Foi divulgada a Declaração Política do II ENE (Encontro Nacional de Educação), que aconteceu em Brasília, de 16 a 18 de junho, no Campus Darcy Ribeiro da UNB. A declaração foi aprovada por aclamação pela plenária final, com mais de dois mil participantes entre estudantes e educadores de todo o país.
O II ENE, organizado pelas entidades do Comitê em Defesa dos 10% para a Educação Pública já (ANDES, SINASEFE, CSP-Conlutas e Esquerda da UNE e FENET, entre outras entidades nacionais) foi bastante vitoriososo
tanto em seu formato (plenárias, debates em grupo, painéis temáticos e construção de documentos) e sua própria realização, dada a grandiosidade do evento, quanto nos consensos alcançados e expressos na declaração política: a construção de uma greve geral contra os cortes na educação pública (DRU, projeto de lei 257 e PEC 241), a frente nacional contra o projeto “Escola sem partido”, o dia 11 de agosto como o dia nacional de luta pela educação pública e a defesa de uma auditoria da dívida pública, entre outras propostas.
Leia abaixo a declaração política do II ENE na íntegra e clique neste link para baixar o documento em PDF: Declaracao Política do II Encontro Nacional de Educação
DECLARAÇÃO POLÍTICA DO II ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
O II Encontro Nacional de Educação, realizado em Brasília entre os dias 16 e 18 de junho de 2016, foi vitorioso. Estiveram presentes aproximadamente 2000 participantes representando todas as regiões do Brasil e os diferentes setores da educação: estudantes secundaristas e universitários; estudantes de escola técnica; técnico-administrativos da educação básica e do ensino superior; professores e professoras do ensino básico das redes estadual e municipal; docentes de instituições federais e estaduais de ensino superior; assistentes sociais; movimento popular.
O II ENE ocorre numa conjuntura de aprofundamento dos ataques que o capital faz contra a classe trabalhadora no Brasil e no mundo: retirada de direitos, demissões, reformas antipopulares, terceirização, precarização, sucateamento dos serviços públicos, entre outros. Mas uma conjuntura também marcada pela brava resistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e dos setores oprimidos aqui em nosso país e em inúmeros países do mundo.
Foi vitorioso porque reuniu aqueles e aquelas que protagonizaram e protagonizam as lutas e greves em defesa da educação pública. Foi vitorioso porque reuniu aqueles e aquelas que ocuparam e continuam ocupando as escolas para impedir o seu sucateamento. Enfim, o II ENE foi vitorioso porque reuniu parte importante daqueles e daquelas que combatem cotidianamente a exploração praticada pelos donos do poder contra a classe trabalhadora e também reuniu aqueles e aquelas que enfrentam a exploração sofrida pelos setores mais oprimidos da população: negros e negras, mulheres; LGBT’s, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pessoas com deficiência.
Além disso, foi vitorioso porque debateu, desde a realização dos encontros preparatórios nos Estados, os principais temas que envolvem a educação e tomou posição sobre eles. E, apesar de uma realidade difícil, conseguiu apresentar propostas de ação e caminhos para a unidade de todas e todos que atuam na defesa da educação pública e na defesa dos direitos da classe trabalhadora.
Na sua instalação, o II ENE prestou uma homenagem ao Professor Márcio Antônio de Oliveira, militante do ANDES-SN, falecido no dia 13 de maio de 2016, importante referência na luta em defesa da educação pública e dos direitos dos trabalhadores. A ele é dedicado o II ENE.
EIXOS
Avaliação:
o sistema de avaliação da educação brasileira se constitui de forma punitiva e de ranqueamento que implica ataques à autonomia das instituições públicas de educação, especialmente na relação do financiamento condicionada a indicadores estabelecidos a partir das avaliações padronizadas como a Prova Brasil, ENEM, ENADE e da avaliação da CAPES para a pós-graduação, bem como indicadores definidos em âmbito estadual e municipal. Ainda, esta política de cunho gerencialista, impacta negativamente no desenvolvimento da carreira dos trabalhadores da educação, por meio da lógica do produtivismo e da meritocracia, que também amplia a intensificação
do trabalho e é utilizada como mecanismo de destruição das carreiras e de
redução salarial.
