menos doações do que outros candidatos. Mas há muitos indícios de uso por Bolsonaro de Caixa 2, através de empresas que o apoiavam. Ele também explorou as Fake News, aprendendo com a Cambridge Analytica e conselhos de Steve Bannon. Sua campanha eleitoral foi altamente manipuladora das massas. A campanha também foi marcada por ataques físicos, principalmente dos apoiadores de Bolsonaro, incentivados por seu discurso.
Um fator chave no crescimento da popularidade de Bolsonaro veio quando ele foi esfaqueado por alguém, aparentemente com problemas mentais, um mês antes da eleição. O evento criou um grande impacto emocional e deu um motivo para que ele não pudesse participar em debates e entrevistas que o estavam prejudicando.
Mas o PT também errou ao apostar tudo em uma campanha puramente eleitoral e numa disputa legal e não na radicalização do movimento de massas.
Agora precisamos construir resistência através da unidade de organizações de trabalhadores e de todas as forças políticas democráticas e movimentos de base para tentar impedir as políticas regressivas de Bolsonaro. Mas, ao mesmo tempo, é necessário reconstruir uma verdadeira alternativa socialista de esquerda e um movimento social combativo enraizado nas bases da classe trabalhadora e de todos os setores oprimidos.
*Jorge Almeida é professor da Universidade Federal da Bahia (Brasil) e Visiting Scholar na SOAS-University of London.
Socialist Review, nº 441. Publicada 1º de dezembro de 2018