Para enfrentar estas políticas, é preciso aprofundar a análise e apontar
caminhos para a garantia da autonomia institucional. Esta autonomia deve
servir para transformar a realidade educacional a partir do acompanhamento
da situação objetiva das precárias condições em que se encontram as
instituições educacionais públicas, estabelecendo mecanismos que contribuam
para a formação emancipatória na educação básica e no ensino superior. O
processo de avaliação é fundamental e deve ser diagnóstico, democrático, não
punitivo e deve servir para apontar as falhas, mas também as soluções,
inclusive viabilizando a sua implementação.
Trabalho e Formação de trabalhadores da educação:
O II ENE aponta para a defesa da educação pública, laica, gratuita e de qualidade como locus
principal de formação e de trabalho. Assim sendo, sugere que é fundamental a
unidade dos trabalhadores da educação bem como a unidade dos
trabalhadores de modo geral. O II ENE indica a necessidade de produzir
espaços de articulação que organizem a classe trabalhadora para enfrentar os
desafios da conjuntura.
A educação a serviço da classe trabalhadora e emancipatória, que deve ser a
base de nossa formação, precisa incorporar os movimentos sociais como
atores centrais em sua formulação, cujo trabalho educativo deve estar
profundamente articulado com este setor. Assim, é fundamental que incorpore
na formação a pauta dos movimentos de combate as opressões de gênero,
LGBT, Negros e Negras. Deve ser, portanto, libertadora, classista e
emancipatória e que reconhece nos estudantes atores centrais em sua
formulação.
A formação que defendemos não pode se dar com ingerências indevidas de
governos e não pode estar sujeita a controles ideológicos, assim rejeitamos
categoricamente o Projeto “Escola Sem Partido” e assemelhados, bem como
rejeitamos o papel que as mídias hegemônicas têm cumprido neste sentido.
A precarização das condições de trabalho age em detrimento da qualidade da
educação e, portanto, da qualidade dos processos de formação dos
trabalhadores em educação. Assim, a luta contra a precarização é uma luta a
favor da nossa formação e por condições de trabalho.
É preciso combater a privatização da formação dos trabalhadores da educação
que também ocorre através da Educação à Distância. Há necessidade de se
possibilitar as condições objetivas para que os trabalhadores da educação
possam realizar a formação continuada, fundamental e importante para o
desenvolvimento pessoal, para o aumento da autoestima, com reflexos
positivos para o desempenho profissional.
Acesso e permanência:
Identifica-se, em relação ao acesso e à permanência, a obediência da política educacional do Brasil aos organismos multilaterais, no sentido de aumentar o acesso por via da privatização com duas perspectivas:massificação e diversificação sem qualidade, sem controle público e social. Isto tem impactado negativamente nas políticas de assistência estudantil que seresume ao PNAES enquanto decreto e não política de Estado, limitada ao
atendimento das demandas de estudantes de ensino superior, enquanto há
ausência de política de permanência para a educação básica.
Faz-se necessário apontar que o movimento precisa lutar pela garantia do acesso e
permanência com qualidade, da creche à pós-graduação. Para isso, é preciso
haver maior investimento do Estado. São significativas as demandas referentes
à inclusão e permanência de estudantes com deficiências, a necessidade de
construção de moradia estudantil, alimentação, creches, passe livre,
atendimento à saúde, apoio pedagógico, cultura, lazer, acessibilidade nas
escolas e universidades, bem como a universalização do ensino e o fim do
vestibular. Neste sentido, apontamos para e reestruturação das políticas de
permanência, contemplando demandas postas por estudantes negras e
negros, indígenas, quilombolas, LGBT’s, mulheres, mães/pais e trabalhadores.
Gestão:
Sobre o eixo de gestão, o II ENE concluiu que é necessário avançar
no debate de democracia e autonomia nas instituições publicas de educação.
Para isso, é importante pautarmos a paridade na participação dos conselhos
consultivos e deliberativos, e também na participação do peso da
votação/consulta para eleição dos diretores de escola, assim como de reitorias.
O debate de autonomia e democracia é fundamental, neste momento de
aprofundamento dos ataques e cortes na educação feitos para a aceleração da
implementação de um projeto de precarização, sucateamento e privatização da
creche à pós-graduação.
É preciso repudiar o método antidemocrático de eleição e participação nos
espaços consultivos e deliberativos nas instituições públicas de educação que
precisam ter autonomia e democracia interna para ampla e irrestrita
participação da comunidade acadêmica dos três segmentos.
A EBSERH, que vem sendo implantada nos hospitais universitários (HUs) é um
grave ataque à educação e à saúde pública do país. Os HUs são centros de
excelência de produção de conhecimento, de pesquisa e extensão
universitária. A aprovação desta política pelo então Governo Lula/Dilma, ao
entregar a administração dos hospitais públicos para uma empresa, que
contrata pessoal pela CLT, prepara os hospitais universitários para serem
integralmente privatizados. As adesões à EBSERH têm sido aprovadas de
forma antidemocrática e autoritária nas universidades.
Para garantia da autonomia e da democracia interna nas instituições públicas
de educação, é importante construir processos em que os setores de mulheres,
LGBT e de negritude sejam contemplados, para se garantir uma democracia de
fato nas instituições públicas de educação.
Em tempos de ataques às liberdades democráticas, a exemplo da “escola sem
partido”, a luta pela democracia e de uma gestão democrática nas instituições
públicas de educação se coloca como central na luta por um projeto classista e
democrático de educação.
Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Questões Étnico-Raciais:
O II ENE concluiu pela necessidade de reconhecer as demandas de negros e
negras, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas com deficiência, jovens,
mulheres e LGBT’s nos espaços de educação, bem como nos movimentos
sociais.
Reconhecemos as especificidades sociais, históricas e culturais. Também
reconhecemos que as reivindicações de cada indivíduo oprimida/o e
superexplorada/o devem se expressar na formulação de conhecimento, bem
como na formação curricular nos espaços de educação.
As escolas, universidades e institutos devem ser espaços críticos e
pedagógicos para o combate de todas as opressões. Para isso, é fundamental
a defesa de políticas afirmativas de reparação, como as cotas raciais; a
garantia do nome social para pessoas trans; campanhas de combate às
violências opressoras; a defesa do acesso e permanência das pessoas
oprimidas nas instituições públicas de educação.
A ausência de uma política que combata as opressões nos espaços de
educação deixa o caminho livre para a propagação do ódio, tão presente na
mídia hegemônica e outros veículos de propagação das ideologias opressoras.
O Projeto de lei “Escola Sem Partido” é um evidente exemplo disso. Derrotá-lo,
assim como qualquer outro projeto e leis aprovavas com esse conteúdo, é uma
tarefa de todo o movimento em defesa da educação. Bem como, intensificar a
luta contra a LGBTfobia debatendo os meios para enfrentá-la (leis, campanhas
etc); leis e campanhas pela segurança às mulheres vítimas de violência moral,
psicológica e física; e o reconhecimento da história e cultura do povo negro e
indígena como parte da superação do racismo e da violência étnico-racial,
utilizando-se de meios de comunicação, como cartilhas, campanhas nas redes
sociais, vídeos etc. O combate, em todos os âmbitos, às opressões está
diretamente ligado à construção de uma nova educação e, consequentemente,
de uma nova sociedade.
A formulação e atualização do conhecimento devem respeitar e incorporar as
diversidades e reconhecer a história e cultura negra, das mulheres e LGBTs.
Isso deve se expressar na formação continuada dos trabalhadores da
educação, bem como dos currículos escolares e acadêmicos.
Financiamento:
O II Encontro Nacional de Educação compreende que todos os
habitantes deste país têm direito a uma educação pública, gratuita, laica e de
qualidade em todos os níveis, o que demanda seu pleno financiamento por
recursos estatais, em volume equivalente a, pelo menos, 10% do PIB. O
Encontro repudia todas as formas de transferência de recursos públicos para o
setor privado previstas no Plano Nacional de Educação, em programas como o
PROUNI, o FIES, o PRONATEC, entre outros, que apenas subsidiam o lucro
empresarial, em especial dos grandes oligopólios educacionais. A extinção
desses programas deve ser feita de modo a não retirar nenhum direito dos
estudantes, que devem ter suas dívidas anuladas, serem absorvidos por
instituições públicas, cuja expansão deve incluir, entre outras coisas, a
estatização de instituições privadas.
A defesa do caráter público da escola pública passa pela luta contra todas as
formas de parcerias público privadas, as quais se dão invariavelmente com a
combinação de investimento público e lucro privado, como as terceirizações, as
administrações por meio de OS, militarização, a compra de serviços
educacionais privados pelo Estado, e as previstas no marco regulatório de
Ciência, Tecnologia e Inovação. Ao mesmo tempo, lutamos na defesa dos
direitos dos trabalhadores terceirizados e pelo direito à sua livre organização.
Faz-se necessário lutar pela extinção das fundações privadas ditas de apoio e
pela gestão democrática dos recursos financeiros da educação pública em
todos os níveis.
Lutamos contra todas as formas de precarização do trabalho nas instituições
públicas de educação e as destruições das carreiras. Lutamos pelo piso
nacional no valor do Salário Mínimo do DIEESE, por planos de carreira e
concursos públicos para reposição de todas as vagas e para expansão da rede
pública. Também denunciamos que o insuficiente Piso nacional aprovado não
é respeitado em muitos Estados e na maioria dos municípios.
Devemos acompanhar as definições e execuções orçamentárias da União, dos
estados e dos municípios, lutando contras as formas legais que retiram
recursos da educação, como a DRU, a Lei de Responsabilidade Fiscal e os
projetos de lei em tramitação que reduzem os recursos públicos e direitos dos
trabalhadores, como o famigerado PLP 257/16, e todas as formas que burlam
as conquistas em lei, a exemplo do piso nacional do magistério.
Mas, para que haja recursos para a educação e para as demais políticas
públicas é preciso que haja uma política tributária que taxe as grandes
fortunas, os lucros e demais ganhos de capital, com o fim das isenções fiscais
de igrejas, empresas, latifúndios e clubes sociais. Reafirmamos também a
importância do enfrentamento à maior sangria dos recursos públicos, que é a
dívida pública e seus mecanismos de manipulação de toda a política
econômica, que fazem do Estado o fiador e segurador do capital financeiro,
com a defesa de uma auditoria pública já, com suspensão do seu pagamento.
NOSSAS TAREFAS
O II ENE manifesta a disposição de luta e a necessidade da construção de
amplo e unitário movimento em defesa da educação pública. Conclama a
unidade dos setores da educação, inclusive aqueles que não construíram o II
ENE, na organização de ações em defesa da educação pública e gratuita por
meio da solidariedade às lutas em curso e da construção efetiva de uma
jornada de luta em defesa da educação pública, organizando mobilizações,
paralisações e greves do setor da educação. É preciso discutir nas bases de
todas as entidades a necessidade de construção de uma greve nacional da
educação, como meio de enfrentar o desmonte da educação pública.
Além disso, como ação unificada nacionalmente, o II ENE chama para o dia 11
de agosto – dia do estudante – a realização de um dia nacional de lutas em
defesa da educação pública e gratuita.
O II ENE coloca-se ao lado do conjunto da classe trabalhadora na luta contra o
ajuste fiscal e para barrar os projetos que tramitam nos legislativos que retiram
direitos da classe, como o da lei das terceirizações, o PLP 257/16, a anunciada
nova etapa da contrarreforma da previdência e também da trabalhista. Nesse
sentido, afirma o chamado às centrais sindicais, entidades estudantis e
movimentos sociais e populares para a construção da Greve Geral em defesa
dos direitos dos trabalhadores, contra o Ajuste Fiscal e as contrarreformas da
previdência e trabalhistas, exigindo-se também a saída de Temer.
O II ENE luta contra o PNE 2014-2024 pelo seu caráter privatista de
transferência de recursos públicos para as empresas educacionais privadas.
Assim, o II ENE estabeleceu as bases iniciais para a construção do projeto
classista e democrático de educação, que só será possível de se concretizar
por meio de amplas discussões, que envolvam todos os lutadores que
defendem a educação pública. O relatório final do II ENE deverá ser a
contribuição inicial a essas discussões a serem realizadas em seminários
locais, regionais e estaduais em todo o país, culminando no III ENE, em 2018.
A partir deste II ENE, o Comitê Nacional em Defesa dos 10% do PIB para a
Educação Pública Já! transforma-se em Coordenação Nacional das Entidades
em Defesa da Educação Pública e Gratuita, cujo objetivo central será acumular
e coordenar a construção do projeto classista e democrático de educação,
apontando ações de enfrentamento à precarização e privatização da educação
a serem construídas nacionalmente em conjunto com todos os setores que
defendem a educação pública. A Coordenação Nacional das Entidades
também buscará atuar no apoio às lutas, ocupações, mobilizações, greves na
educação, contribuindo para dar repercussão a essas lutas. Assim, apoiados
no que construímos ao longo destes anos, vamos dar um passo maior na
nossa luta, na nossa unidade e na nossa organização em defesa da educação
pública, laica, democrática e também na defesa dos direitos da classe
trabalhadora.
Brasília-DF, 18 de junho de 2016